segunda-feira, 28 de abril de 2014

Carta ao papa Francisco



        José Antonio Pagola
      (Padre e Teólogo)
"Quase sem dar-nos conta, você está introduzindo no mundo a Boa Notícia de Jesus Cristo. Você está criando na Igreja um clima novo, mais evangélico e mais humano. Você está nos oferecendo o Espírito de Jesus Cristo...”

Querido irmão Francisco:
Desde que foste eleito para ser a humilde ‘Rocha’ sobre a qual Jesus quer continuar construindo hoje sua Igreja, acompanhei com atenção tuas palavras. Agora, acabo de chegar de Roma, onde pude te ver abraçando crianças, bendizendo enfermos e inválidos e saudando a multidão.
Dizem que és vizinho, simples, humilde, simpático... E não sei quantas coisas mais. Penso que há em você alguma coisa mais, muito mais. Pude ver a Praça de São Pedro e a Via dela Conciliazione cheias de gente entusiasmada. Não creio que essa multidão se sinta atraída somente por tua simplicidade e simpatia. Em poucos meses você se converteu em uma ‘boa notícia’ para a Igreja e, também, para além da Igreja. Por quê?
Quase sem dar-nos conta, você está introduzindo no mundo a Boa Notícia de Jesus Cristo. Você está criando na Igreja um clima novo, mais evangélico e mais humano. Você está nos oferecendo o Espírito de Jesus Cristo. Pessoas afastadas da fé cristã me dizem que as ajudas a confiar mais na vida e na bondade do ser humano. Alguns que vivem sem um caminho para Deus me confessam que acordou em seu interior uma pequena luz que os convida a revisar sua atitude frente ao mistério último da existência.
Eu sei que na Igreja precisamos de reformas muito profundas para corrigir desvios alimentados durante muitos séculos, porém, nestes últimos anos, foi crescendo dentro de mim uma convicção. Para que se possam realizar estas reformas, precisamos, previamente, de uma conversão num nível mais profundo e radical. Precisamos, sinceramente, voltar a Jesus, colocar as raízes de nosso cristianismo com mais verdade e mais fidelidade em sua pessoa, sua mensagem e seu projeto do Reino de Deus. Por isso, quero exprimir-te que é isso o que mais me atrai de seu serviço como Bispo de Roma neste começo de tua tarefa.
Eu te agradeço que abraces as crianças e as apertes ao teu peito. Estás nos ajudando a recuperar aquele gesto profético de Jesus, tão esquecido na Igreja, porém tão importante para entender o que esperava de seus seguidores. Segundo relatam os Evangelhos, Jesus chamou os doze, pôs uma criança no meio deles, o apertou entre seus braços e lhes disse: "O que acolhe a uma criança como esta em meu nome, está acolhendo a mim.”
Tínhamos esquecido que no centro da Igreja, atraindo a atenção de todos, devem estar sempre os pequenos, os mais frágeis e vulneráveis. É importante que estejas entre nós como ‘Rocha’ sobre a qual Jesus constrói sua Igreja, porém é tão importante ou mais que estejas em nosso meio abraçando os pequenos e bendizendo aos enfermos e os que não têm valor, para nos lembrar como acolher a Jesus. Este gesto me parece decisivo nestes momentos em que o mundo corre o risco de se desumanizar criando incompreensão com os últimos.
Eu te agradeço que nos chames de forma tão repetida a sair da Igreja para entrar na vida onde sofremos e nos alegramos, lutamos e trabalhamos: esse mundo onde Deus quer construir uma convivência mais humana, justa e solidária. Creio que a heresia mais grave e sutil que penetrou no cristianismo é de ter feito da Igreja o centro de tudo, afastando do horizonte o projeto do Reino de Deus.
João Paulo II nos lembrou que a igreja não é um fim em si mesma, mas somente ‘semente, sinal e instrumento do Reino de Deus’, porém suas palavras se perderam no meio de muitos outros discursos. Agora desperta em mim uma alegria grande quando nos chamas a sair da ‘autorreferência’ para caminhar em direção às ‘periferias existenciais’.
Aproveito sublinhando tuas palavras: "Devemos construir pontes, não muros para defender a fé”; precisamos de "uma igreja de portas abertas, não de controladores da fé”; "a igreja não cresce com o proselitismo, mas com a atração, o testemunho e a pregação”. Parece-me escutar a voz de Jesus que, do Vaticano, nos empurra: "Ide anunciar que o Reino de Deus está perto”, "ide e curai os enfermos”, "o que há recebido de graça, devolva-o de graça”.
Também te agradeço pelos teus apelos contínuos a converter-nos ao Evangelho. Como bem conhece à Igreja. Surpreende-me tua liberdade em dar nomes aos nossos pecados. Não o fazes com linguagem de moralista, mas com a força do Evangelho: as invejas, a ansiedade de fazer carreira e o desejo do dinheiro; "a desinformação, a difamação e a calúnia”; a arrogância e a hipocrisia clerical; "a espiritualidade mundana” e a "burguesia do espírito”; os "cristãos de salão”, os ‘crentes de museu’, os cristãos com ‘cara de funeral’. Preocupa-te muito ‘um sal sem sabor’, ‘um sal que não sabe de nada’, e nos chamas a sermos discípulos que aprendem a viver com o estilo de Jesus.
Não nos chamas só a uma conversão individual. Empurra-nos a uma renovação eclesial, estrutural. Não estamos acostumados a escutar essa linguagem. Surdos ao chamado renovador do Vaticano II, esquecemos que Jesus convidava seus seguidores a ‘por o vinho novo em odres novos’. Por isso, me enche de esperança tua homilia da festa de Pentecostes: "A novidade nos da sempre um pouco de medo porque nos sentimos mais seguros se temos tudo sob controle, se somos nós os que constroem, programamos e planificamos nossa vida segundo nossos esquemas, seguranças e gostos... Temos medo que Deus nos leve por caminhos novos, nos tire de nossos horizontes, muitas vezes bem limitados, fechados, egoístas, para abrir-nos aos seus”.
Por isso nos pedes que nos perguntemos sinceramente: "Estamos abertos às surpresas de Deus ou nos fechamos com medo às novidades do Espírito Santo? Estamos decididos a percorrer os novos caminhos que a novidade de Deus nos apresenta ou nos entrincheiramos em estruturas caducas que perderam a capacidade de dar respostas?” Tua mensagem e teu espírito estão anunciando um futuro novo para a Igreja.
Quero terminar estas linhas expressando-te humildemente um desejo. Talvez não poderás fazer grandes reformas, porém podes dar um impulso à renovação evangélica em toda a Igreja. Com certeza podes tomar as medidas oportunas para que os futuros bispos das dioceses do mundo inteiro tenham um perfil e um estilo pastoral capaz de promover esta conversão a Jesus que tu queres encorajar desde Roma.
Francisco, és um presente de Deus. Obrigado!
via internet

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