sábado, 28 de junho de 2014

Povo brasileiro, campeão?

Dom Walmor Oliveira de AzevedoArcebispo metropolitano de Belo Horizonte

O futebol do Brasil é o único que se fez representar em todas as Copas do Mundo e, nesta história, pela primeira vez, o povo brasileiro tem a oportunidade para dar um tratamento diferente ao megaevento esportivo, justamente quando é realizado aqui. Em outras ocasiões, comentava-se o risco de manipulação governamental em proveito próprio e de interesses partidários. Mas, neste Mundial de 2014, cresce a esperança de que a sociedade avançará em suas análises políticas e avaliações de impactos sociais. Nesse exercício, devem ser incluídas as reflexões sobre gastos bilionários em detrimento de necessidades básicas urgentes na infraestrutura. Também é importante saber separar a euforia do torcedor das avaliações sobre os políticos e a política partidária. Afinal, a conquista do hexa não será, obviamente, a garantia de que o povo brasileiro se tornará campeão.

A competitividade esportiva, além do divertimento e do entusiasmo da festa, por sua força educativa própria, é metáfora rica com indicações para o comportamento cidadão que almeja uma condição campeã. Há, pois, sinalização concreta de amadurecimento popular nessa etapa nova dos desdobramentos políticos e sociais no Brasil. A Copa do Mundo tem data fixada para acabar e, evidentemente, a vitória brasileira será motivo de alegria para o povo. Contudo, não garante os mais significativos avanços na busca das vitórias necessárias e urgentes, quando se considera os enormes desafios a serem vencidos para mudar cenários desoladores que mancham a pátria amada.
Terminada a Copa, o povo brasileiro tem ainda um longo caminho a percorrer em busca de sua indispensável condição campeã no tratamento dos pobres, na superação da exclusão social vergonhosa, na grande concentração das riquezas e do dinheiro nas mãos de uma minoria, entre outros desafios. Encontrar um novo modo de se fazer política no Brasil, de maneira mais civilizada, lúcida, propositiva, sem demagogias, em diálogo com a população, também é meta a ser alcançada. E esse caminho não será percorrido sem que a sociedade brasileira paute suas ações a partir de inequívoca reciprocidade, baseada em princípios e valores que reconhecem o bem moral como condição indispensável para a estruturação da vida social e política.
Percebe-se que a batalha é grande. A corrupção endêmica que tempera funcionamentos institucionais, governamentais, condutas individuais, precisa de um tratamento extremamente incidente. As eleições de 2014 precisam ser marcadas pelo exercício cidadão de buscar corrigir os rumos do país. Na contramão desse caminho, a oportunidade de mudanças mais profundas será entregue de “mão beijada” aos produtores de uma política inócua. É fundamental uma reeducação a partir do gosto pela verdade, capaz de promover uma grande mudança cultural. Deste modo, será possível até mesmo o enfrentamento da postura irônica de considerar serem politicamente corretas as falsas posturas, que objetivam captar a simpatia do cidadão para se alcançar certos objetivos e, em seguida, após conquistá-los, ignorar completamente os anseios do povo.
Gostar da verdade ainda é um enorme desafio na configuração da sociedade. Trata-se de imprescindível condição para se formar um tecido cultural mais consistente e, consequentemente, uma capacidade para lidar de modo mais nobre com a liberdade e com a justiça. Só a plena verdade sobre o homem, vivida no tratamento da vida cotidiana, permite a superação de uma visão distorcida do que é justo, abrindo o horizonte daqueles que estão nas cortes, instâncias governamentais, nos diversos campos profissionais, nas relações familiares e interpessoais, para a solidariedade e o amor.
Os elogios à receptividade brasileira aos visitantes estrangeiros é o sinal de que as praças esportivas, embora chamadas de “arenas”, as ruas e todos os lugares devem ser espaços de acolhida, ambientes para o intercâmbio civilizado e construtivo. Permanecerá o desafio de, terminado o Mundial, conservar no coração do povo brasileiro essa abertura para o encontro, impulsionando um caminho novo de solidariedades e revisões profundas das desigualdades. Enquanto não se conseguir eliminar a exclusão social, vergonhosa entre nós, não se vencerá a violência crescente. O sistema social em que vivemos é injusto na sua raiz. É indispensável continuar a luta contra a idolatria do dinheiro e outros males para que a cultura da vida com seus valores e tradições seja salva. Com ou sem o hexa, conta é que seja o povo brasileiro campeão.

PÃO E CIRCO



Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará (PA)

A Roma Antiga conheceu uma prática popularmente chamada de "Pão e Circo", que previa o provimento de comida e diversão ao povo, para diminuir a insatisfação popular com os governantes. É que o crescimento urbano trouxera também os problemas sociais. Muitas pessoas migraram para as cidades romanas, em busca de melhores condições de vida. A grande cidade conheceu então lutas de gladiadores nos estádios, onde também eram distribuídos os alimentos. Assim, muitos problemas eram esquecidos e diminuíam as chances de revolta. De lá para cá, diversão e alimento sempre entraram no menu das ofertas postas à disposição das massas em todo o mundo, ainda que mudem os tempos e as expressões com que as diversas culturas se manifestam.
Os espetáculos incluíram também a execução de tantos cristãos, homens e mulheres de todas as idades e condições sociais que derramaram seu sangue pelo nome de Jesus Cristo. Em Roma foi executado e sepultado, durante o reinado do imperador Nero, provavelmente no ano 64, o Apóstolo São Pedro. Sua execução foi um dos muitos martírios de cristãos na sequência do grande incêndio de Roma. Foi crucificado de cabeça para baixo, a seu próprio pedido, perto do Obelisco, no Circo de Nero. A tradição dá conta de que o local em que foi sepultado se tornou muito cedo meta de visitas e peregrinações e corresponde à Basílica construída na era constantiniana. Depois de muitas vicissitudes históricas, foi no século XX que se intensificaram as escavações no subsolo da atual Basílica de São Pedro. O Papa Pio XII, no Ano Santo de 1950, anunciou os resultados dos trabalhos feitos até então. Em 1953, foi dada a público a notícia de uma inscrição em língua grega, que diz "Petrós Ení” - Pedro está aqui. Em 1968, o Papa Paulo VI anunciou que as relíquias de São Pedro tinham sido identificadas de uma forma convincente.
O que sobrou do Circo de Nero? O que permaneceu da memória de Simão, aquele que o Senhor fez Pedro - Pedra? De construções da época pode ter ficado o pouco ou o muito que as descobertas arqueológicas identificam, mas de Pedro ficou a força do martírio, a ousadia da pregação e a força para estabelecer a Igreja primitiva sobre a herança de Israel. Ao seu lado, igualmente martirizado, encontra-se Paulo, mestre e doutor das nações, anunciador do Evangelho da Salvação. Em 2009, Bento XVI anunciou os resultados positivos das pesquisas feitas na Basílica de São Paulo fora dos Muros, com a confirmação da localização do túmulo do Apóstolo Paulo. São ajudas oferecidas pela ciência para confirmar que não foram mentes desvairadas que estabeleceram os fundamentos da vida da Igreja. Entretanto, permaneceu o mais importante, a transmissão coerente da fé. A herança recebida dos Apóstolos permanece viva e se transforma a cada dia em testemunho, para que a Boa Nova do Evangelho continue a ser anunciada.
O que permaneceu, perguntamos de novo, da herança deixada pelos Apóstolos? Ao celebrar a Solenidade de duas colunas da Igreja, colhemos a oportunidade para identificar o que a Igreja pode oferecer, já que não lhe cabe repetir as propostas de pão e circo. Mesmo quando eventos esportivos, como a Copa do Mundo de Futebol, ocupam o tempo dos Meios de Comunicação, arrebatam multidões e mexem com nosso brio brasileiro que se emociona de gol a gol, a Igreja sabe que deve oferecer mais e que lhe cabe fazer a diferença, num sadio espírito crítico, que ofereça caminhos de reflexão para as pessoas e comunidades.
Basta lembrar a encantadora mensagem do Papa Francisco, por ocasião da abertura da Copa do Mundo: "Quero sublinhar três lições da prática esportiva, três atitudes essenciais para a causa da paz: a necessidade de treinar, o 'fair play' e a honra entre os competidores. Em primeiro lugar, o esporte ensina-nos que, para vencer, é preciso treinar. Podemos ver, nesta prática esportiva, uma metáfora da nossa vida. Na vida, é preciso lutar, treinar, esforçar-se para obter resultados importantes. O espírito esportivo torna-se, assim, uma imagem dos sacrifícios necessários para crescer nas virtudes que constroem o caráter de uma pessoa. Se, para uma pessoa melhorar, é preciso um treino grande e continuado, quanto mais esforço deverá ser investido para alcançar o encontro e a paz entre os indivíduos e entre os povos! É preciso treinar tanto! O futebol pode e deve ser uma escola para a construção de uma cultura do encontro, que permita a paz e a harmonia entre os povos. E aqui vem em nossa ajuda uma segunda lição da prática esportiva: aprendamos o que o 'fair play' do futebol tem a nos ensinar. Para jogar em equipe é necessário pensar, em primeiro lugar, no bem do grupo, não em si mesmo. Para vencer, é preciso superar o individualismo, o egoísmo, todas as formas de racismo, de intolerância e de instrumentalização da pessoa humana. Não é só no futebol que ser 'fominha' constitui um obstáculo para o bom resultado do time; pois, quando somos fominhas na vida, ignorando as pessoas que nos rodeiam, toda a sociedade fica prejudicada. A última lição do esporte proveitosa para a paz é a honra devida entre os competidores. O segredo da vitória, no campo, mas também na vida, está em saber respeitar o companheiro do meu time, mas também o meu adversário. Ninguém vence sozinho, nem no campo, nem na vida! Que ninguém se isole e se sinta excluído! Atenção! Não à segregação, não ao racismo! E, se é verdade que, ao término deste Mundial, somente uma seleção nacional poderá levantar a taça como vencedora, aprendendo as lições que o esporte nos ensina, todos vão sair vencedores, fortalecendo os laços que nos unem". O Papa parece um técnico do grande jogo da aventura humana, salientando aspectos fundamentais na estratégia da vitória que Deus quer para todos! À Igreja cabe tomar consciência dos sinais dos tempos, identificar os apelos de Deus através de um discernimento cuidadoso e trabalhar para que todos vivam num contínuo processo de conversão e mudança sincera de vida.
O sucessor de Pedro de nosso tempo, Bispo de Roma e Papa Francisco, tem mostrado, para alegria de todos os cristãos, os rumos a serem seguidos para que não sejamos apenas artistas de um espetáculo esportivo com hora marcada para se encerrar, ou mesmo pessoas interessadas apenas no alimento ou no consumo desenfreado dos bens materiais, mas homens e mulheres que descobrem o sentido de sua vida no amor e na alegria da misericórdia que se espalhe, para curar o mundo ferido e cansado.
É uma forma diferente de celebrar o dia do Papa, neste final de semana. O mundo tem descoberto que Papa Francisco se revela a cada dia como uma figura eclesial e humana de porte inigualável, digno da herança de todos os seus antecessores, de Pedro a Bento XVI, passando por uma imensa galeria de homens escolhidos a dedo pela Providência Divina, que respeita as mediações humanas, mas se faz presente e toma a palavra nos momentos mais decisivos. Seus gestos e palavras têm edificado as pessoas e grupos que acorrem de todas as formas à profundidade de seus ensinamentos. O mundo já o reconhece como voz abalizada diante de todos os poderes existentes na sociedade, ainda que se faça sempre tão simples e aberto ao contato com todos. Deus seja louvado pelo seu ministério e seu testemunho!

A PEDRA QUE EDIFICA E QUE DEFENDE A PAZ E A UNIDADE






Dom Roberto Francisco Ferreria Paz
Bispo de Campos (RJ)
Neste domingo celebramos a Solenidade martirial dos Apóstolos São Pedro e São Paulo, alicerces e fundamentos da Igreja de Cristo. São os dois olhos e pulmões da comunidade eclesial, constituindo os batimentos do coração do Corpo de Cristo, um que atrai e unifica, outro que impulsiona e vai ao encontro dos povos e nações.

São Pedro, Príncipe dos Apóstolos, Vigário de Cristo, ponte e Pastor Universal, exerceu como Bispo de Roma o ministério petrino, o papado, para manter reunidos num só povo os seguidores de Cristo, a comunidade da nova Aliança.
Sua liderança e carisma guardam na verdadeira fé, aos fiéis ajudando-os e encorajando-os na firmeza e no testemunho. Como trata-se de um elemento de direito divino, isto é, querido e instituído pelo próprio Jesus Cristo o ministério é permanente e passado para os sucessores de Pedro, os Papas que ao longo da caminhada da Igreja guiaram a sua barca. É reconfortante vivenciar que Jesus não nos deixou órfãos, mas somos constantemente protegidos e edificados, por uma paternidade comum e diligente, um timoneiro experiente que com a bússola infalível do Espírito Santo, vai navegando sempre para águas mais profundas até chegarmos ao porto seguro do Pai. São Paulo, o Apóstolo dos Gentios, teve a missão de alavancar a Igreja de Cristo rumo as culturas e civilizações existentes, como homem cosmopolita que era conseguiu derrubar os obstáculos e amarras que impediam a inculturação da fé e a expansão do Reino.
Um apaixonado por Cristo que como instrumento e servo do Senhor plantou e gerou comunidades dinâmicas e missionárias, que com a força do Espírito Santo em pouco tempo se multiplicaram alcançando as dimensões do Império Romano. Ele nos anima neste processo de sermos uma Igreja em saída como quer o Papa Francisco, modelo dos evangelizadores com Espírito, em diálogo com as culturas, servidores daqueles que foram considerados como dizia Paulo, lixo para o mundo, os pobres e excluídos.
Os dois São Pedro e São Paulo chegaram juntos ao martírio, a vitória da fé, semeando e vitalizando com seu sangue e sua páscoa, o Povo de Deus e a humanidade inteira que vê no doce rosto de Cristo na Terra como Santa Catarina de Sena chamava o Papa, a esperança, a paz e o chamado a unidade perfeita.
Deus seja louvado!

É possível viver a fé no ambiente virtual?

 
Geraldo Trindade 
Diácono na Paróquia Nossa Senhora da Conceição

(Rio Casca – Arquidiocese de Mariana), mantém o blog: 
http://pensarparalelo.blogspot.com
Cada dia mais a internet com suas ferramentas e opções estão presentes na vida das pessoas. Ela nasceu de uma experiência militar norte-americana com a finalidade de conectar computadores em diversas partes do mundo. A partir de então, estendeu-se até às universidades e de lá para o planeta e o cotidiano das pessoas. Por meio do ambiente virtual está-se presente em toda parte do planeta, comunica-se, divulga-se cultura, conhecimento, pensamento religioso...  

Como inserir a mensagem do Evangelho neste universo? E a experiência de fé? E a realidade comunitária-eclesial?

Não basta ser simplista e pensar em “entrar” neste mundo digital; é preciso refletir em como “estar” nele.

A Igreja encara os meios de comunicação como dons de Deus, capazes de criar laços entre as pessoas, além de desempenharem um papel social na sociedade e na história. É impossível não perceber a importância e a centralidade que os meios de comunicação social conquistaram em nossa sociedade!

Cristo revelou-se na história e operou nela a salvação. Ele é a “grande comunicação” do Pai com o mundo. Desde então, a Igreja é desta preciosa dádiva, guardiã e portadora. Ela guarda a fé; mas também é comunicadora deste depósito. Por isso, a comunicação pertence à essência da Igreja. No dizer do Santo João Paulo II, as novas mídias são como “o primeiro areópago dos tempos modernos”. Mesmo que estes meios de comunicação pareçam separados da mensagem cristã, eles oferecem oportunidades únicas para o anúncio do amor e da salvação de Cristo.

A nossa Igreja Católica cada vez mais se insere no mundo digital, por meio de sites, blogs, vídeos, redes sociais, palestras, músicas, aplicativos... Tudo isso faz parte da obra de evangelização e enriquece a vida da Igreja, pois ela precisa dialogar com o sujeito de nosso tempo. Trata-se de comunicar a fé com novas expressões e de maneiras atuais, mas a verdade da fé é a mesma: o anúncio da Boa Nova de Jesus Cristo por meio da proclamação do Evangelho e do testemunho.

Em um mundo indiferente e até hostil à fé cristã, a Jesus Cristo e ao Evangelho, é preciso nutrir um desejo ardente de comunicar, de evangelizar no mundo real e virtual. O Evangelho é uma mensagem globalizada, e o cristianismo e as verdades da fé estão abertos a todas as pessoas e culturas. Um homem pós-moderno, vazio, materialista e carente só encontrará razão de viver e de ser em Cristo Jesus. São mais de 6 bilhões de seres humanos. Destes, 33% não ouviram falar de Jesus. Por isso é importante que se lance mão da internet de maneira criativa para que se assuma as responsabilidades de nossa fé e ajudemos a Igreja a cumprir com sua missão.

No dia 1º de junho comemora-se o dia mundial das comunicações sociais com o tema: “Comunicação ao serviço de uma autêntica cultura do encontro”. O Papa Francisco convida a criar proximidade, união, solidariedade e encontro por meio das oportunidades que os meios de comunicação favorecem. A conquista da comunicação deve ser mais humana do que tecnológica. O convite do Papa é que se abra as portas da Igreja no mundo digital para que o Evangelho cruze as paredes do templo e vá ao encontro de todos. Ele nos convida a refletir: “Somos chamados a testemunhar uma Igreja que seja casa de todos. Seremos nós capazes de comunicar o rosto duma Igreja assim?” As redes sociais e a internet de modo geral são lugares onde se pode viver a vocação missionária da Igreja, de redescobrir a beleza da fé e a beleza do encontro com Cristo. É preciso nos encantar por uma Igreja que consiga levar calor e inflamar o coração, “uma igreja companheira de estrada, que sabe pôr-se a caminho com todos.”

O diálogo entre a Igreja e o mundo favorece que ela informe sobre o seu credo, explique as razões de sua fé e eduque catequeticamente melhor. A internet é, por isso, uma porta maravilhosa e fascinante, que usada de forma segura, sadia e verdadeira é capaz de promover um novo anúncio de Jesus, de tal maneira que cada vez mais, ouça-se falar do amor que Deus nos comunicou em Seu Filho, Jesus Cristo.
 
Porém, a realidade virtual não substitui a presença real de Cristo na Eucaristia, a comunidade, os sacramentos, a liturgia, a proclamação imediata e direta do Evangelho. Mas, os novos meios de comunicação podem completar, atraindo as pessoas para uma experiência mais integral da fé e enriquecendo a vida religiosa e catecumenal. 

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Relativismo Religioso e Totalitarismo Anticristão (II parte)



A constante identificação do catolicismo como o obstáculo a se abater na cultura atual, por ser responsável por um monoteísmo que difunde a violência religiosa no mundo, é injustificável.
Por Pe. Anderson Alves

RIO DE JANEIRO, 26 de Junho de 2014 (Zenit.org) -
Resta-nos responder a uma pergunta: o politeísmo é essencialmente tolerante? Existem hoje diversos autores que aplicam a metáfora do politeísmo religioso à democracia civil, falando assim de um “politeísmo de valores”. O politeísmo seria um antídoto à violência, enquanto que o monoteísmo é essencialmente intolerante e opressivo.
Na verdade a violência por motivos religiosos é a corrupção da religião. Trata-se de um fenômeno grave e sério, mas – é relevante notar – que não foi estranho ao politeísmo antigo (nem ao atual), no qual ocorriam lutas entre os deuses e os homens. Qual foi a tolerância que se deu na época da violenta perseguição do imperialismo grego perante a religião judaica (cf. 1 Mac 1-14; 2 Mac 3-10)? Lembremos também que a religião politeísta do Império Romano, com o seu conceito de cidadania, sua estrutura multi-étnica, multirreligiosa, perseguiu o judaísmo e especialmente o cristianismo, culpado de rejeitar a veneração do imperador como figura divina. A resposta cristã àquelas injustiças foi precisamente o testemunho não violento e a aceitação do martírio. Lembremos que nas sociedades antigas, quando um povo conquistava outro, a primeira coisa a ser destruída era o templo, o qual significava que o “deus” dos conquistadores era mais forte daquele dos vencidos. A segunda coisa destruída era a “biblioteca” daquele povo. O politeísmo “relativista” antigo e atual gera, na verdade, ataques à religião e uma verdadeira destruição da memória e da cultura.
Além disso, no mundo ocidental secularizado, multiplicam-se os mais estilos de vida inspirados numa violência espontânea, imediata e destrutiva, e isso vem sendo cada vez mais justificado eticamente. Ao mesmo tempo observa-se um enfraquecimento «no respeito pela vida, pela intimidade da consciência, pela salvaguarda da igualdade, pela paixão racional por um empenhamento ético partilhado e pelo respeito da autêntica consciência religiosa» (n. 13). Pode causar surpresa que sejam justamente as “religiões monoteístas” apontadas como uma das principais matrizes de um absolutismo violento e desestabilizante para a harmonia civil, quando a violência cresce exatamente em contextos secularizados. O esquematismo que liga o monoteísmo à violência e o politeísmo à tolerância não supera, pois, o exame histórico, é simplório e surge do preconceito racionalista segundo o qual existe um único modo de afirmar a verdade: negar a liberdade ou eliminar o antagonista.
A constante identificação do catolicismo como o obstáculo a se abater na cultura atual, por ser responsável por um monoteísmo que difunde a violência religiosa no mundo, é injustificável. Especialmente porque o catolicismo é atacado principalmente onde ele é mais conhecido: no mundo ocidental, construído graças ao humanismo cristão e no qual existe um número imenso de obras caritativas dirigidas pelos católicos.
No fundo, a denúncia contra o monoteísmo surge de motivações ocultas: a defesa de um ateísmo claramente professado e de uma concepção imanentista e naturalista do humano. Mas como os “ateísmos de Estado” deixaram milhões de mortos, feridos e escravos, algo que permanece vivo na consciência ocidental, busca-se então atribuir ao adversário os próprios erros e desgraças. Porém, «mesmo se nos convencermos de que não existe um Deus perante o qual todos os homens são iguais, o horizonte do pensamento de Deus é, apesar de tudo, tão indispensável à consciência humana que ele, “esvaziado” do seu legítimo ocupante, permanece à disposição do delírio de omnipotência do homem. Alguém ou até algo (a raça, a nação, a facção, o partido, a tradição, o progresso, o dinheiro, o corpo, o gozo) acaba por ocupar o lugar deixado vazio por Deus. A revelação bíblica anuncia-o e a história demonstra-o: o homem hostil ao Deus bom e criador, na obsessão de se “tornar como Ele”, converte-se num “Deus perverso” e depravado em face dos seus semelhantes» (n. 14). E desse “Deus perverso”, que dimana do pecado desde a origem, nada pode vir de bom para a pacífica convivência entre os homens.
Sendo assim, a radical advertência perante o uso despótico e violento da religião pertence ao núcleo originário da revelação de Jesus Cristo. A confissão do fato de que o único Deus se deixa reconhecer na unidade do supremo mandamento do amor a Deus e ao próximo ilumina a autêntica fé no Único Deus. De modo que «a unidade indissolúvel do mandamento evangélico do amor de Deus e do próximo estabelece e confere o grau de autenticidade da religião. Em toda a religião. E também em todo o pretenso humanismo, religioso ou não religioso» (n. 17). É nesse mandamento que reconhecemos Deus, que se torna visível. Em Cristo temos a perfeita revelação de Deus e nele contemplamos a perfeição do homem que corresponde intimamente a Deus.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Papa Francisco: A Alegria do Evangelho - 4



Caros diocesanos. Em programas anteriores apresentamos breve introdução e síntese de dois capítulos do documento Evangelii Gaudium (Alegria do Evangelho) do Papa Francisco, acentuando que a alegria missionária deve estar presente no anúncio da mensagem cristã, o que requer profunda conversão pastoral e missionária, tornando-nos Igreja ‘em saída’ e de portas abertas para todos, sobretudo os pobres. O Papa chamou atenção para aspectos da realidade que podem deter ou enfraquecer os dinamismos de renovação missionária da Igreja, como a economia de exclusão e a desigualdade social que mata, assim como alguns desafios culturais e tentações dos agentes de pastoral.

Hoje queremos apresentar o terceiro capítulo do documento: O Anúncio do Evangelho. A Igreja existe para evangelizar, para anunciar que Deus ama e convida a todos para fazer parte de seu povo. Ela colabora como instrumento da graça divina. Segundo o Papa Francisco: “A Igreja deve ser o lugar da misericórdia gratuita, onde todos possam sentir-se acolhidos, amados, perdoados e animados” (EG 114). O Povo de Deus encarna-se entre os povos da terra, respeitando suas culturas, pois a diversidade cultural não ameaça a unidade da Igreja, sendo ela transcultural (EG 117). Para a obra evangelizadora todos os cristãos são chamados: “Cada batizado, independentemente da própria função na Igreja e do grau de instrução da sua fé, é sujeito ativo de evangelização... Ele é missionário à medida que se encontrou com o amor de Deus em Cristo Jesus” (EG 120). Participar da missão evangelizadora, segundo o Papa: “Significa ter a disposição permanente de levar aos outros o amor de Jesus; isto sucede espontaneamente em qualquer lugar: na rua, na praça, no trabalho, num caminho” (EG 127). Este primeiro contato inicia com diálogo pessoal, estende-se ao anúncio da Palavra, à oração e o convite para a experiência da vida em comunidade. Neste contexto é importante valorizar a piedade popular, fruto do Evangelho inculturado; nela existe uma força evangelizadora que não podemos subestimar, pois seria ignorar a obra do Espírito. O Papa chega a falar em “lugar teológico a que devemos prestar atenção na nova evangelização” (EG 126). Atenção especial merecem os diversos carismas com os quais o Espírito enriquece a Igreja para renová-la e edificá-la. A autenticidade dos carismas se mede pela sua eclesialidade. Só o Espírito pode suscitar diversidade, pluralidade, multiplicidade e realizar a unidade (EG 130-131). 

O Papa Francisco dedica grande atenção no documento para a homilia, pela qual Deus deseja alcançar os outros através do pregador. Ela deve conduzir, mais que a verdades, para um diálogo materno de Deus com seus filhos e filhas: “O pregador tem a belíssima e difícil missão de unir os corações que se amam: o do Senhor e os do seu povo” (EG 143). Ela exige séria preparação: contato familiar com a Palavra para comunicar, aos outros, o que foi contemplado (EG 150): “Um pregador é um contemplativo da Palavra e também um contemplativo do povo” (EG 154).

O Papa Francisco conclui o terceiro capítulo com uma bela reflexão sobre o querigma ou primeiro anúncio. Este deve ocupar o centro da atividade evangelizadora e de toda a tentativa de renovação eclesial: Na boca do catequista, volta a ressoar sempre o primeiro anúncio: ‘Jesus Cristo ama-te, deu a sua vida para te salvar, e agora vive contigo todos os dias para te iluminar, fortalecer, libertar’... É o primeiro em sentido qualitativo, porque é o anúncio principal, aquele que sempre se tem de voltar a ouvir” (EG 164). Fala ainda sobre a mistagogia (EG 166): conduzir de forma continuada para dentro do mistério. Neste contexto de acompanhamento, “a Palavra de Deus ‘se torne cada vez mais o coração de toda a atividade eclesial’” (EG 174).

Dom Aloísio A. Dilli - Bispo de Uruguaiana 

Relativismo Religioso e Totalitarismo Anticristão (I parte)



Atualmente afirma-se que o monoteísmo é fonte de intolerância e violência, porém, esse pensamento é uma verdadeira forma de totalitarismo anticristão
Por Pe. Anderson Alves

RIO DE JANEIRO, 25 de Junho de 2014 (Zenit.org) -
No dia 16 de janeiro de 2014 a Pontifícia Comissão Teológica Internacional publicou um extenso e importante documento, elaborado entre 2009 e 2014: “Deus Trindade, unidade dos homens: o monoteísmo cristão contra a violência[i]. Consiste em um estudo do discurso cristão sobre Deus, defrontando-se com a tese segundo a qual haveria uma relação intrínseca entre monoteísmo e violência. Atualmente afirma-se que o monoteísmo, por acreditar ser o detentor de uma verdade absoluta, é fonte de intolerância e violência. Por sua vez, o politeísmo seria intrinsecamente tolerante e fundamental para a democracia. Esse pensamento pretende defender um relativismo religioso absoluto, mas acaba se revelando como uma verdadeira forma de totalitarismo anticristão.
O documento responde duas questões: como a teologia católica pode se confrontar criticamente com a opinião cultural e política que estabelece uma relação intrínseca entre monoteísmo e violência? E como a fé no único Deus pode ser reconhecida como princípio e fonte do amor entre os homens?
O texto afirma que a fé cristã reconhece na excitação à violência em nome de Deus a máxima corrupção da religião. O cristianismo chega a esta convicção a partir da revelação da própria intimidade de Deus, que nos chega através de Jesus Cristo. O capítulo primeiro – que expomos aqui – esclarece a noção de monoteísmo, apresentada geralmente de modo demasiado vago. Então se afirma que as guerras interreligiosas e também a guerra contra a religião são totalmente insensatas[ii].
Sendo assim, é preciso reconhecer Deus como «princípio e o fim» da existência de cada pessoa e de toda comunidade humana. Por sua vez, o homem é naturalmente capaz de reconhecer Deus como criador do mundo e como seu interlocutor pessoal. Nesse sentido, afirma-se a existência do homo religiosus, a qualé deduzível da experiência religiosa dos homens.
A partir de então, podemos questionar: há um nexo necessário entre o monoteísmo e a violência? Uma pergunta estranha, pois justamente o Ocidente considerou por séculos o “monoteísmo” a forma de religião culturalmente mais evoluída, por ser o modo de pensar o divino mais congruente com os princípios da razão. De fato, a unicidade de Deus é acessível à filosofia – desde Sócrates, Platão, Aristóteles até o Deísmo moderno – e foi identificada como princípio da razão natural que precede as tradições históricas das religiões.
Ocorre que a cultura contemporânea reage às grandes ideologias do século XX, as quais pretenderam ser científicas e dirigidas a um progresso indefinido. Houve então um predomínio da busca pela verdade, a qual justificou concepções filosóficas e políticas que levaram a humanidade ao abismo das duas grandes guerras mundiais. Em oposição a isso, hoje se tende a privilegiar a pluralidade das visões sobre o bem e sobre o justo, sem buscas pela verdade. Isso gera a tensão entre o reconhecimento do pluralismo e um princípio relativista.
De fato, conhecer e respeitar as diferenças culturais «representa uma vantagem para a valorização das singularidades e para a abertura a um estilo hospitaleiro da convivência humana». Porém, há um grave problema: o mero respeito às diferenças sem uma busca pela verdade gera a impossibilidade do diálogo. De modo que as pessoas e os grupos «são induzidos à desconfiança – se não à indiferença perante o empenho em buscar o que é comum à dignidade do homem» (n. 4).
Isso significa que o relativismo e o chamado “politeísmo dos valores” não podem ser o fundamento da democracia e do respeito pela dignidade humana, porque geram incomunicabilidade, desconfiança, indiferença pela verdade e desprezo por aquilo que une os homens: a mesma dignidade de pessoa. O relativismo é fruto da perda de confiança na razão humana e gera a suspeita em relação às outras pessoas, assim como uma perda de motivações.. Uma sociedade relativista é uma sociedade apática, pois todas as escolhas humanas são, no fundo, indiferentes. Isso faz com que as relações humanas sejam abandonadas «a uma gestão anônima e burocrática da convivência civil» (ibid.). Consequentemente, se dá o crescimento de uma imagem pluralista da sociedade e a afirmação de um desígnio totalitário do pensamento único: surge então o discurso “politicamente correto”. O relativismo se revela como uma máscara que esconde um secreto absolutismo[iii].
Para o relativismo a verdade é considerada uma ameaça radical para a autonomia do sujeito e para a abertura da liberdade, porque a pretensão de uma verdade objetiva e universal, se bem que acessível ao espírito humano, é imediatamente associada a uma pretensão de posse exclusiva por parte de um sujeito ou grupo. A ideia de que a busca da verdade seja necessária para o bem comum é tida por ilusória. Na atual compreensão, a verdade estaria inseparavelmente relacionada com a “vontade de poder”, por isso a “verdade”, principalmente a religiosa, passa a ser vista como raiz de conflito e de violência.
O colapso cultural da atualidade é tão grave que afirma ser o monoteísmo arcaico e despótico, enquanto o politeísmo seria criativo e tolerante. A dita crítica se concentra na denúncia radical do cristianismo, justamente a religião que aparece como protagonista na busca de um diálogo de paz, tanto com as grandes tradições religiosas quanto com as culturas laicas. Certamente, o fato dos cristãos serem descaradamente associados por sua fé no Deus Único a uma “semente da violência” fere milhões de autênticos crentes, especialmente porque eles vivem totalmente afastados da pregação da violência. Além disso, em muitas partes do mundo, os cristãos são maltratados com a intimidação e a violência por causa exclusivamente da sua fé. Estima-se que atualmente 200 milhões de cristãos são perseguidos no mundo, algo que ocorre diante do silêncio cúmplice de boa parte dos governos e meios de comunicação, que se empenham em difundir uma visão distorcida do cristianismo como o grande incentivador de violência[iv]. Evidentemente não se pode negar o preocupante fenômeno da “violência religiosa”, a atual “ameaça terrorista”. Mas também não se pode ignorar que são precisamente os cristãos que mais sofrem violências no mundo.
[ii] O capítulo II trata as chamadas “páginas difíceis” da Bíblia, ou seja, aquelas em que a revelação de Deus surge envolvida nas formas da violência entre os homens; o capítulo III oferece um aprofundamento do evento da morte e da ressurreição de Jesus, central para a reconciliação entre os homens; o quarto capítulo fornece uma clarificação das aproximações e implicações filosóficas do pensamento de Deus, discutindo com o ateísmo atual; o último capítulo trata os elementos cristãos que definem o empenho do testemunho eclesial na reconciliação dos homens com Deus e de uns com os outros. Pois o cristianismo é consciente de que a «revelação cristã purifica a religião, porque lhe restitui o seu significado fundamental para a experiência humana do sentido».
[iii] O Papa Francisco recentemente também falou do totalitarismo relativista. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, n. 231: «Por isso, há que postular um terceiro princípio: a realidade é superior à ideia. Isto supõe evitar várias formas de ocultar a realidade: os purismos angélicos, os totalitarismos do relativo, os nominalismos declaracionistas, os projetos mais formais que reais, os fundamentalismos anti-históricos, os eticismos sem bondade, os intelectualismos sem sabedoria».
[iv] Os dados são do Relatório sobre a Liberdade Religiosa no Mundo, organizados pela Ajuda à Igreja que Sofre (AIS). Cfr. http://www..news.va/pt/news/milhares-de-cristaos-sao-perseguidos-no-mundo-mas também: http://www.zenit.org/pt/articles/200-milhoes-de-cristaos-sao-perseguidos-no-mundo

A pertença do cristão à Igreja



Texto completo da catequese do Papa Francisco

ROMA, 25 de Junho de 2014 (Zenit.org) -
 A pertença do cristão à Igreja foi o tema da catequese do Papa Francisco, nesta quarta-feira, 25, na Praça São Pedro. Eis o texto na íntegra:
A Igreja – 2. A pertença ao povo de Deus
Queridos irmãos e irmãs, bom dia,
Hoje há um outro grupo de peregrinos conectados conosco na Sala Paulo VI, são os peregrinos doentes. Porque com este tempo, entre o calor e a possibilidade de chuva, era mais prudente que eles permanecessem lá. Mas eles estão conectados conosco por meio de um telão. E assim estamos unidos na mesma audiência. E todos nós hoje rezemos especialmente por eles, pelas suas doenças. Obrigado.
Na primeira catequese sobre Igreja, quarta-feira passada, partimos da iniciativa de Deus que quer formar um povo que leve a sua benção a todos os povos da terra. Começa com Abraão e depois, com tanta paciência – e Deus a tem, tem tanta! – prepara este povo na Antiga Aliança a fim de que, em Jesus Cristo, o constitua como sinal e instrumento da união dos homens com Deus e entre eles (cfr Conc. Ecum. Vat. II, Cost. Lumen gentium, 1). Hoje queremos nos concentrar sobre a importância, para o cristão, de pertencer a este povo. Falaremos sobre a pertença à Igreja.
1. Não somos isolados e não somos cristãos a título individual, cada um por conta própria, não, a nossa identidade cristã é pertença! Somos cristãos porque pertencemos à Igreja. É como um sobrenome: se o nome é “sou cristão”, o sobrenome é “pertenço à Igreja”. É muito belo notar como esta pertença é expressa também no nome que Deus atribui a si mesmo. Respondendo a Moisés, no episódio maravilhoso da “sarça ardente” (cfr Ex 3, 15), define-se, de fato, como o Deus dos pais. Não diz: Eu sou o Onipotente…, não: Eu sou o Deus de Abraão, Deus de Isaac, Deus de Jacó. Deste modo, Ele se manifesta como o Deus que formou uma aliança com os nossos pais e permanece sempre fiel a ela, e nos chama para entrar nesta relação que nos precede. Esta relação de Deus com o seu povo precede a todos nós, vem daquele tempo.
2. Neste sentido, o pensamento vai, em primeiro lugar, com gratidão, àqueles que nos precederam e nos acolheram na Igreja. Ninguém se torna cristão por si mesmo! Está claro isso? Ninguém se torna cristão por si mesmo. Não se fazem cristãos em laboratório. O cristão é parte de um povo que vem de longe. O cristão pertence a um povo que se chama Igreja e esta Igreja o faz cristão, no dia do Batismo, e depois no percurso da catequese, e assim vai. Mas ninguém, ninguém se torna cristão por si mesmo. Se nós acreditamos, se sabemos rezar, se conhecemos o Senhor e podemos escutar a sua Palavra, se O sentimos próximo e O reconhecemos nos irmãos, é porque outros, antes de nós, viveram a fé e, depois, a transmitiram a nós. Recebemos a fé dos nossos pais, dos nossos antepassados, e eles a ensinaram a nós. Se pensamos bem, quem sabe quantos rostos queridos passam diante dos nossos olhos, neste momento: pode ser a face dos nossos pais que pediram para nós o Batismo; aquela dos nossos avós ou de qualquer familiar que nos ensinou a fazer o sinal da cruz e a recitar as primeiras orações. Eu recordo sempre a face da irmã que me ensinou o catecismo, sempre me vem à mente – ela está no Céu com certeza, porque é uma mulher santa – mas eu a recordo sempre e dou graças a Deus por esta irmã. Ou então o rosto do pároco, de um outro padre, ou de uma irmã, de um catequista, que nos transmitiu o conteúdo da fé e nos fez crescer como cristãos… Bem, essa é a Igreja: uma grande família, na qual se é acolhido e se aprende a viver como cristãos e como discípulos do Senhor Jesus.
3. Podemos viver esse caminho não somente graças às outras pessoas, mas junto a outras pessoas. Na Igreja, não existe o ‘agir por si’, não existem jogadores na função de ‘líbero’. Quantas vezes, o Papa Bento descreveu a Igreja como um “nós” eclesial! Às vezes se ouve alguém dizer: “Eu acredito em Deus, acredito em Jesus, mas a Igreja não me interessa…”. Quantas vezes ouvimos isso? E isso não é certo. Há quem acredite poder ter uma relação pessoal, direta, imediata com Jesus Cristo fora da comunhão e da mediação da Igreja. São tentações perigosas e prejudiciais. São, como dizia o grande Paulo VI, dicotomias absurdas. É verdade que caminhar junto é trabalhoso e às vezes pode ser cansativo: pode acontecer que algum irmão ou alguma irmã nos dê problema, ou nos cause escândalo… Mas o Senhor confiou a sua mensagem de salvação a pessoas humanas, a todos nós, às testemunhas; e é nos nossos irmãos e nas nossas irmãs, com os seus dons e os seus limites, que vem ao nosso encontro e se faz reconhecer. E isto significa pertencer à Igreja. Lembrem-se bem: ser cristão significa pertencer à Igreja. O nome é “cristão”, o sobrenome é “pertença à Igreja”.
Queridos amigos, peçamos ao Senhor, por intercessão da Virgem Maria, Mãe da Igreja, a graça de não cair nunca na tentação de pensar poder desfazer das pessoas, desfazer da Igreja, de podermos nos salvar sozinhos, de ser cristão de laboratório. Pelo contrário, não se pode amar Deus sem amar os irmãos, não se pode amar Deus fora da Igreja; não se pode estar em comunhão com Deus sem fazê-lo na Igreja e não podemos ser bons cristãos se não junto a todos aqueles que procuram seguir o Senhor Jesus, como um único povo, um único corpo, e isto é a Igreja. Obrigado.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

PAPA FRANCISCO: ALEGRIA DO EVANGELHO - 3



Caros diocesanos. Nos programas anteriores fizemos breve introdução e apresentamos o primeiro capítulo do documento Evangelii Gaudium (Alegria do Evangelho) do Papa Francisco, o qual acentua que a alegria missionária deve estar presente no anúncio da mensagem cristã. Isso requer profunda conversão pastoral e missionária, tornando-nos Igreja ‘em saída’, de portas abertas para todos, sobretudo aos pobres. Igreja samaritana, que busca o essencial na multiforme expressão da verdade.

Hoje queremos apresentar o segundo capítulo do documento: Na Crise Do Compromisso Comunitário. Nele o Papa Francisco convida a estarmos vigilantes diante dos Sinais dos tempos, através dos quais o Espírito de Deus manifesta seus apelos em cada época da história: “Pretendo debruçar-me, brevemente e numa perspectiva pastoral, sobre alguns aspectos da realidade que podem deter ou enfraquecer os dinamismos de renovação missionária da Igreja” (EG 51). Na mudança de época que vivemos, houve consideráveis avanços qualitativos na humanidade. Contudo, a maior parte dos homens e mulheres vive precariamente. Vivemos numa economia de exclusão e de desigualdade social que mata. O ser humano é considerado como um bem de consumo que se pode usar e depois lançar fora: cultura do descartável e da globalização da indiferença. Os excluídos não são explorados, mas resíduos, sobras, cujos clamores pouco nos atingem (EG 52-54). Instaurou-se na humanidade uma crise antropológica: negação da primazia do ser humano. Afirma o Papa Francisco: “Reduz-se o ser humano a uma das suas necessidades: o consumo” (EG 55)O desequilíbrio provém da autonomia absoluta dos mercados e especulação financeira. Nega-se o controle dos Estados, encarregados do bem comum. O Santo Padre faz um apelo veemente aos responsáveis da economia: “O dinheiro deve servir, e não governar!... Exorto-vos a uma solidariedade desinteressada e a um regresso da economia e das finanças a uma ética propícia ao ser humano” (EG 58). E em relação à violência, ele acrescenta: “Enquanto não se eliminar a exclusão e a desigualdade dentro da sociedade e entre os vários povos será impossível erradicar a violência” (EG 59).

A seguir o Papa analisa alguns desafios culturais, como invasão de culturas dominantes que destroem outras; processo de secularização que procura reduzir a fé e a Igreja ao âmbito privado e íntimo ou ao interesseiro imediato... A família atravessa uma crise cultural profunda, como todas as comunidades e vínculos sociais (EG 62-66). Afirma o Papa Francisco: “O individualismo pós-moderno e globalizado favorece um estilo de vida que debilita o desenvolvimento e a estabilidade dos vínculos entre as pessoas e distorce os vínculos familiares” (EG 67). Depois o documento aborda o tema da evangelização das culturas (EG 69) e o desafio da cultura urbana: descobrir Deus que habita a cidade: nas casas, ruas, praças... “Esta presença não precisa ser criada, mas descoberta, desvendada” (EG 71). Uma cultura inédita está em elaboração na cidade: lugar privilegiado da nova evangelização, o que requer imaginação para descobrir espaços de oração e de comunhão, com características inovadoras (EG 74).

Finalmente, o Papa aborda algumas tentações dos agentes pastorais como: falta de espiritualidade missionária, inércia egoísta, pessimismo estéril, fechamento em si mesmo, mundanismo espiritual (glória humana e bem estar pessoal), conflitos entre nós... E aponta desafios como: presença leiga no mundo social, político e econômico; presença feminina mais incisiva na Igreja; participação e protagonismo dos jovens...

Mesmo com desafios, nossa esperança é maior e, junto com o Papa Francisco, proclamamos: “Não deixemos que nos roubem a força missionária!” (EG 76-109).  

Dom Aloísio A. Dilli - Bispo de Uruguaiana 

Os princípios que orientam a sociedade



Os erros do relativismo e do pragmatismo
Por John Flynn, LC

ROMA, 24 de Junho de 2014 (Zenit.org) -
Algumas leis são justas, outras não. Como é possível determinar a diferença? Em seu último livro, Sheila Liaugminas descreve os princípios que devem guiar-nos.
A jornalista de Chicago tem muitos anos de experiência, não só na imprensa, mas também na TV e no rádio. No livro Non-Negotiable: Essential Principles of a Just Society and Humane Culture publicado pela Ignatius Press (Não negociáveis: os princípios essenciais de uma sociedade justa e de uma cultura humana), Sheila Liaugminas começa, observando que a humanidade está perdendo a capacidade de pensar e raciocinar.
A erosão de uma base cristã comum a todos para a ética dificulta a manutenção dos ideais da democracia moderna. Ideais que, de acordo com a jornalista, são fundadas em princípios cristãos.
No entanto, Sheila Liaugminas afirma que "algumas verdades são tão fundamentais para a nossa vida e para o nosso aperfeiçoamento, que simplesmente não estão abertas para debate ou atenuações: Estas verdades não são negociáveis."
Os capítulos do livro giram em torno do tema da dignidade humana e da importância de questões como o direito à vida, a eutanásia, a clonagem, a liberdade religiosa e de consciência.
Sheila Liaugminas começa sua análise sobre essas questões, observando que vários documentos fazem referência aos direitos fundamentais. A declaração de independência americana inclui frases como "as leis da natureza e do Deus da natureza."
Além disso, a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, no seu preâmbulo contém uma referência a "dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos, iguais e inalienáveis."
Além disso, Sheila Liaugminas acrescenta que tanto os Estados Unidos como as Nações Unidas adotam políticas que contradizem as afirmações de suas respectivas declarações.
Segundo a jornalista isso aconteceu por causa do triunfo de uma perspectiva da pessoa baseado no relativismo e no utilitarismo. Liaugminas lamenta que muitas vezes a mudança atual na ideologia cultural prevaleça sobre os ensinamentos da Igreja.
Citando um comunicado emitido pelos bispos dos Estados Unidos, a jornalista nos alerta que "mudamos muito pela nossa cultura e não mudamos a cultura o suficiente."
Sheila Liaugminas acredita que a confusão moral, gerada quando perdemos de vista os princípios que devem reger a sociedade, estão ameaçando a liberdade e a justiça.
A jornalista aprofunda esse aspecto, dizendo que "não podemos afirmar que somos católicos e, ao mesmo tempo, contradizer publicamente, negar ou trair os ensinamentos da fé." Além disso, a visão de que somos guiados por nossa consciência quando negamos estas verdades, não deveria ser usado como uma desculpa para justificar decisões que são irracionais ou imorais.”
Segundo a jornalista, uma postura do tipo: "Eu, pessoalmente, sou contra, mas ..." é pura desonestidade intelectual. Liaugminas acrescenta ainda que as leis que permitem o aborto e a eutanásia são gravemente imoral e não devem ser aceitas.
Em seu livro, a jornalista compara o aborto à escravidão, explicando que Abraham Lincoln, que lutou muito para acabar com a escravidão, não poderia imaginar que uma futura decisão do Supremo Tribunal dos EUA teria sido capaz de deixar toda uma classe de seres humanos não dignos de proteção constitucional.
A jornalista acrescenta à esse exemplo a sua convicção de que toda pessoa inocente tem direito à vida, que nenhum ser humano e nenhum governo tem o direito de tirar.
Nas últimas páginas sobre os temas da vida, Liaugminas comenta que o suicídio assistido e a eutanásia tornaram-se questões que afetam os direitos. A jornalista cita um ensinamento católico que para demonstrar a necessidade de defender a dignidade humana, oferece apoio aos doentes e idosos, em vez de facilitar a sua morte.
A autora também adverte que a falsa promessa do movimento que quer dar o "direito de morrer" é um conceito radical da autonomia de uma pessoa, que, no entanto, ignora a dignidade da vida humana. E em nenhum momento uma pessoa tem que perder ou diminuir sua dignidade inata e o seu valor.
Segundo a jornalista, todo mundo tem direito ao ordinário e proporcionado meio de preservação da vida e aqueles que estão envolvidos com o cuidado de um paciente são obrigados a administrar esses meios fundamentais para apoiar a vida.
"Acelerar o fim de uma vida humana não é compaixão, mas crueldade", diz a jornalista norte-americana.
Sobre outro assunto sujeito a muito debate - o casamento - Liaugminas aborda a questão apontando a importância do papel da família na sociedade e na economia.
Para a jornalista redefinir o matrimônio para permitir uma extensão para casais do mesmo sexo não é uma questão de "igualdade". A natureza do matrimônio como uma união entre homem e mulher vem antes do Estado ou da Igreja. Portanto, a definição de matrimônio não tem um aspecto religioso, mas é fundado sobre a natureza humana.
A jornalista norte-americana explica que "aqueles que afirmam que o propósito do casamento é apenas a satisfação emocional do casal estão equivocados a propósito do matrimônio."
Liaugminas também dá espaço para uma consideração sobre a liberdade de religião e de consciência. Uma grande parte do capítulo é a descrição do conflito inerente na regulamentação emitida pelo Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos.
"Ninguém tem o direito - escreve a jornalista - de forçar outra pessoa a violar sua consciência." Assim como a Constituição dos EUA, que garante não só a liberdade de religião, mas também a liberdade de religião.
A autora conclui o livro, exortando as pessoas a lutar para proteger o que é inegociável e lutar por uma sociedade justa para todos.