terça-feira, 27 de maio de 2014

Vários chapéus, uma só cabeça: a unidade da Igreja



Cardeal Odilo P. Scherer
Arcebispo de São Paulo (SP)
O fato eclesial de maior destaque desses últimos dias foi, sem dúvida, a peregrinação do papa Francisco à Terra Santa, com vários momentos muito significativos. O principal deles foi o encontro com o patriarca ecumênico greco-ortodoxo Bartolomeu 1º, na basílica do santo sepulcro, dia 25 de maio.

Francisco quis repetir, 50 anos depois, o encontro histórico de Paulo VI com o patriarca Atenágoras, que aconteceu ainda em pleno andamento do Concílio Ecumênico Vaticano II. Aquele memorável encontro rompeu o gelo entre Roma e Constantinopla, que perdurava há vários séculos, sem que tivesse havido mais nenhum encontro entre um papa de Roma e um patriarca ortodoxo de Constantinopla.
O abraço entre os dois chefes de Igrejas abriu imensas esperanças para o caminho ecumênico, tão desejado pelo Concílio, levando a crer que, em breve, poderia acontecer a reconciliação plena entre as duas Igrejas e a reconstituição da unidade entre católicos e ortodoxos, rompida pelo cisma do Oriente, em 1054. A questão mais complicada nas relações ecumênicas entre as duas Igrejas é eclesiológica, relativa ao primado do sucessor de Pedro e ao exercício do ministério petrino na Igreja.
Em 25 de julho de 1967, iniciando o ano da fé em memória do 19º século martírio dos apóstolos Pedro e Paulo, e já tendo sido encerado o Concílio, Paulo VI escreveu ao mesmo patriarca Atenágoras, com o propósito de avançar no caminho ecumênico: “este desejo leva a uma vontade resoluta de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para que chegue o dia do restabelecimento pleno da comunhão entre a Igreja do Ocidente e a Igreja do Oriente”.
Muito caminho de aproximação tem sido feito ao longo desses 50 anos, mesmo que isso não apareça sempre claramente a todos: foram levantadas as recíprocas excomunhões, instaurou-se um diálogo teológico e mesmo doutrinal entre as duas Igrejas; acontecem gestos de recíproco apreço, como a presença de um representante do Patriarca de Constantinopla na solenidade de São Pedro e São Paulo e de um representante do Papa na festa patronal de Santo André, no patriarcado de Constantinopla. Mais que tudo, foi significativa a presença do próprio patriarca Bartolomeu 1º na missa de início do pontificado do papa Francisco, no dia 19 de março de 2013.
Agora, no encontro ecumênico de Jerusalém, muito desejado por Francisco e patrocinado pelo Patriarca ortodoxo, esse caminho ecumênico retoma fôlego. A Declaração comum entre os dois chefes de Igrejas deixa claro o propósito de buscar a plena unidade e de não se deixar abater pelas dificuldades que o caminho da unidade plena apresenta. Os discursos diante do monumento ao santo sepulcro recordaram bem: não parecia também o túmulo o fim de toda esperança? E eis que ele está vazio! Jesus venceu até mesmo a morte, último obstáculo para a realização do desígnio de Deus. Pode haver algo impossível para que o sonho da unidade plena da Igreja se realize?!
Claramente, as dificuldades não são desconhecidas ou subestimadas, nem pelo papa, nem pelo patriarca. Mas as falas foram repletas de esperança e de convites à perseverança, na firme certeza de que o desejo expresso de Jesus não é a divisão, mas a unidade da sua Igreja. Durante a cerimônia ecumênica, alguém comentou sobre a variedade das vestes dos representantes das Igrejas cristãs, sobretudo dos solidéus, véus e capuzes de ortodoxos, armênios, coptas, católicos latinos, armênios, maronitas, coptas, melquitas... “Os chapéus são diversos mas... uma só é a cabeça da Igreja”. Mesmo se as tradições rituais, disciplinares e histórico-culturais são diversas, a unidade da Igreja se constrói sob a única cabeça do corpo, que é Cristo, Senhor da Igreja.

Os jovens gostam de desafios




Dom Anuar Battisti
Arcebispo de Maringá (PR)
No trabalho com a juventude percebe-se uma grande atração pela novidade. A rotina e a mesmice não atraem a atenção e nem mesmo fazem os jovens sair da mesmice e da rotina em que vivem.

Não querem a novidade pela novidade e sim a novidade que leva ao compromisso carregado de desafios. Ao lado da busca do novo também existe uma grande tentação em permanecer no imediato, no prazeroso, fugaz, momentâneo.
A paciência em esperar, crescer e ver os frutos do trabalho, parece impossível, porque a velocidade da técnica faz com que tudo seja imediato. O mundo da juventude hoje é o mundo do transitório, do aqui e agora, do momentâneo, por isso as palavras “permanente”, “para sempre”, “por toda a vida” assustam e causa medo.
Nessa última sexta-feira (23) vivemos um fato histórico em nossa Arquidiocese. Quatro jovens assumiram para sempre o compromisso de doar a própria vida para servir. Na entrega total a exemplo de Jesus e Bom Pastor, se prepararam durante sete anos de estudos, experiências pastorais, convivência em comunidade, para dar um sim definitivo na vida consagrada.
Esses jovens vieram das famílias, famílias com todas as alegrias e tristezas, formam educados nos ambientes normais, viveram e se integraram nas comunidades paroquiais e nestes ambientes sentiram o chamado.
A resposta foi construída a cada etapa da formação, entre dúvidas e certezas, entre o medo e a beleza do ministério, foram capazes de chegar e ao mesmo tempo sair em missão, para servir e dar a vida para sempre.
Jovens, não tenham medo de fazer escolhas definitivas! Também para formar uma família, é preciso ter coragem. Mais do que nunca a falta de fidelidade é o que mais ameaça a vida a dois.
O Papa Francisco dizia aos jovens: “O matrimônio é uma verdadeira vocação, assim como o sacerdócio e a vida religiosa. Dois cristãos que se casam reconheceram em sua história de amor o chamado do Senhor, a vocação a se tornarem de dois, homem e mulher, uma só carne, uma só vida. O Sacramento do Matrimônio envolve esse amor com a graça de Deus, enraíza essa união no próprio Deus."
A complexidade do mundo moderno, marcadamente voltada para satisfazer o indivíduo, e a sua privacidade, os seus gostos e desejos, descarta em segundo ou terceiro plano a necessidade de ser feliz fazendo o outro feliz antes de tudo.
Na vocação presbiteral, como na vocação matrimonial, o fundamental está em amar e dar a vida. É uma entrega para ser mais, doando. O meu senhor é o outro; o dono da minha vida é alguém pelo qual decidi doar a vida.
Nesta perspectiva está o sentido de uma escolha definitiva. O “eu” deu lugar para ao “tu” e na medida que este compromisso se trona realidade, encontra-se o sentido de ter deixado tudo.
O Consagrado e a consagrada são pessoas que vivem aqui o eterno. A experiência do paraíso, não é outra coisa do que viver para sempre a reciprocidade de amar e ser amado, sem esperar nada em troca. Tanto o casado como o consagrado pode antecipar, aqui e agora a experiência do céu.
A Igreja que está em Maringá, louva e agradece a Deus pelo chamado destes quatro jovens, que souberam reconhecer a voz interior e responder com coragem e generosidade. Ao mesmo tempo vamos continuar rezando como Jesus pediu: “Enviai, Senhor, operários a Vossa messe, pois a messe é grande e os operários são poucos” (Mt 9,37). Rezemos e muito, pelas vocações e pelas famílias, principalmente pela perseverança de todos nós até o fim. Deus abençoe você e sua família!

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Respeitemo-nos e amemo-nos uns aos outros como irmãos e irmãs!

Discurso do Santo Padre em visita ao Grã-Mufti de Jerusalém

JERUSALéM, 26 de Maio de 2014 (Zenit.org) - Excelência, 
Fiéis muçulmanos
Queridos amigos!
Estou grato por poder encontrar-vos neste lugar sagrado. De coração vos agradeço pelo amável convite que me quisestes fazer e, de modo particular, agradeço a Vossa Excelência e ao Presidente do Conselho Supremo Muçulmano.
Seguindo os passos dos meus Antecessores e, em  particular, a luminosa esteira da viagem de Paulo VI há cinquenta anos – a primeira viagem de um Papa à Terra Santa –, desejei ardentemente vir como peregrino visitar os lugares que viram a presença terrena de Jesus Cristo. Mas esta minha peregrinação não seria completa, se não contemplasse também o encontro com as pessoas e as comunidades que vivem nesta Terra e, por isso, sinto-me particularmente feliz por me encontrar convosco, fiéis muçulmanos, irmãos amados.
Neste momento, o meu pensamento volta-se para a figura de Abraão, que viveu como peregrino nestas terras. Embora cada qual a seu modo, muçulmanos, cristãos e judeus reconhecem em Abraão um pai na fé e um grande exemplo a imitar. Ele fez-se peregrino, deixando o seu povo e a própria casa, para empreender aquela aventura espiritual a que Deus o chamava.
Um peregrino é uma pessoa que se faz pobre, que se põe a caminho, propende para uma grande e suspirada meta, vive da esperança duma promessa recebida (cf. Heb 11, 8-19). Esta foi a condição de Abraão, esta deveria ser também a nossa disposição espiritual. Não podemos jamais considerar-nos auto-suficientes, senhores da nossa vida; não podemos limitar-nos a ficar fechados, seguros nas nossas convicções. Diante do mistério de Deus, somos todos pobres, sentimos que devemos estar sempre prontos para sair de nós mesmos, dóceis à chamada que Deus nos dirige, abertos ao futuro que Ele quer construir para nós.
Nesta nossa peregrinação terrena, não estamos sozinhos: cruzamos o caminho de outros fiéis, às vezes partilhamos com eles um pedaço de estrada, outras vezes vivemos juntos uma pausa que nos revigora. Tal é o encontro de hoje, que vivo com particular gratidão: uma aprazível pausa comum, tornada possível pela vossa hospitalidade, naquela peregrinação que é a vida nossa e das nossas comunidades. Vivemos uma comunicação e um intercâmbio fraternos que podem revigorar-nos e dar-nos novas forças para enfrentar os desafios comuns que se nos apresentam pela frente.
Na realidade, não podemos esquecer que a peregrinação de Abraão foi também uma chamada para a justiça: Deus qui-lo testemunha do seu agir e seu imitador. Também nós queremos ser testemunhas do agir de Deus no mundo e por isso, precisamente neste nosso encontro, sentimos ressoar profundamente a chamada para sermos agentes de paz e de justiça, para implorarmos estes dons na oração e para aprendermos do Alto a misericórdia, a magnanimidade, a compaixão.
Amados irmãos, queridos amigos, a partir deste lugar santo, lanço um premente apelo a todas as pessoas e comunidades que se reconhecem em Abraão:
Respeitemo-nos e amemo-nos uns aos outros como irmãos e irmãs!
Aprendamos a compreender a dor do outro!
Ninguém instrumentalize, para a violência, o nome de Deus!
Trabalhemos juntos em prol da justiça e da paz!
Salam!

Que Jerusalém seja verdadeiramente a Cidade da paz!

Visita do Papa ao presidente do Estado de Israel

JERUSALéM, 26 de Maio de 2014 (Zenit.org
- Senhor Presidente,
Excelências, 
Senhoras e Senhores!
Estou-lhe grato, Senhor Presidente, pela recepção que me reservou e pelas suas amáveis e sábias expressões de boas-vindas e sinto-me feliz por poder encontrá-lo de novo aqui em Jerusalém, cidade que guarda os Lugares Santos caros às três grandes religiões que adoram o Deus que chamou Abraão. Os Lugares Santos não são museus nem monumentos para turistas, mas lugares onde as comunidades dos crentes vivem a sua fé, a sua cultura, as suas iniciativas de caridade. Por isso, devem ser salvaguardados perpetuamente na sua sacralidade, protegendo assim não só o legado do passado, mas também as pessoas que os frequentam hoje e hão-de frequentá-los no futuro. Que Jerusalém seja verdadeiramente a Cidade da paz! Que resplandeçam plenamente a sua identidade e o seu carácter sagrado, o seu valor religioso e cultural universal, como tesouro para toda a humanidade! Como é belo quando os peregrinos e os residentes podem aceder livremente aos Lugares Santos e participar nas celebrações!
O Senhor Presidente é conhecido como homem de paz e artífice de paz. Exprimo-lhe o meu reconhecimento e a minha admiração por esta sua posição. A construção da paz exige, antes de mais nada, o respeito pela liberdade e a dignidade de cada pessoa humana, que judeus, cristãos e muçulmanos acreditam igualmente ser criada por Deus e destinada à vida eterna. A partir deste ponto firme que temos em comum, é possível prosseguir o compromisso por uma solução pacífica das controvérsias e conflitos. A este propósito, renovo os meus votos de que se evitem, por parte de todos, iniciativas e acções que contradizem a declarada vontade de chegar a um verdadeiro acordo e de que não nos cansemos de buscar a paz com determinação e coerência.
Há que rejeitar, firmemente, tudo o que se opõe à prossecução da paz e duma convivência respeitosa entre judeus, cristãos e muçulmanos: o recurso à violência e ao terrorismo, qualquer género de discriminação por motivos raciais ou religiosos, a pretensão de impor o próprio ponto de vista em detrimento dos direitos alheios, o anti-semitismo em todas as suas formas possíveis, bem como a violência ou as manifestações de intolerância contra pessoas ou lugares de culto judeus, cristãos e muçulmanos.
No Estado de Israel, vivem e actuam várias comunidades cristãs. Estas são parte integrante da sociedade e participam, a pleno título, das suas vicissitudes civis, políticas e culturais. Os fiéis cristãos desejam, a partir da própria identidade, prestar a sua contribuição para o bem comum e para a construção da paz, como cidadãos de pleno direito que, rejeitando todas as formas de extremismo, se comprometem a ser artífices de reconciliação e concórdia.
A sua presença e o respeito dos seus direitos – como aliás dos direitos de qualquer outra denominação religiosa e de todas as minorias – são garantia de um são pluralismo e prova da vitalidade dos valores democráticos, do seu real enraizamento na prática e na vida concreta do Estado.
O Senhor Presidente sabe que eu rezo por si, e eu sei que Vossa Excelência reza por mim, e asseguro-lhe incessante oração pelas Instituições e por todos os cidadãos de Israel. Asseguro de modo particular a minha constante súplica a Deus pela obtenção da paz e, com ela, dos bens inestimáveis ​​que lhe estão intimamente ligados, tais como a segurança, a tranquilidade de vida, a prosperidade e - o bem mais belo - a fraternidade. Por fim, dirijo o meu pensamento a todos aqueles que sofrem as consequências das crises ainda abertas na região médio-oriental, para que o mais rápido possível sejam aliviadas as suas penas através de uma honrosa composição dos conflitos. Paz sobre Israel e em todo o Médio Oriente! Shalom!

Papa Francisco: A alegria do Evangelho - 1

Caros diocesanos. Iniciamos hoje um encontro com nosso Papa Francisco, através do Documento Evangelii Gaudium =  A Alegria do Evangelho, emitido em 24/11/2013. Nesta Exortação Apostólica o Santo Padre afirma que a alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus, e apresenta o objetivo do citado documento: Quero, com esta Exortação, dirigir-me aos fiéis cristãos a fim de convidá-los para uma nova etapa evangelizadora marcada por esta alegria e indicar caminhos para o percurso da Igreja nos próximos anos” (EG 1). O Pontífice aponta o risco do mundo do consumo que está conduzindo a uma tristeza individualista, de busca desordenada de prazeres superficiais, sem a verdadeira alegria, de consciência isolada, deixando de haver espaço para os outros, sobretudo para os pobres, para a voz de Deus, para o bem dos outros. O Papa lembra que o desígnio de Deus nos atrai para a alegria do encontro com Ele, mesmo na fragilidade humana: Deus nunca Se cansa de perdoar, somos nós que nos cansamos de pedir a sua misericórdia... Ele permite-nos levantar a cabeça e recomeçar, com uma ternura que nunca nos engana e sempre nos pode restituir a alegria...” (EG 3). Não fomos criados para viver uma quaresma sem Páscoa” (EG 6). Imbuídos dessa alegria, sentimos a necessidade de transmiti-la aos outros, como discípulos missionários que anunciam a feliz experiência da gratuidade de Deus, de sermos salvos e amados por um Deus que nos acompanha em nossa vida e nos quer eternamente com Ele (EG 12). Esse anúncio já não pode ser pressuposto, mas deve dirigir-se ao encontro dos que nos acompanham regularmente para reavivar sua vida cristã ou para os que se distanciaram da Comunidade, talvez iniciados, mas não evangelizados suficientemente; ou mesmo para os que nos deixaram ou que ainda não foram atingidos pelo anúncio de Jesus Cristo. Lembrando sempre que a Igreja cresce não por proselitismo, mas por atração (EG 14). Esta causa missionária deve ser a primeira tarefa da Igreja, pois ela existe, não para a auto-referência, mas para evangelizar. Isto exige conversão para uma pastoral decididamente missionária, que traz a verdadeira alegria dos discípulos missionários (EG 15).

O documento papal é resultado dos trabalhos do Sínodo dos Bispos sobre a Nova Evangelização (2012), de consultas a várias pessoas e das preocupações pessoais que estão no coração do Papa, neste momento concretoda obra evangelizadora da Igreja (EG 16). Evangelii Gaudium (A Alegria do Evangelho) apresenta os diversos temas em cinco (05) Capítulos, assim distribuídos:
·       Primeiro Capítulo: A Transformação Missionária da Igreja
·       Segundo Capítulo: Na Crise do Compromisso Comunitário
·       Terceiro Capítulo: O Anúncio do Evangelho
·       Quarto Capítulo: A Dimensão Social da Evangelização
·       Quinto Capítulo: Evangelizadores com Espírito

Caros diocesanos, com o intuito de fazer chegar aos cristãos e todas as pessoas de boa vontade este importante documento, embora em forma bem sintética, apresentaremos na seqüência várias mensagens que nos farão entrar em comunhão com o Papa Francisco e o espírito da Igreja sobre o anúncio do Evangelho no momento atual da história.
Dom Aloísio A. Dilli - Bispo de Uruguaiana 

Francisco recorda encontro entre o Papa Paulo VI e o Patriarca Ecumenico Atenágoras

Texto da declaração conjunta do Papa e do Patriarca

ROMA, 25 de Maio de 2014 (Zenit.org) - 1. Como os nossos venerados predecessores Papa Paulo VI e Patriarca Ecuménico Atenágoras, que se encontraram aqui em Jerusalém há cinquenta anos, também nós – Papa Francisco e Patriarca Ecuménico Bartolomeu – decidimos encontrar-nos na Terra Santa, «onde o nosso Redentor comum, Cristo nosso Senhor, viveu, ensinou, morreu, ressuscitou e subiu aos céus, donde enviou o Espírito Santo sobre a Igreja nascente» (Comunicado comum de Papa Paulo VI e Patriarca Atenágoras, publicado depois do seu encontro de 6 de Janeiro de 1964). O nosso encontro – um novo encontro dos Bispos das Igrejas de Roma e Constantinopla fundadas respectivamente por dois Irmãos, os Apóstolos Pedro e André – é fonte de profunda alegria espiritual para nós. O mesmo proporciona uma ocasião providencial para reflectir sobre a profundidade e a autenticidade dos vínculos existentes entre nós, vínculos esses fruto de um caminho cheio de graça pelo qual o Senhor nos guiou desde aquele abençoado dia de cinquenta anos atrás.
2. O nosso encontro fraterno de hoje é um passo novo e necessário no caminho para a unidade, à qual só o Espírito Santo nos pode levar: a unidade da comunhão na legítima diversidade. Com profunda gratidão, relembramos os passos que o Senhor já nos permitiu realizar. O abraço trocado entre o Papa Paulo VI e o Patriarca Atenágoras aqui em Jerusalém, depois de muitos séculos de silêncio, abriu a estrada para um gesto epocal: a remoção da memória e do meio da Igreja dos actos de recíproca excomunhão de 1054. Isso foi seguido por uma troca de visitas entre as respectivas Sés de Roma e de Constantinopla, por uma correspondência regular e, mais tarde, pela decisão anunciada pelo Papa João Paulo II e o Patriarca Dimitrios, ambos de abençoada memória, de se iniciar um diálogo teológico na verdade entre católicos e ortodoxos. Ao longo destes anos, Deus, fonte de toda a paz e amor, ensinou-nos a olhar uns para os outros como membros da mesma família cristã, sob o mesmo Senhor e Salvador Jesus Cristo, e a amar-nos de tal modo uns aos outros que podemos confessar a nossa fé no mesmo Evangelho de Cristo, tal como foi recebida pelos Apóstolos e nos foi expressa e transmitida a nós pelos Concílios Ecuménicos e pelos Padres da Igreja. Embora plenamente conscientes de ainda não ter atingido a meta da plena comunhão, hoje reafirmamos o nosso compromisso de continuar a caminhar juntos rumo à unidade pela qual Cristo nosso Senhor rezou ao Pai pedindo que «todos sejam um só» (Jo 17, 21).
3. Bem cientes de que a unidade se manifesta no amor de Deus e no amor do próximo, olhamos com ansiedade para o dia em que poderemos finalmente participar juntos no banquete eucarístico. Como cristãos, somos chamados a preparar-nos para receber este dom da comunhão eucarística, segundo o ensinamento de Santo Ireneu de Lião (Contra as Heresias, IV, 18, 5: PG 7, 1028), através da confissão de uma só fé, a oração perseverante, a conversão interior, a renovação da vida e o diálogo fraterno. Ao alcançar esta meta esperada, manifestaremos ao mundo o amor de Deus, pelo qual somos reconhecidos como verdadeiros discípulos de Jesus Cristo (cf. Jo 13, 35).
4. Para tal objectivo, o diálogo teológico realizado pela Comissão Mista Internacional oferece uma contribuição fundamental na busca da plena comunhão entre católicos e ortodoxos. Ao longo dos sucessivos tempos vividos sob os Papas João Paulo II e Bento XVI e o Patriarca Dimitrios, foi substancial o progresso dos nossos encontros teológicos. Hoje exprimimos vivo apreço pelos resultados obtidos até agora, bem como pelos esforços actuais. Não se trata de mero exercício teórico, mas de uma exercitação na verdade e no amor, que exige um conhecimento ainda mais profundo das tradições de cada um para as compreender e aprender com elas. Assim, afirmamos mais uma vez que o diálogo teológico não procura o mínimo denominador comum teológico sobre o qual se possa chegar a um compromisso, mas busca aprofundar o próprio conhecimento da verdade total que Cristo deu à sua Igreja, uma verdade cuja compreensão nunca cessará de crescer se seguirmos as inspirações do Espírito Santo. Por isso, afirmamos conjuntamente que a nossa fidelidade ao Senhor exige um encontro fraterno e um verdadeiro diálogo. Tal busca comum não nos leva para longe da verdade; antes, através de um intercâmbio de dons e sob a guia do Espírito Santo, levar-nos-á para a verdade total (cf. Jo 16, 13).
5. Todavia, apesar de estarmos ainda a caminho para a plena comunhão, já temos o dever de oferecer um testemunho comum do amor de Deus por todas as pessoas, trabalhando em conjunto ao serviço da humanidade, especialmente na defesa da dignidade da pessoa humana em todas as fases da vida e da santidade da família assente no matrimónio, na promoção da paz e do bem comum e dando resposta ao sofrimento que continua a afligir o nosso mundo. Reconhecemos que a fome, a pobreza, o analfabetismo, a distribuição desigual de recursos devem ser constantemente enfrentados. É nosso dever procurar construir juntos uma sociedade justa e humana, onde ninguém se sinta excluído ou marginalizado.
6. É nossa profunda convicção que o futuro da família humana depende também do modo como protegermos – de forma simultaneamente prudente e compassiva, com justiça e equidade – o dom da criação que o nosso Criador nos confiou. Por isso, arrependidos, reconhecemos os injustos maus-tratos ao nosso planeta, o que aos olhos de Deus equivale a um pecado. Reafirmamos a nossa responsabilidade e obrigação de fomentar um sentimento de humildade e moderação, para que todos possam sentir a necessidade de respeitar a criação e protegê-la cuidadosamente. Juntos, prometemos empenhar-nos na sensibilização sobre a salvaguarda da criação; apelamos a todas as pessoas de boa vontade para tomarem em consideração formas de viver menos dispendiosas e mais frugais, manifestando menos ganância e mais generosidade na protecção do mundo de Deus e para benefício do seu povo.
7. Há também urgente necessidade de uma cooperação efectiva e empenhada dos cristãos para salvaguardar, por todo o lado, o direito de exprimir publicamente a própria fé e de ser tratados equitativamente quando promovem aquilo que o cristianismo continua a oferecer à sociedade e à cultura contemporânea. A este propósito, convidamos todos os cristãos a promoverem um diálogo autêntico com o judaísmo, o islamismo e outras tradições religiosas. A indiferença e a ignorância mútua só podem levar à desconfiança e mesmo, infelizmente, ao conflito.
8. Desta cidade santa de Jerusalém, exprimimos a nossa comum e profunda preocupação pela situação dos cristãos no Médio Oriente e o seu direito de permanecerem plenamente cidadãos dos seus países de origem. Confiadamente voltamo-nos para Deus omnipotente e misericordioso, elevando uma oração pela paz na Terra Santa e no Médio Oriente em geral. Rezamos especialmente pelas Igrejas no Egipto, Síria e Iraque, que têm sofrido mais pesadamente por causa dos eventos recentes. Encorajamos todas as Partes, independentemente das próprias convicções religiosas, a continuarem a trabalhar pela reconciliação e o justo reconhecimento dos direitos dos povos. Estamos convencidos de que não são as armas, mas o diálogo, o perdão e a reconciliação, os únicos meios possíveis para alcançar a paz.
9. Num contexto histórico marcado pela violência, a indiferença e o egoísmo, muitos homens e mulheres de hoje sentem que perderam as suas referências. É precisamente através do nosso testemunho comum à boa notícia do Evangelho que seremos capazes de ajudar as pessoas do nosso tempo a redescobrirem o caminho que conduz à verdade, à justiça e à paz. Unidos nos nossos intentos e recordando o exemplo dado há cinquenta anos aqui em Jerusalém pelo Papa Paulo VI e o Patriarca Atenágoras, apelamos a todos os cristãos, juntamente com os crentes das diferentes tradições religiosas e todas as pessoas de boa vontade, que reconheçam a urgência deste tempo que nos obriga a buscar a reconciliação e a unidade da família humana, no pleno respeito das legítimas diferenças, para bem de toda a humanidade actual e das gerações futuras.
10. Ao empreendermos esta peregrinação comum até ao lugar onde o nosso e único Senhor Jesus Cristo foi crucificado, sepultado e ressuscitou, humildemente confiamos à intercessão da Santíssima e Sempre Virgem Maria os nossos futuros passos no caminho rumo à plenitude da unidade e entregamos ao amor infinito de Deus toda a família humana.
«O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te favoreça! O Senhor volte para ti a sua face e te dê a paz!» (Nm 6, 25-26).

"Seguindo os passos dos meus Antecessores, vim como peregrino à Terra Santa"

Discurso do Santo Padre na Cerimônia de Boas-Vindas

TELAVIVE, 25 de Maio de 2014 (Zenit.org) - 
Senhor Presidente,
Senhor Primeiro-Ministro, 
Eminências, Excelências, Senhoras e Senhores, Irmãos!
Agradeço-vos cordialmente pela recepção no Estado de Israel, que tenho a alegria de visitar nesta minha peregrinação. Estou agradecido ao Senhor Presidente Shimon Peres e ao Senhor Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu pelas amáveis ​​palavras que me dirigiram, e lembro com alegria os nossos encontros no Vaticano. Como sabeis, venho peregrino à distância de cinquenta anos da histórica viagem do Papa Paulo VI. Desde então muitas coisas mudaram entre a Santa Sé e o Estado de Israel: as relações diplomáticas, que existem entre nós já há vinte anos, têm favorecido o incremento de boas e cordiais relações, como testemunham os dois Acordos já assinados e ratificados e o que está em fase de aperfeiçoamento. Neste espírito, dirijo a minha saudação a todo o povo de Israel, com votos de que se realizem as suas aspirações de paz e prosperidade.
Seguindo os passos dos meus Antecessores, vim como peregrino à Terra Santa, onde se desenrolou uma história plurimilenar e tiveram lugar os principais eventos relacionados com o nascimento e o desenvolvimento das três grandes religiões monoteístas: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo; por isso, ela é ponto de referência espiritual para grande parte da humanidade. Espero, pois, que esta Terra bendita seja um lugar onde não haja espaço algum para quem, instrumentalizando e exacerbando o valor da sua filiação religiosa, se torne intolerante e violento para com a religião alheia.
Durante esta minha peregrinação à Terra Santa, visitarei alguns dos lugares mais significativos de Jerusalém, cidade de valor universal. Jerusalém significa «cidade da paz». Assim Deus a quer e assim todos os homens de boa vontade desejam que seja. Mas, infelizmente, esta cidade é ainda atormentada pelas consequências de longos conflitos. Todos nós sabemos quão urgente e necessária seja a paz, não só para Israel, mas também para toda a região. Por isso, multipliquem-se esforços e energias com a finalidade de chegar a uma solução justa e duradoura dos conflitos que causaram tantos sofrimentos. Em união com todos os homens de boa vontade, suplico a quantos estão investidos de responsabilidade que não deixem nada de intentado na busca de soluções équas para as complexas dificuldades, de tal modo que israelitas e palestinenses possam viver em paz. É preciso empreender sempre, com coragem e sem se cansar o caminho do diálogo, da reconciliação e da paz. Não há outro caminho. Por isso, renovo o apelo que dirigiu Bento XVI deste lugar: seja universalmente reconhecido que o Estado de Israel tem o direito de existir e gozar de paz e segurança dentro de fronteiras internacionalmente reconhecidas. Seja igualmente reconhecido que o Povo Palestinense tem o direito a uma pátria soberana, a viver com dignidade e a viajar livremente. Que a «solução de dois Estados» se torne realidade e não permaneça um sonho!
Momento particularmente tocante da minha estada no vosso País será a visita ao Memorial de Yad Vashen, erguido em recordação dos seis milhões de judeus vítimas do Shoah, tragédia que permanece símbolo dos extremos aonde pode chegar a malvadez do homem, quando, atiçado por falsas ideologias, esquece a dignidade fundamental de cada pessoa, a qual merece respeito absoluto seja qual for o povo a que pertença e a religião que professe. Peço a Deus que jamais se repita semelhante crime, de que foram vítimas em primeiro lugar judeus mastambém muitos cristãos e outros. Sempre lembrados do passado, promovamos uma educação onde a exclusão e o conflito cedam o lugar à inclusão e ao encontro, onde não haja lugar para o anti-semitismo, seja qual for a forma em que se manifeste, nem para qualquer expressão de hostilidade, discriminação ou intolerância contra indivíduos e povos.
Com o coração profundamente amargurado, penso a quantos perderam a vida no atroz atentado sucedido ontem em Bruxelas. Ao mesmo tempo que renovo a minha viva deploração por este criminoso acto de ódio anti-semita, confio a Deus Misericordioso as vítimas e invoco a cura para os feridos.
A brevidade da viagem limita, inevitavelmente, as possibilidades de encontro. Queria daqui saudar todos os cidadãos israelitas e exprimir-lhes a minha solidariedade, de modo particular a quantos vivem em Nazaré e na Galileia, onde estão presentes também muitas comunidades cristãs.  
Aos Bispos e aos fiéis cristãos, dirijo a minha saudação fraterna e cordial. Encorajo-os a continuarem a prestar, com confiada esperança, o seu sereno testemunho a favor da reconciliação e do perdão, seguindo a doutrina e o exemplo do Senhor Jesus, que deu a vida pela paz entre o homem e Deus, entre irmão e irmão. Sede fermento de reconciliação, portadores de esperança, testemunhas de caridade. Sabei que vos tenho sempre presente nas minhas orações.
Desejo fazer um convite a Vossa Excelência, Senhor Presidente, e ao Senhor Presidente Mahmoud Abbas para elevarem, juntamente comigo, uma intensa oração, implorando de Deus o dom da paz. Ofereço a minha casa, no Vaticano, para hospedar este encontro de oração.. Todos desejamos a paz; tantas pessoas a constroem dia a dia com pequenos gestos; muitos sofrem e suportam pacientemente a fadiga de tantas tentativas para a construir. E todos – especialmente aqueles que estão colocados ao serviço do seu próprio povo – temos o dever de nos fazer instrumentos e construtores de paz, antes de mais nada na oração. Construir a paz é difícil, mas viver sem paz é um tormento. Todos os homens e mulheres desta Terra e do mundo inteiro pedem-nos para levarmos à presença de Deus a sua ardente aspiração pela paz.
Senhor Presidente, Senhor Primeiro-Ministro, Senhoras e Senhores, de novo vos agradeço pela vossa recepção.
Que a paz e a prosperidade desçam em abundância sobre Israel.. Deus abençoe o seu povo com a paz! Shalom!