sábado, 7 de fevereiro de 2015

Família: lugar da esperança

Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ)

O tema família tem sido objeto de aprofundamento na caminhada da Igreja nestes tempos. No consistório de fevereiro do ano passado, na Assembleia Extraordinária do Sínodo dos Bispos em outubro passado, e será o assunto do Sínodo Ordinário em outubro próximo. As discussões e os temas afins foram amplamente comentados pela mídia. A Igreja foi consultada sobre o tema no ano passado e está sendo consultada neste ano para ajudar na reflexão atual.

Em nossa Arquidiocese, o tema da esperança tem sido aprofundado e é o “pano de fundo” de nossas atividades, especialmente do trabalho missionário. Temos convicção de que tudo isso nos ajudará a construir a “paz” em nosso país, neste ano proclamado pela CNBB como Ano da Paz. Também seremos ajudados sobre o tema da Campanha da Fraternidade – sobre Igreja e Sociedade – com a certeza de que nós somos chamados a “servir” como veio o Senhor Jesus fazer entre nós.
Por isso, falar de família e de esperança se insere neste contexto de aprofundamento destes temas e que tem repercussão não só no interno da Igreja, mas esperamos que famílias cristãs sejam cada vez mais “fermento no meio da massa” de uma proposta que realmente resgata a dignidade humana e o verdadeiro sentido para a vida humana.
Em nossos dias, num mundo que se tornou estranho e até hostil à fé, as famílias cristãs são de importância primordial. O lar cristão é o lugar em que os filhos recebem o primeiro anúncio da fé. Esse assunto o Papa aprofundou no tema para o Dia Mundial das Comunicações deste ano, quando recorda que desde o ventre materno começa a comunicação. O Concílio Vaticano II, cujo cinquentenário de conclusão comemoramos neste ano, chama a família, usando uma antiga expressão, de “Igreja doméstica”. É no seio da família que os pais são para os filhos, pela palavra e pelo exemplo, os primeiros mestres da fé. “Na família é, sobretudo, a capacidade de se abraçar, apoiar, acompanhar, decifrar olhares e silêncios, rir e chorar juntos, entre pessoas que não se escolheram e, todavia, são tão importantes uma para a outra… é, sobretudo, esta capacidade que nos faz compreender o que é verdadeiramente a comunicação enquanto descoberta e construção de proximidade”, disse o Papa na mensagem mencionada acima.
Sabemos que o lar é a primeira escola do mundo e da vida cristã. É uma escola de enriquecimento humano. Segundo o Catecismo da Igreja Católica, “a família cristã é uma comunhão de pessoas, vestígio e imagem da comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (n. 2205).
Deus quis que a atividade educadora e criadora da família fosse o reflexo da obra. O casal que constitui uma família está participando com o Pai na criação do mundo. A família é a célula originária da vida social. É a sociedade natural na qual o homem e a mulher são chamados ao dom de si no amor e no dom da vida.
Podemos perceber, ao refletir sobre tudo isto, que a vivência do amor, da justiça, da solidariedade nasce na família para, depois, se expandir por toda sociedade. Para seguir o projeto de Deus, e, consequentemente, para vivermos a felicidade em plenitude, é preciso, aqui na Terra, aqui neste mundo que tanto tenta destruir a família cristã, que saibamos defendê-la por que ela é o esteio da sociedade e é nela que podemos cultivar, desde a mais tenra infância, a fé, a esperança e a caridade, virtudes que farão deste mundo um mundo melhor e que, com toda a certeza, nos levarão à glória do Pai. Somos chamados a fazer com audácia a proposta cristã de família como uma grande responsabilidade nossa e, ao mesmo tempo, com todo direito enquanto membros dessa sociedade.
A família vive um projeto onde não deve jamais haver o "meu" ou o "teu", mas o "nosso". E isso só acontece porque nela se vive o amor. Este amor nasce de uma profunda admiração pela pessoa do outro, na certeza de que só se é feliz quando se faz o outro feliz. Este amor faz com que a relação homem e mulher seja estável e duradoura. Casamento não é algo descartável. Essa ideia deve estar clara, principalmente na mente dos jovens, constantemente bombardeados pela televisão, revistas e novelas que os fazem acreditar que o casamento é coisa provisória. Parece que hoje pouco importa a realidade dos filhos neste tempo em que a infidelidade está na moda. Essa realidade desvirtuada sobre casamento, infelizmente faz com que casais acabem se machucando pela vida e pelos problemas que aparecem na convivência do dia a dia. Eis a nossa grande responsabilidade de educar os jovens nos valores cristãos, e a importância do testemunho de casais felizes nessa sociedade hodierna.
Sobre a ideia enganosa de casamento: nós, cristãos, temos a oferecer ao mundo como modelo a "família cristã", a exemplo da Sagrada Família de Nazaré. A família cristã é a união de pessoas batizadas. Pessoas ao mesmo tempo santas e pecadoras em processo de santificação, e que procuram viver da fé em Jesus. É no seio dessa família cristã que os filhos descobrem Deus e, principalmente, que Deus é "Amor".
A família cristã é o espaço de vivência do Evangelho: pois dentro dela os filhos aprendem a conhecer a Palavra de Deus: aprendem a rezar, a partilhar e a perdoar. Pais e mães cristãos têm consciência de que são os primeiros educadores de seus filhos na fé, e sabem que não podem delegar a tarefa da educação religiosa nem só para o padre e nem só para o catequista. Na mensagem, como lembrada acima, disse o Papa Francisco: “A experiência do vínculo que nos «precede» faz com que a família seja também o contexto onde se transmite aquela forma fundamental de comunicação, que é a oração.
Muitas vezes, ao adormecerem os filhos recém-nascidos, a mãe e o pai entregam-nos a Deus para que vele por eles; e, quando se tornam um pouco maiores, põem-se a recitar, juntamente com eles, orações simples, recordando carinhosamente outras pessoas: os avós, outros parentes, os doentes e atribulados, todos aqueles que mais precisam da ajuda de Deus”.
A família também não pode se fechar sobre si mesma! Pais, mães e filhos devem “sair fora” dos limites de seus lares para santificar seus vizinhos, sua rua, seu bairro. Participar de suas comunidades paroquiais para, junto com outras famílias, mudar estruturas, corações e mentalidades. Colaborar, em última análise, na implantação do Reino de Deus na terra.
A Igreja tem um papel capital onde se encontra, quer seja no bairro, na cidade, vila, paróquia, diocese ou nas culturas onde está inserida. A família é uma manifestação local, corporal, da comunhão eclesial. O Vaticano II diz que a família é “o santuário da Igreja em casa” (AA 11). O amor da Igreja pela humanidade, na missão de Cristo, transparece nesta comunhão de pessoas.
A família semeia esperança dentro do lar e é semeadora da mesma para fora, para a sociedade que necessita arejar os ambientes com os valores do respeito, da vida, da fé e da paz. Ainda citando o Papa Francisco: “A família mais bela, protagonista e não problema, é aquela que, partindo do testemunho, sabe comunicar a beleza e a riqueza do relacionamento entre o homem e a mulher, entre pais e filhos. Não lutemos para defender o passado, mas trabalhemos com paciência e confiança, em todos os ambientes onde diariamente nos encontramos, para construir o futuro”.

Um comentário:

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