sábado, 4 de janeiro de 2014

TRANSBORDAR DE AMOR




                     A missão é a natureza da Igreja, ou a Igreja é missionária por sua natureza, ou não é Igreja. Eu também tenho uma missão, a mesma da Igreja, que é intransferível que me foi dada por ocasião do batismo e se eu não cumprir a missão do batismo, não sou cristão.
                     “Enviada e evangelizadora, a Igreja envia também ela própria evangelizadores. É ela que coloca em seus lábios a Palavra que salva que lhes explica a mensagem de que ela mesma é depositária, que lhes confere o mandato que ela própria recebeu   e que, enfim os envia a pregar.  E a pregar, não suas próprias pessoas ou suas  idéias pessoais, mas sim um Evangelho do qual nem eles nem ela são senhores e proprietários absolutos, para dele disporem a seu bel-prazer, mas de que são ministros para o transmitir com a máxima fidelidade”.(EN 15)
                     Por isso, é preciso que sejamos fiéis à missão e a doutrina deixada por Cristo. Hoje mais que nunca Cristo precisa de nós, para levarmos suas palavras de amor e esperança a tantos que vivem distante da fé.
                    A sociedade hoje, está voltada para os valores passageiros, para as coisas do mundo.  Vivemos em uma sociedade imediatista, capitalista, discriminadora, individualista, plural e relativista, onde os valores morais, éticos e religiosos são considerados ultrapassados. Um mundo consumista voltado para o ter e o poder, onde tudo deve levar ao prazer.
                     As conseqüências desta sociedade regida pelo dinheiro está nas periferias das cidades. Ali encontramos miséria,  fome, desemprego, violência...
                   “AI DE MIM SE NÃO EVANGELIZAR” , nos diz São Paulo 1Cor 9, 16-23.
               Porque é através do batismo que nos tornamos cristãos, que passamos a ser membro da Igreja, que passamos a fazer parte do povo de Deus.
               Precisamos aprender a viver o nosso batismo, com alegria e entusiasmo. Se eu recebo  de Deus graças e muito amor, eu tenho o dever de passar para outros este amor. O papa Bento escreveu acerca do Amor,  busca a afirmação de são João e renova dizendo DEUS É AMOR.
             Precisamos ter como exemplo um copo que quando esta cheio de água e se colocada mais água, está derrama ao seu redor e a água vai atingindo distancia.
             Assim somos nós, recebemos de Deus muito amor, e esse amor transborda em mim, atingindo outras pessoas.
            Ai de mim se não evangelizar.
            O que faço com tudo que recebo de Deus?  
            Para onde vai esse amor?
            Evangelizar é fazer transbordar o copo. Por onde eu passar devo derramar amor, sem fazer distinção.

                                        Maria Ronety Canibal

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Papa Francisco aos jesuítas: estar aberto às surpresas de Deus


Publicado em 03/01/2014, às 19:57, por Victor Hugo Vieira.

O Papa Francisco afirmou hoje que os cristãos devem ter o pensamento aberto às surpresas de Deus, porque Ele sempre nos surpreende.

O Papa presidiu à missa na Igreja de Jesus, no centro de Roma, um templo da Companhia de Jesus, os jesuítas, Ordem a que pertence Francisco.

Em sua homilia, o Papa pediu que os jesuítas sigam o exemplo de São Pedro Fabro, um dos primeiros companheiros de Santo Inácio e fundador da Companhia de Jesus.

"Pedro Fabro era completamente centrado em Deus e por isso, podia ir, em espírito de obediência e muitas vezes a pé, a qualquer lugar da Europa e dialogar com todos com doçura, anunciando o Evangelho".

"Um dos maiores desejos de Fabro era ser 'dilatado' em Deus, ele queria dedicar o centro de seu coração a Jesus, era devorado pelo anseio de comunicar o Senhor. E nós também devemos deixar agir em nós o fascínio de Jesus".

O Papa Francisco afirmou que os jesuítas querem "ter os mesmos sentimentos de Cristo". Isso significa "pensar como Ele, querer bem como Ele, ver como Ele, caminhar como Ele. Significar fazer tudo o que Ele fez, com os sentimentos de seu coração".

"Ser jesuíta significa ser uma pessoa de pensamento incompleto, aberto, porque pensa sempre mirando no horizonte que é a glória de Deus, que nos surpreende sempre", disse.

É preciso "procurar Deus para encontrá-lo, e encontrá-lo para procurá-lo e achá-lo ainda e sempre".

"É esta inquietude que dá paz ao coração de um jesuíta, uma inquietude apostólica, que não nos deixa jamais cansar de anunciar o querigma, de evangelizar com coragem. Sem inquietude, somos estéreis", afirmou o Papa.

Paz e fraternidade



Sob a ótica da fraternidade o Papa Francisco envia para o mundo, na solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, ao iniciar um novo ano, a sua primeira mensagem para o Dia Mundial da Paz.

A alegria e a esperança devem, segundo o Papa Francisco, ser o binário para vivermos a fraternidade individual e coletiva no mundo.

Ensina o Papa que: "a fraternidade é uma dimensão essencial do homem, sendo ele um ser relacional. A consciência viva desta dimensão relacional leva-nos a ver e tratar cada pessoa como uma verdadeira irmã e um verdadeiro irmão; sem tal consciência, torna-se impossível a construção duma sociedade justa, duma paz firme e duradoura. E convém desde já lembrar que a fraternidade se começa a aprender habitualmente no seio da família, graças sobretudo às funções responsáveis e complementares de todos os seus membros, mormente do pai e da mãe.

Ciente da importância dos meios de comunicação diz o Papa que "vemos semeada a vocação a formar uma comunidade feita de irmãos que se acolhem mutuamente e cuidam uns dos outros. Contudo, ainda hoje, esta vocação é muitas vezes contrastada e negada nos fatos, num mundo caracterizado pela 'globalização da indiferença' que lentamente nos faz 'habituar' ao sofrimento alheio, fechando-nos em nós mesmos".

Neste tempo de mudança de época é importante ressaltar que a dinâmica da solidariedade, da partilha e da fraternidade parecem estar fora de moda. Calaram profundamente no coração dos católicos os três conselhos repetidos pelo Papa Francisco no domingo da Sagrada Família, como três tesouros a serem vividos como regras básicas de vivência e de convivência familiar: "dá licença, obrigado, perdão". Quando em uma família não se é um intruso e se pede "com licença", quando em uma família não se é egoísta e se aprende a dizer "obrigado", e quando em uma família alguém se dá conta que fez uma coisa errada e pede "perdão", então nesta família existe paz e alegria. Neste ponto, o Pontífice encorajou as famílias a tomarem consciência da importância que tem na Igreja e na sociedade. "O anúncio do Evangelho - disse o Papa -, passa de fato, antes de tudo, através das famílias para depois, chegar até aos diversos âmbitos da vida diária".

O Papa Francisco denunciou a guerra silenciosa que em muitas partes do mundo se tem propagado contra o direito à prática religiosa. Denunciou os tráficos humanos e as suas muitas facetas, as guerras armadas, e "às guerras feitas de confrontos armados juntam-se guerras menos visíveis, mas não menos cruéis, que se combatem nos campos econômico e financeiro com meios igualmente demolidores de vidas, de famílias, de empresas. A globalização, como afirmou Bento XVI, torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos. As inúmeras situações de desigualdade, pobreza e injustiça indicam não só uma profunda carência de fraternidade, mas também a ausência duma cultura de solidariedade. As novas ideologias, caracterizadas por generalizado individualismo, egocentrismo e consumismo materialista, debilitam os laços sociais, alimentando aquela mentalidade do 'descartáve' que induz ao desprezo e abandono dos mais fracos, daqueles que são considerados 'inúteis'. Assim, a convivência humana assemelha-se sempre mais a um mero do ut des pragmático e egoísta".

"Uma verdadeira fraternidade entre os homens supõe e exige uma paternidade transcendente. A partir do reconhecimento desta paternidade, consolida-se a fraternidade entre os homens, ou seja, aquele fazer-se 'próximo' para cuidar do outro".

O Papa Francisco pergunta "onde está o teu irmão?". "Para compreender melhor esta vocação do homem à fraternidade e para reconhecer de forma mais adequada os obstáculos que se interpõem à sua realização e identificar as vias para a superação dos mesmos, é fundamental deixar-se guiar pelo conhecimento do desígnio de Deus, tal como se apresenta de forma egrégia na Sagrada Escritura. Segundo a narração das origens, todos os homens provêm dos mesmos pais, de Adão e Eva, casal criado por Deus à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1,26), do qual nascem Caim e Abel. Na história desta família primigénia, lemos a origem da sociedade, a evolução das relações entre as pessoas e os povos. Abel é pastor, Caim agricultor. A sua identidade profunda e, conjuntamente, a sua vocação é ser irmãos, embora na diversidade da sua atividade e cultura, da sua maneira de se relacionarem com Deus e com a criação. Mas o assassinato de Abel por Caim atesta, tragicamente, a rejeição radical da vocação a ser irmãos. A sua história (cf. Gn 4,1-16) põe em evidência o difícil dever, a que todos os homens são chamados, de viver juntos, cuidando uns dos outros. Caim, não aceitando a predileção de Deus por Abel, que Lhe oferecia o melhor do seu rebanho - 'o Senhor olhou com agrado para Abel e para a sua oferta, mas não olhou com agrado para Caim nem para a sua oferta' (Gn 4,4-5) -, mata Abel por inveja. Desta forma, recusa reconhecer-se irmão, relacionar-se positivamente com ele, viver diante de Deus, assumindo as suas responsabilidades de cuidar e proteger o outro. À pergunta com que Deus interpela Caim - 'onde está o teu irmão?' -, pedindo-lhe contas da sua ação, responde: 'Não sei dele. Sou, porventura, guarda do meu irmão?' (Gn 4,9). Depois - diz-nos o livro do Gênesis -, 'Caim afastou-se da presença do Senhor' (4,16). É preciso interrogar-se sobre os motivos profundos que induziram Caim a ignorar o vínculo de fraternidade e, simultaneamente, o vínculo de reciprocidade e comunhão que o ligavam ao seu irmão Abel. O próprio Deus denuncia e censura a Caim a sua contigüidade com o mal: 'o pecado deitar-se-á à tua porta' (Gn 4,7). Mas Caim recusa opor-se ao mal, e decide igualmente 'lançar-se sobre o irmão' (Gn 4,8), desprezando o projeto de Deus. Deste modo, frustra a sua vocação original para ser filho de Deus e viver a fraternidade".

O Papa Francisco, partindo de sua experiência de viver o que prega, lembra que "o egoísmo diário, que está na base de muitas guerras e injustiças: na realidade, muitos homens e mulheres morrem pela mão de irmãos e irmãs que não sabem reconhecer-se como tais, isto é, como seres feitos para a reciprocidade, a comunhão e a doação". Egoísmo, a meta para ser vencida em todas as relações de 2014.

A mensagem coloca também uma afirmação: "E vós sois todos irmãos" (Mt 23, 8) E questiona: "Surge espontaneamente a pergunta: poderão um dia os homens e as mulheres deste mundo corresponder plenamente ao anseio de fraternidade, gravado neles por Deus Pai? Conseguirão, meramente com as suas forças, vencer a indiferença, o egoísmo e o ódio, aceitar as legítimas diferenças que caracterizam os irmãos e as irmãs?".

"A raiz da fraternidade está contida na paternidade de Deus. Não se trata de uma paternidade genérica, indistinta e historicamente ineficaz, mas do amor pessoal, solícito e extraordinariamente concreto de Deus por cada um dos homens (cf. Mt 6,25-30). Trata-se, por conseguinte, de uma paternidade eficazmente geradora de fraternidade, porque o amor de Deus, quando é acolhido, torna-se no mais admirável agente de transformação da vida e das relações com o outro, abrindo os seres humanos à solidariedade e à partilha ativa. Em particular, a fraternidade humana foi regenerada em e por Jesus Cristo, com a sua morte e ressurreição. A cruz é o 'lugar' definitivo de fundação da fraternidade que os homens, por si sós, não são capazes de gerar. Jesus Cristo, que assumiu a natureza humana para a redimir, amando o Pai até à morte e morte de cruz (cf. Fl 2,8), por meio da sua ressurreição constitui-nos como humanidade nova, em plena comunhão com a vontade de Deus, com o seu projeto, que inclui a realização plena da vocação à fraternidade".

"A fraternidade é fundamento e caminho para a paz". "A solidariedade cristã pressupõe que o próximo seja amado não só como 'um ser humano com os seus direitos e a sua igualdade fundamental em relação a todos os demais, mas [como] a imagem viva de Deus Pai, resgatada pelo sangue de Jesus Cristo e tornada objeto da ação permanente do Espírito Santo', como um irmão. 'Então a consciência da paternidade comum de Deus, da fraternidade de todos os homens em Cristo, 'filhos no Filho', e da presença e da ação vivificante do Espírito Santo conferirá - lembra João Paulo II - ao nosso olhar sobre o mundo como que um novo critério para o interpretar', para o transformar".

"Reconhece-se haver necessidade também de políticas que sirvam para atenuar a excessiva desigualdade de rendimento. Não devemos esquecer o ensinamento da Igreja sobre a chamada hipoteca social, segundo a qual, se é lícito - como diz São Tomás de Aquino - e mesmo necessário que 'o homem tenha a propriedade dos bens', quanto ao uso, porém, não deve considerar as coisas exteriores que legitimamente possui só como próprias, mas também como comuns, no sentido de que possam beneficiar não só a si mas também aos outros".

Por último o Papa nos ensina o desapego: "há uma forma de promover a fraternidade - e, assim, vencer a pobreza - que deve estar na base de todas as outras. É o desapego vivido por quem escolhe estilos de vida sóbrios e essenciais, por quem, partilhando as suas riquezas, consegue assim experimentar a comunhão fraterna com os outros. Isto é fundamental, para seguir Jesus Cristo e ser verdadeiramente cristão. É o caso não só das pessoas consagradas que professam voto de pobreza, mas também de muitas famílias e tantos cidadãos responsáveis que acreditam firmemente que a relação fraterna com o próximo constitua o bem mais precioso".

Falando aos responsáveis pela economia e aos governos adverte o Papa Francisco que: "As sucessivas crises econômicas devem levar a repensar adequadamente os modelos de desenvolvimento econômico e a mudar os estilos de vida. A crise atual, com pesadas conseqüências na vida das pessoas, pode ser também uma ocasião propícia para recuperar as virtudes da prudência, temperança, justiça e fortaleza. Elas podem ajudar-nos a superar os momentos difíceis e a redescobrir os laços fraternos que nos unem uns aos outros, com a confiança profunda de que o homem tem necessidade e é capaz de algo mais do que a maximização do próprio lucro individual. As referidas virtudes são necessárias sobretudo para construir e manter uma sociedade à medida da dignidade humana".

O Papa pede o fim das guerras e da disseminação das armas. Diz Francisco que: "desejo dirigir um forte apelo a quantos semeiam violência e morte, com as armas: naquele que hoje considerais apenas um inimigo a abater, redescobri o vosso irmão e detende a vossa mão! Renunciai à via das armas e ide ao encontro do outro com o diálogo, o perdão e a reconciliação para reconstruir a justiça, a confiança e esperança ao vosso redor!".

O Papa Francisco condena a corrupção clamando por honestidade, justiça social e transparência, principalmente para vencer o egoísmo. Convida os homens públicos a respeitar a liberdade religiosa. Condena o drama da droga "com a qual se lucra desafiando leis morais e civis, na devastação dos recursos naturais". Deplora a prostituição, o tráfico de seres humanos, os crimes contra os menores, a escravidão e a ilegalidade. Clama por um sistema prisional que recupere os detentos.

Enfim, o Papa pede que a família humana cuide da natureza, que está a disposição do homem que deve administrá-la responsavelmente. O Papa volta o seu olhar ao setor agrícola pedindo "que a fome seja erradicada e que a produção agrícola seja para o uso universal de todos".

A fraternidade deve ser amada, ser descoberta e testemunhada: "Quando falta esta abertura a Deus, toda a atividade humana se torna mais pobre, e as pessoas são reduzidas a objeto passível de exploração. Somente se a política e a economia aceitarem mover-se no amplo espaço assegurado por esta abertura Àquele que ama todo o homem e mulher, é que conseguirão estruturar-se com base num verdadeiro espírito de caridade fraterna e poderão ser instrumento eficaz de desenvolvimento humano integral e de paz".

Sob o legado deixado pelo testemunho do Papa Francisco, contemplando o Cristo Redentor, onde celebrei a missa de "passagem de ano", de braços abertos abençoando o Rio de Janeiro e o Brasil, invoco a Fraternidade como itinerário para se viver a paz que tanto precisamos e derrotar todas as facetas do mal, da maldade humana em que não nos deixam viver como pede o Evangelho: como irmãos que partilham, que amam, que perdoam, e como Cristo, que não se deixa perder nenhum dos seus filhos. Paz na terra aos homens de boa vontade!

Uma mensagem atual e densa de propostas que marcam este início de ano! "Que Maria, a Mãe de Jesus, nos ajude a compreender e a viver todos os dias a fraternidade que jorra do coração do seu Filho, para levar a paz a todo o homem que viver nesta nossa amada terra".

Dom Orani João Tempesta

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

É necessário o empenho de todos para construir uma sociedade verdadeiramente mais justa e solidária



As palavras do Papa no primeiro Angelus do ano

CIDADE DO VATICANO, 01 de Janeiro de 2014 (Zenit.org) - Após a celebração da Eucaristia da Solenidade da Mãe de Deus e Dia Mundial da Paz, na Basílica Vaticana, o Papa Francisco rezoua oração mariana do Angelus com os fiéis presentes na Praça São Pedro. Antes da oraçao, ele pronunciou as seguintes palavras:
Queridos irmãos e irmãs, bom dia e feliz ano novo!
No início do ano novo dirijo a vocês minhas felicitações mais cordiais de paz e de bem. Meus augúrios são os da Igreja, são cristãos! Não com sentido um pouco mágico ou fatalista de um novo ciclo que começa. Nós sabemos que a história tem um centro: Jesus Cristo, encarnado, morto e ressuscitado, que está vivo no meio de nós; e tem um fim: o Reino de Deus, Reino de paz, justiça, liberdade, amor; e tem uma força que move em direção àquele fim: a força é o Espírito Santo. Todos nós temos o Espírito Santo, que recebemos no Batismo, e Ele nos encoraja a seguir em frente no caminho da vida cristã, no caminho da história, para o Reino de Deus.
Este Espírito é a potência do amor que fecundou o ventre da Virgem Maria, e é o mesmo que anima os projetos e obras de todos os construtores da paz. Onde há um homem ou uma mulher construtor da paz, é o próprio Espírito Santo que está a ajudar, levando-os a realizar a paz. Duas estradas se entrecruzam hoje: a festa de Maria Santíssima Mãe de Deus e o Dia Mundial da Paz. Oito dias atrás ecoou o anuncio angélico: "Glória a Deus e paz aos homens"; hoje nós o acolhemos novamente da Mãe de Jesus, que "guardava todas estas coisas, meditando-as no seu coração" (Lc 2,19), para nos comprometer durante o ano que se inicia.
O tema do Dia Mundial da Paz é "Fraternidade, fundamento e caminho para a paz". Fraternidade: na estrada dos meus antecessores, começando por Paulo VI, eu desenvolvi o tema em uma mensagem, já difundida, e que hoje entrego a todos. Na base está a convicção de que somos todos filhos do único Pai Celeste, fazemos parte da mesma família humana e partilhamos um destino comum. Disso deriva a responsabilidade de cada um de atuar, para que o mundo se torne uma verdadeira comunidade de irmãos, que se respeitam e aceitam as diversidades e cuidam uns dos outros. Nós somos chamados a dar-nos conta das violências e das injustiças em muitas partes do mundo, e que não nos podem deixar indiferentes e paralisados: é necessário o empenho de todos para construir uma sociedade verdadeiramente mais justa e solidária. Ontem, recebi a carta de um senhor, talvez um de vocês, que me colocando a par de uma tragédia familiar, enumerou as tragédias e guerras de hoje, no mundo, e me perguntou: o que acontece no coração humano, que é levado a fazer tudo isso? E ele disse, no final: "É hora de parar". Eu também acho que vai fazer bem parar este caminho de violência, e buscar a paz. Irmãos e irmãs, faço minhas as palavras deste homem: o que acontece no coração do homem? O que acontece no coração da humanidade? É hora de parar!
De todos os cantos da terra, os crentes elevam suas orações para pedir ao Senhor o dom da paz e a força para levá-la a todos os ambientes. Neste primeiro dia do ano, que o Senhor nos ajude encaminharmo-nos mais decididamente no caminho da justiça e da paz. E comecemos em casa! Justiça e paz em casa, entre nós. Começa em casa e, em seguida, continua, para toda a humanidade. Mas temos que começar em casa. Que o Espírito Santo atue nos corações, desfaça a rigidez e as durezas e nos conceda a graça de enternecermos diante da fragilidade do Menino Jesus. A paz, de fato, exige a força da mansidão, a força não violenta da verdade e do amor.
Nas mãos de Maria, Mãe do Redentor, coloquemos, com confiança filial, as nossas esperanças. Para ela, que estende a sua maternidade a todos os homens, confiemos o grito de paz dos povos oprimidos pelas guerras e violências, para que a coragem do diálogo e da reconciliação prevaleça sobre a tentação da vingança, da prepotência, da corrupção. Peçamos que o Evangelho da fraternidade, anunciado e testemunhado pela Igreja, possa falar às consciências e abater os muros, que impedem aos inimigos de se reconhecer irmãos.

O nosso caminho de fé está indissoluvelmente ligado a Maria



Homilia do Papa Francisco na Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus

CIDADE DO VATICANO, 01 de Janeiro de 2014 (Zenit.org) - O Santo Padre presidiu nesta quarta-feira, 01 de janeiro, Santa Missa na Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus e Dia Mundial da Paz. Eis o texto integral da homilia:
Amados Irmãos e Irmãs,
A primeira leitura propôs-nos a antiga súplica de bênção que Deus sugerira a Moisés, para que a ensinasse a Aarão e seus filhos: «O Senhor te abençoe e te proteja. O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te seja favorável. O Senhor dirija para ti o seu olhar e te conceda a paz» (Nm 6, 24-26). É muito significativo ouvir estas palavras de bênção no início dum novo ano: acompanharão o nosso caminho neste tempo que se abre diante de nós. São palavras que dão força, coragem e esperança; não uma esperança ilusória, assente em frágeis promessas humanas, nem uma esperança ingénua que imagina melhor o futuro, simplesmente porque é futuro. Esta esperança tem a sua razão de ser precisamente na bênção de Deus; uma bênção que contém os votos maiores, os votos da Igreja para cada um de nós, repletos da protecção amorosa do Senhor, da sua ajuda providente.
Os votos contidos nesta bênção realizaram-se plenamente numa mulher, Maria, enquanto destinada a tornar-Se a Mãe de Deus, e realizaram-se n’Ela antes de qualquer outra criatura.
Mãe de Deus! Este é o título principal e essencial de Nossa Senhora. Trata-se duma qualidade, duma função que a fé do povo cristão, na sua terna e genuína devoção à Mãe celeste, desde sempre Lhe reconheceu.
Lembremos aquele momento importante da história da Igreja Antiga que foi o Concílio de Éfeso, no qual se definiu com autoridade a maternidade divina da Virgem. Esta verdade da maternidade divina de Maria ecoou em Roma, onde, pouco depois, se construiu a Basílica de Santa Maria Maior, o primeiro santuário mariano de Roma e de todo o Ocidente, no qual se venera a imagem da Mãe de Deus – a Theotokos – sob o título de Salus populi romani. Diz-se que os habitantes de Éfeso, durante o Concílio, se teriam congregado aos lados da porta da basílica onde estavam reunidos os Bispos e gritavam: «Mãe de Deus!» Os fiéis, pedindo que se definisse oficialmente este título de Nossa Senhora, demonstravam reconhecer a sua maternidade divina. É a atitude espontânea e sincera dos filhos, que conhecem bem a sua Mãe, porque A amam com imensa ternura. Mais ainda: é o sensus fidei do santo fiel Povo de Deus, que nunca - na sua unidade - nunca se engana.
Desde sempre Maria está presente no coração, na devoção e sobretudo no caminho de fé do povo cristão. «A Igreja caminha no tempo (...). Mas, nesta caminhada, a Igreja procede seguindo as pegadas do itinerário percorrido pela Virgem Maria» (JOÃO PAULO II, Enc. Redemptoris Mater, 2). O nosso itinerário de fé é igual ao de Maria; por isso, A sentimos particularmente próxima de nós! No que diz respeito à fé, que é o fulcro da vida cristã, a Mãe de Deus partilhou a nossa condição, teve de caminhar pelas mesmas estradas, às vezes difíceis e obscuras, trilhadas por nós, teve de avançar pelo «caminho da fé» (CONC. ECUM. VAT. II, Const. Lumen gentium, 58).
O nosso caminho de fé está indissoluvelmente ligado a Maria, desde o momento em que Jesus, quando estava para morrer na cruz, no-La deu como Mãe, dizendo: «Eis a tua mãe!» (Jo 19, 27). Estas palavras têm o valor dum testamento, e dão ao mundo uma Mãe. Desde então, a Mãe de Deus tornou-Se também nossa Mãe! Na hora em que a fé dos discípulos se ia quebrantando com tantas dificuldades e incertezas, Jesus confiava-lhes Aquela que fora a primeira a acreditar e cuja fé não desfaleceria jamais. E a «mulher» torna-Se nossa Mãe, no momento em que perde o Filho divino. O seu coração ferido dilata-se para dar espaço a todos os homens, bons e maus; e ama-os como os amava Jesus. A mulher que, nas bodas de Caná da Galileia, dera a sua colaboração de fé para a manifestação das maravilhas de Deus na mundo, no Calvário mantém acesa a chama da fé na ressurreição do Filho, e comunica-a aos outros com carinho maternal. Assim Maria torna-Se fonte de esperança e de alegria verdadeira.
A Mãe do Redentor caminha diante de nós e sempre nos confirma na fé, na vocação e na missão. Com o seu exemplo de humildade e disponibilidade à vontade de Deus, ajuda-nos a traduzir a nossa fé num anúncio, jubiloso e sem fronteiras, do Evangelho. Deste modo, a nossa missão será fecunda, porque está modelada pela maternidade de Maria. A Ela confiamos o nosso itinerário de fé, os desejos do nosso coração, as nossas necessidades, as carências do mundo inteiro, especialmente a sua fome e sede de justiça e de paz; e invocamo-La todos juntos: Santa Mãe de Deus!

Fraternidade, Fundamento e Caminho para a Paz



Mensagem do Santo Padre Francisco por ocasião do XLVII Dia Mundial da Paz

CIDADE DO VATICANO, 01 de Janeiro de 2014 (Zenit.org) - Apresentamos a íntegra da mensagem do Santo Padre Francisco por ocasião do XLVII Dia Mundial da Paz, celebrado nesta quarta-feira, 1º de janeiro de 2014:
Fraternidade, Fundamento e Caminho para a Paz
1. Nesta minha primeira Mensagem para o Dia Mundial da Paz, desejo formular a todos, indivíduos e povos, votos duma vida repleta de alegria e esperança. Com efeito, no coração de cada homem e mulher, habita o anseio duma vida plena que contém uma aspiração irreprimível de fraternidade, impelindo à comunhão com os outros, em quem não encontramos inimigos ou concorrentes, mas irmãos que devemos acolher e abraçar.
Na realidade, a fraternidade é uma dimensão essencial do homem, sendo ele um ser relacional. A consciência viva desta dimensão relacional leva-nos a ver e tratar cada pessoa como uma verdadeira irmã e um verdadeiro irmão; sem tal consciência, torna-se impossível a construção duma sociedade justa, duma paz firme e duradoura. E convém desde já lembrar que a fraternidade se começa a aprender habitualmente no seio da família, graças sobretudo às funções responsáveis e complementares de todos os seus membros, mormente do pai e da mãe. A família é a fonte de toda a fraternidade, sendo por isso mesmo também o fundamento e o caminho primário para a paz, já que, por vocação, deveria contagiar o mundo com o seu amor.
O número sempre crescente de ligações e comunicações que envolvem o nosso planeta torna mais palpável a consciência da unidade e partilha dum destino comum entre as nações da terra. Assim, nos dinamismos da história – independentemente da diversidade das etnias, das sociedades e das culturas –, vemos semeada a vocação a formar uma comunidade feita de irmãos que se acolhem mutuamente e cuidam uns dos outros. Contudo, ainda hoje, esta vocação é muitas vezes contrastada e negada nos factos, num mundo caracterizado pela «globalização da indiferença» que lentamente nos faz «habituar» ao sofrimento alheio, fechando-nos em nós mesmos.
Em muitas partes do mundo, parece não conhecer tréguas a grave lesão dos direitos humanos fundamentais, sobretudo dos direitos à vida e à liberdade de religião. Exemplo preocupante disso mesmo é o dramático fenómeno do tráfico de seres humanos, sobre cuja vida e desespero especulam pessoas sem escrúpulos. Às guerras feitas de confrontos armados juntam-se guerras menos visíveis, mas não menos cruéis, que se combatem nos campos económico e financeiro com meios igualmente demolidores de vidas, de famílias, de empresas.
A globalização, como afirmou Bento XVI, torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos.[1] As inúmeras situações de desigualdade, pobreza e injustiça indicam não só uma profunda carência de fraternidade, mas também a ausência duma cultura de solidariedade. As novas ideologias, caracterizadas por generalizado individualismo, egocentrismo e consumismo materialista, debilitam os laços sociais, alimentando aquela mentalidade do «descartável» que induz ao desprezo e abandono dos mais fracos, daqueles que são considerados «inúteis». Assim, a convivência humana assemelha-se sempre mais a um mero do ut des pragmático e egoísta.
Ao mesmo tempo, resulta claramente que as próprias éticas contemporâneas se mostram incapazes de produzir autênticos vínculos de fraternidade, porque uma fraternidade privada da referência a um Pai comum como seu fundamento último não consegue subsistir.[2] Uma verdadeira fraternidade entre os homens supõe e exige uma paternidade transcendente. A partir do reconhecimento desta paternidade, consolida-se a fraternidade entre os homens, ou seja, aquele fazer-se «próximo» para cuidar do outro.
«Onde está o teu irmão?» (Gn 4, 9)
2. Para compreender melhor esta vocação do homem à fraternidade e para reconhecer de forma mais adequada os obstáculos que se interpõem à sua realização e identificar as vias para a superação dos mesmos, é fundamental deixar-se guiar pelo conhecimento do desígnio de Deus, tal como se apresenta de forma egrégia na Sagrada Escritura.
Segundo a narração das origens, todos os homens provêm dos mesmos pais, de Adão e Eva, casal criado por Deus à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1, 26), do qual nascem Caim e Abel. Na história desta família primigénia, lemos a origem da sociedade, a evolução das relações entre as pessoas e os povos..
Abel é pastor, Caim agricultor. A sua identidade profunda e, conjuntamente, a sua vocação é ser irmãos, embora na diversidade da sua actividade e cultura, da sua maneira de se relacionarem com Deus e com a criação. Mas o assassinato de Abel por Caim atesta, tragicamente, a rejeição radical da vocação a ser irmãos. A sua história (cf. Gn 4, 1-16) põe em evidência o difícil dever, a que todos os homens são chamados, de viver juntos, cuidando uns dos outros. Caim, não aceitando a predilecção de Deus por Abel, que Lhe oferecia o melhor do seu rebanho – «o Senhor olhou com agrado para Abel e para a sua oferta, mas não olhou com agrado para Caim nem para a sua oferta» (Gn 4, 4-5) –, mata Abel por inveja. Desta forma, recusa reconhecer-se irmão, relacionar-se positivamente com ele, viver diante de Deus, assumindo as suas responsabilidades de cuidar e proteger o outro. À pergunta com que Deus interpela Caim – «onde está o teu irmão?» –, pedindo-lhe contas da sua acção, responde: «Não sei dele. Sou, porventura, guarda do meu irmão?» (Gn 4, 9). Depois – diz-nos o livro do Génesis –, «Caim afastou-se da presença do Senhor» (4, 16).
É preciso interrogar-se sobre os motivos profundos que induziram Caim a ignorar o vínculo de fraternidade e, simultaneamente, o vínculo de reciprocidade e comunhão que o ligavam ao seu irmão Abel. O próprio Deus denuncia e censura a Caim a sua contiguidade com o mal: «o pecado deitar-se-á à tua porta» (Gn 4, 7). Mas Caim recusa opor-se ao mal, e decide igualmente «lançar-se sobre o irmão» (Gn 4, 8), desprezando o projecto de Deus. Deste modo, frustra a sua vocação original para ser filho de Deus e viver a fraternidade.
A narração de Caim e Abel ensina que a humanidade traz inscrita em si mesma uma vocação à fraternidade, mas também a possibilidade dramática da sua traição. Disso mesmo dá testemunho o egoísmo diário, que está na base de muitas guerras e injustiças: na realidade, muitos homens e mulheres morrem pela mão de irmãos e irmãs que não sabem reconhecer-se como tais, isto é, como seres feitos para a reciprocidade, a comunhão e a doação.
«E vós sois todos irmãos» (Mt 23, 8)
3. Surge espontaneamente a pergunta: poderão um dia os homens e as mulheres deste mundo corresponder plenamente ao anseio de fraternidade, gravado neles por Deus Pai? Conseguirão, meramente com as suas forças, vencer a indiferença, o egoísmo e o ódio, aceitar as legítimas diferenças que caracterizam os irmãos e as irmãs?
Parafraseando as palavras do Senhor Jesus, poderemos sintetizar assim a resposta que Ele nos dá: dado que há um só Pai, que é Deus, vós sois todos irmãos (cf. Mt 23, 8-9). A raiz da fraternidade está contida na paternidade de Deus. Não se trata de uma paternidade genérica, indistinta e historicamente ineficaz, mas do amor pessoal, solícito e extraordinariamente concreto de Deus por cada um dos homens (cf. Mt 6, 25-30). Trata-se, por conseguinte, de uma paternidade eficazmente geradora de fraternidade, porque o amor de Deus, quando é acolhido, torna-se no mais admirável agente de transformação da vida e das relações com o outro, abrindo os seres humanos à solidariedade e à partilha activa.
Em particular, a fraternidade humana foi regenerada em e por Jesus Cristo, com a sua morte e ressurreição. A cruz é o «lugar» definitivo de fundação da fraternidade que os homens, por si sós, não são capazes de gerar. Jesus Cristo, que assumiu a natureza humana para a redimir, amando o Pai até à morte e morte de cruz (cf. Fl 2, 8), por meio da sua ressurreição constitui-nos como humanidade nova, em plena comunhão com a vontade de Deus, com o seu projecto, que inclui a realização plena da vocação à fraternidade.
Jesus retoma o projecto inicial do Pai, reconhecendo-Lhe a primazia sobre todas as coisas. Mas Cristo, com o seu abandono até à morte por amor do Pai, torna-Se princípio novo e definitivo de todos nós, chamados a reconhecer-nos n’Ele como irmãos, porque filhos do mesmo Pai. Ele é a própria Aliança, o espaço pessoal da reconciliação do homem com Deus e dos irmãos entre si. Na morte de Jesus na cruz, ficou superada também a separação entre os povos, entre o povo da Aliança e o povo dos Gentios, privado de esperança porque permanecera até então alheio aos pactos da Promessa. Como se lê na Carta aos Efésios, Jesus Cristo é Aquele que reconcilia em Si todos os homens. Ele é a paz, porque, dos dois povos, fez um só, derrubando o muro de separação que os dividia, ou seja, a inimizade. Criou em Si mesmo um só povo, um só homem novo, uma só humanidade nova (cf. 2,14-16).
Quem aceita a vida de Cristo e vive n’Ele, reconhece Deus como Pai e a Ele Se entrega totalmente, amando-O acima de todas as coisas. O homem reconciliado vê, em Deus, o Pai de todos e, consequentemente, é solicitado a viver uma fraternidade aberta a todos. Em Cristo, o outro é acolhido e amado como filho ou filha de Deus, como irmão ou irmã, e não como um estranho, menos ainda como um antagonista ou até um inimigo. Na família de Deus, onde todos são filhos dum mesmo Pai e, porque enxertados em Cristo, filhos no Filho, não há «vidas descartáveis». Todos gozam de igual e inviolável dignidade; todos são amados por Deus, todos foram resgatados pelo sangue de Cristo, que morreu na cruz e ressuscitou por cada um. Esta é a razão pela qual não se pode ficar indiferente perante a sorte dos irmãos.
A fraternidade, fundamento e caminho para a paz
4. Suposto isto, é fácil compreender que a fraternidade é fundamento e caminho para a paz. As Encíclicas sociais dos meus Predecessores oferecem uma ajuda valiosa neste sentido. Basta ver as definições de paz da Populorum progressio, de Paulo VI, ou da Sollicitudo rei socialis, de João Paulo II. Da primeira, apreendemos que o desenvolvimento integral dos povos é o novo nome da paz[3] e, da segunda, que a paz é opus solidaritatis, fruto da solidariedade.[4]
Paulo VI afirma que tanto as pessoas como as nações se devem encontrar num espírito de fraternidade. E explica: «Nesta compreensão e amizade mútuas, nesta comunhão sagrada, devemos (...) trabalhar juntos para construir o futuro comum da humanidade».[5] Este dever recai primariamente sobre os mais favorecidos. As suas obrigações radicam-se na fraternidade humana e sobrenatural, apresentando-se sob um tríplice aspecto: o dever de solidariedade, que exige que as nações ricas ajudem as menos avançadas; o dever de justiça social, que requer a reformulação em termos mais correctos das relações defeituosas entre povos fortes e povos fracos; o dever de caridade universal, que implica a promoção de um mundo mais humano para todos, um mundo onde todos tenham qualquer coisa a dar e a receber, sem que o progresso de uns seja obstáculo ao desenvolvimento dos outros.[6]
Ora, da mesma forma que se considera a paz como opus solidarietatis, é impossível não pensar que o seu fundamento principal seja a fraternidade. A paz, afirma João Paulo II, é um bem indivisível: ou é bem de todos, ou não o é de ninguém. Na realidade, a paz só pode ser conquistada e usufruída como melhor qualidade de vida e como desenvolvimento mais humano e sustentável, se estiver viva, em todos, «a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum».[7] Isto implica não deixar-se guiar pela «avidez do lucro» e pela «sede do poder». É preciso estar pronto a «“perder-se” em benefício do próximo em vez de o explorar, e a “servi-lo” em vez de o oprimir para proveito próprio (...). O “outro” – pessoa, povo ou nação – [não deve ser visto] como um instrumento qualquer, de que se explora, a baixo preço, a capacidade de trabalhar e a resistência física, para o abandonar quando já não serve; mas sim como um nosso “semelhante”, um “auxílio”».[8]
A solidariedade cristã pressupõe que o próximo seja amado não só como «um ser humano com os seus direitos e a sua igualdade fundamental em relação a todos os demais, mas [como] a imagem viva de Deus Pai, resgatada pelo sangue de Jesus Cristo e tornada objecto da acção permanente do Espírito Santo»,[9] como um irmão. «Então a consciência da paternidade comum de Deus, da fraternidade de todos os homens em Cristo, “filhos no Filho”, e da presença e da acção vivificante do Espírito Santo conferirá – lembra João Paulo II – ao nosso olhar sobre o mundo como que um novo critério para o interpretar»,[10] para o transformar.
A fraternidade, premissa para vencer a pobreza
5. Na Caritas in veritate, o meu Predecessor lembrava ao mundo que uma causa importante da pobreza é a falta de fraternidade entre os povos e entre os homens.[11] Em muitas sociedades, sentimos uma profunda pobreza relacional, devido à carência de sólidas relações familiares e comunitárias; assistimos, preocupados, ao crescimento de diferentes tipos de carências, marginalização, solidão e de várias formas de dependência patológica. Uma tal pobreza só pode ser superada através da redescoberta e valorização de relações fraternas no seio das famílias e das comunidades, através da partilha das alegrias e tristezas, das dificuldades e sucessos presentes na vida das pessoas.
Além disso, se por um lado se verifica uma redução da pobreza absoluta, por outro não podemos deixar de reconhecer um grave aumento da pobreza relativa, isto é, de desigualdades entre pessoas e grupos que convivem numa região específica ou num determinado contexto histórico-cultural. Neste sentido, servem políticas eficazes que promovam o princípio da fraternidade, garantindo às pessoas – iguais na sua dignidade e nos seus direitos fundamentais – acesso aos «capitais», aos serviços, aos recursos educativos, sanitários e tecnológicos, para que cada uma delas tenha oportunidade de exprimir e realizar o seu projecto de vida e possa desenvolver-se plenamente como pessoa.
Reconhece-se haver necessidade também de políticas que sirvam para atenuar a excessiva desigualdade de rendimento. Não devemos esquecer o ensinamento da Igreja sobre a chamada hipoteca social, segundo a qual, se é lícito – como diz São Tomás de Aquino – e mesmo necessário que «o homem tenha a propriedade dos bens»,[12] quanto ao uso, porém, «não deve considerar as coisas exteriores que legitimamente possui só como próprias, mas também como comuns, no sentido de que possam beneficiar não só a si mas também aos outros».[13]
Por último, há uma forma de promover a fraternidade – e, assim, vencer a pobreza – que deve estar na base de todas as outras. É o desapego vivido por quem escolhe estilos de vida sóbrios e essenciais, por quem, partilhando as suas riquezas, consegue assim experimentar a comunhão fraterna com os outros. Isto é fundamental, para seguir Jesus Cristo e ser verdadeiramente cristão. É o caso não só das pessoas consagradas que professam voto de pobreza, mas também de muitas famílias e tantos cidadãos responsáveis que acreditam firmemente que a relação fraterna com o próximo constitua o bem mais precioso.
A redescoberta da fraternidade na economia
6. As graves crises financeiras e económicas dos nossos dias – que têm a sua origem no progressivo afastamento do homem de Deus e do próximo, com a ambição desmedida de bens materiais, por um lado, e o empobrecimento das relações interpessoais e comunitárias, por outro – impeliram muitas pessoas a buscar o bem-estar, a felicidade e a segurança no consumo e no lucro fora de toda a lógica duma economia saudável. Já, em 1979, o Papa João Paulo II alertava para a existência de «um real e perceptível perigo de que, enquanto progride enormemente o domínio do homem sobre o mundo das coisas, ele perca os fios essenciais deste seu domínio e, de diversas maneiras, submeta a elas a sua humanidade, e ele próprio se torne objecto de multiforme manipulação, se bem que muitas vezes não directamente perceptível; manipulação através de toda a organização da vida comunitária, mediante o sistema de produção e por meio de pressões dos meios de comunicação social».[14]
As sucessivas crises económicas devem levar a repensar adequadamente os modelos de desenvolvimento económico e a mudar os estilos de vida. A crise actual, com pesadas consequências na vida das pessoas, pode ser também uma ocasião propícia para recuperar as virtudes da prudência, temperança, justiça e fortaleza. Elas podem ajudar-nos a superar os momentos difíceis e a redescobrir os laços fraternos que nos unem uns aos outros, com a confiança profunda de que o homem tem necessidade e é capaz de algo mais do que a maximização do próprio lucro individual. As referidas virtudes são necessárias sobretudo para construir e manter uma sociedade à medida da dignidade humana.
A fraternidade extingue a guerra
7. Ao longo do ano que termina, muitos irmãos e irmãs nossos continuaram a viver a experiência dilacerante da guerra, que constitui uma grave e profunda ferida infligida à fraternidade.
Há muitos conflitos que se consumam na indiferença geral. A todos aqueles que vivem em terras onde as armas impõem terror e destruição, asseguro a minha solidariedade pessoal e a de toda a Igreja. Esta última tem por missão levar o amor de Cristo também às vítimas indefesas das guerras esquecidas, através da oração pela paz, do serviço aos feridos, aos famintos, aos refugiados, aos deslocados e a quantos vivem no terror. De igual modo a Igreja levanta a sua voz para fazer chegar aos responsáveis o grito de dor desta humanidade atribulada e fazer cessar, juntamente com as hostilidades, todo o abuso e violação dos direitos fundamentais do homem.[15]
Por este motivo, desejo dirigir um forte apelo a quantos semeiam violência e morte, com as armas: naquele que hoje considerais apenas um inimigo a abater, redescobri o vosso irmão e detende a vossa mão! Renunciai à via das armas e ide ao encontro do outro com o diálogo, o perdão e a reconciliação para reconstruir a justiça, a confiança e esperança ao vosso redor! «Nesta óptica, torna-se claro que, na vida dos povos, os conflitos armados constituem sempre a deliberada negação de qualquer concórdia internacional possível, originando divisões profundas e dilacerantes feridas que necessitam de muitos anos para se curarem. As guerras constituem a rejeição prática de se comprometer para alcançar aquelas grandes metas económicas e sociais que a comunidade internacional estabeleceu».[16]
Mas, enquanto houver em circulação uma quantidade tão grande como a actual de armamentos, poder-se-á sempre encontrar novos pretextos para iniciar as hostilidades. Por isso, faço meu o apelo lançado pelos meus Predecessores a favor da não-proliferação das armas e do desarmamento por parte de todos, a começar pelo desarmamento nuclear e químico.
Não podemos, porém, deixar de constatar que os acordos internacionais e as leis nacionais, embora sendo necessários e altamente desejáveis, por si sós não bastam para preservar a humanidade do risco de conflitos armados. É precisa uma conversão do coração que permita a cada um reconhecer no outro um irmão do qual cuidar e com o qual trabalhar para, juntos, construírem uma vida em plenitude para todos. Este é o espírito que anima muitas das iniciativas da sociedade civil, incluindo as organizações religiosas, a favor da paz. Espero que o compromisso diário de todos continue a dar fruto e que se possa chegar também à efectiva aplicação, no direito internacional, do direito à paz como direito humano fundamental, pressuposto necessário para o exercício de todos os outros direitos.
A corrupção e o crime organizado contrastam a fraternidade
8. O horizonte da fraternidade apela ao crescimento em plenitude de todo o homem e mulher. As justas ambições duma pessoa, sobretudo se jovem, não devem ser frustradas nem lesadas; não se lhe deve roubar a esperança de podê-las realizar. A ambição, porém, não deve ser confundida com prevaricação; pelo contrário, é necessário competir na mútua estima (cf.. Rm 12, 10). Mesmo nas disputas, que constituem um aspecto inevitável da vida, é preciso recordar-se sempre de que somos irmãos; por isso, é necessário educar e educar-se para não considerar o próximo como um inimigo nem um adversário a eliminar.
A fraternidade gera paz social, porque cria um equilíbrio entre liberdade e justiça, entre responsabilidade pessoal e solidariedade, entre bem dos indivíduos e bem comum. Uma comunidade política deve, portanto, agir de forma transparente e responsável para favorecer tudo isto. Os cidadãos devem sentir-se representados pelos poderes públicos, no respeito da sua liberdade. Em vez disso, muitas vezes, entre cidadão e instituições, interpõem-se interesses partidários que deformam essa relação, favorecendo a criação dum clima perene de conflito.
Um autêntico espírito de fraternidade vence o egoísmo individual, que contrasta a possibilidade das pessoas viverem em liberdade e harmonia entre si. Tal egoísmo desenvolve-se, socialmente, quer nas muitas formas de corrupção que hoje se difunde de maneira capilar, quer na formação de organizações criminosas – desde os pequenos grupos até àqueles organizados à escala global – que, minando profundamente a legalidade e a justiça, ferem no coração a dignidade da pessoa. Estas organizações ofendem gravemente a Deus, prejudicam os irmãos e lesam a criação, revestindo-se duma gravidade ainda maior se têm conotações religiosas.
Penso no drama dilacerante da droga com a qual se lucra desafiando leis morais e civis, na devastação dos recursos naturais e na poluição em curso, na tragédia da exploração do trabalho; penso nos tráficos ilícitos de dinheiro como também na especulação financeira que, muitas vezes, assume caracteres predadores e nocivos para inteiros sistemas económicos e sociais, lançando na pobreza milhões de homens e mulheres; penso na prostituição que diariamente ceifa vítimas inocentes, sobretudo entre os mais jovens, roubando-lhes o futuro; penso no abomínio do tráfico de seres humanos, nos crimes e abusos contra menores, na escravidão que ainda espalha o seu horror em muitas partes do mundo, na tragédia frequentemente ignorada dos emigrantes sobre quem se especula indignamente na ilegalidade. A este respeito escreveu João XXIII: «Uma convivência baseada unicamente em relações de força nada tem de humano: nela vêem as pessoas coarctada a própria liberdade, quando, pelo contrário, deveriam ser postas em condição tal que se sentissem estimuladas a procurar o próprio desenvolvimento e aperfeiçoamento».[17] Mas o homem pode converter-se, e não se deve jamais desesperar da possibilidade de mudar de vida. Gostaria que isto fosse uma mensagem de confiança para todos, mesmo para aqueles que cometeram crimes hediondos, porque Deus não quer a morte do pecador, mas que se converta e viva (cf. Ez 18, 23).
No contexto alargado da sociabilidade humana, considerando o delito e a pena, penso também nas condições desumanas de muitos estabelecimentos prisionais, onde frequentemente o preso acaba reduzido a um estado sub-humano, violado na sua dignidade de homem e sufocado também em toda a vontade e expressão de resgate. A Igreja faz muito em todas estas áreas, a maior parte das vezes sem rumor. Exorto e encorajo a fazer ainda mais, na esperança de que tais acções desencadeadas por tantos homens e mulheres corajosos possam cada vez mais ser sustentadas, leal e honestamente, também pelos poderes civis.
A fraternidade ajuda a guardar e cultivar a natureza
9. A família humana recebeu, do Criador, um dom em comum: a natureza. A visão cristã da criação apresenta um juízo positivo sobre a licitude das intervenções na natureza para dela tirar benefício, contanto que se actue responsavelmente, isto é, reconhecendo aquela «gramática» que está inscrita nela e utilizando, com sabedoria, os recursos para proveito de todos, respeitando a beleza, a finalidade e a utilidade dos diferentes seres vivos e a sua função no ecossistema. Em suma, a natureza está à nossa disposição, mas somos chamados a administrá-la responsavelmente. Em vez disso, muitas vezes deixamo-nos guiar pela ganância, pela soberba de dominar, possuir, manipular, desfrutar; não guardamos a natureza, não a respeitamos, nem a consideramos como um dom gratuito de que devemos cuidar e colocar ao serviço dos irmãos, incluindo as gerações futuras.
De modo particular o sector produtivo primário, o sector agrícola, tem a vocação vital de cultivar e guardar os recursos naturais para alimentar a humanidade. A propósito, a persistente vergonha da fome no mundo leva-me a partilhar convosco esta pergunta: De que modo usamos os recursos da terra? As sociedades actuais devem reflectir sobre a hierarquia das prioridades no destino da produção. De facto, é um dever impelente que se utilizem de tal modo os recursos da terra, que todos se vejam livres da fome. As iniciativas e as soluções possíveis são muitas, e não se limitam ao aumento da produção. É mais que sabido que a produção actual é suficiente, e todavia há milhões de pessoas que sofrem e morrem de fome, o que constitui um verdadeiro escândalo. Por isso, é necessário encontrar o modo para que todos possam beneficiar dos frutos da terra, não só para evitar que se alargue o fosso entre aqueles que têm mais e os que devem contentar-se com as migalhas, mas também e sobretudo por uma exigência de justiça e equidade e de respeito por cada ser humano. Neste sentido, gostaria de lembrar a todos o necessário destino universal dos bens, que é um dos princípios fulcrais da doutrina social da Igreja. O respeito deste princípio é a condição essencial para permitir um acesso real e equitativo aos bens essenciais e primários de que todo o homem precisa e tem direito.
Conclusão
10. Há necessidade que a fraternidade seja descoberta, amada, experimentada, anunciada e testemunhada; mas só o amor dado por Deus é que nos permite acolher e viver plenamente a fraternidade.
O necessário realismo da política e da economia não pode reduzir-se a um tecnicismo sem ideal, que ignora a dimensão transcendente do homem. Quando falta esta abertura a Deus, toda a actividade humana se torna mais pobre, e as pessoas são reduzidas a objecto passível de exploração. Somente se a política e a economia aceitarem mover-se no amplo espaço assegurado por esta abertura Àquele que ama todo o homem e mulher, é que conseguirão estruturar-se com base num verdadeiro espírito de caridade fraterna e poderão ser instrumento eficaz de desenvolvimento humano integral e de paz.
Nós, cristãos, acreditamos que, na Igreja, somos membros uns dos outros e todos mutuamente necessários, porque a cada um de nós foi dada uma graça, segundo a medida do dom de Cristo, para utilidade comum (cf. Ef 4, 7.25; 1 Cor 12, 7). Cristo veio ao mundo para nos trazer a graça divina, isto é, a possibilidade de participar na sua vida. Isto implica tecer um relacionamento fraterno, caracterizado pela reciprocidade, o perdão, o dom total de si mesmo, segundo a grandeza e a profundidade do amor de Deus, oferecido à humanidade por Aquele que, crucificado e ressuscitado, atrai todos a Si: «Dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros; que vos ameis uns aos outros assim como Eu vos amei. Por isto é que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros» (Jo 13, 34-35). Esta é a boa nova que requer, de cada um, um passo mais, um exercício perene de empatia, de escuta do sofrimento e da esperança do outro, mesmo do que está mais distante de mim, encaminhando-se pela estrada exigente daquele amor que sabe doar-se e gastar-se gratuitamente pelo bem de cada irmão e irmã.
Cristo abraça todo o ser humano e deseja que ninguém se perca. «Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele» (Jo 3, 17). Fá-lo sem oprimir, sem forçar ninguém a abrir-Lhe as portas do coração e da mente. «O que for maior entre vós seja como o menor, e aquele que mandar, como aquele que serve – diz Jesus Cristo –. Eu estou no meio de vós como aquele que serve» (Lc 22, 26-27). Deste modo, cada actividade deve ser caracterizada por uma atitude de serviço às pessoas, incluindo as mais distantes e desconhecidas. O serviço é a alma da fraternidade que edifica a paz.
Que Maria, a Mãe de Jesus, nos ajude a compreender e a viver todos os dias a fraternidade que jorra do coração do seu Filho, para levar a paz a todo o homem que vive nesta nossa amada terra.
Vaticano, 8 de Dezembro de 2013.
FRANCISCUS

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Céu à vista!



Ao participarem da missa nos domingos e festas de preceito, os católicos são convidados a professar a fé. Normalmente, o fazem recitando um dos dois "símbolos" (coletânea de verdades teológicas) propostos pela Igreja: o "apostólico" e o "niceno-constantinopolitano". O primeiro (simples e breve) reflete o que os cristãos dos "tempos apostólicos" consideravam essencial em sua crença; o segundo (composto durante os Concílios de Niceia, em 325, e de Constantinopla, em 381) é fruto da reflexão teológica elaborada pela Igreja ante as heresias que nela se infiltraram após o Edito de Milão, em 313. Em ambos, o fiel católico declara que crê "na ressurreição dos mortos e na vida eterna".

Outro "símbolo" mais recente é o "Credo do Povo de Deus", rezado pelo Papa Paulo VI a 30 de junho de 1968, no encerramento do "Ano da Fé", instituído para celebrar o 19º centenário do martírio dos apóstolos Pedro e Paulo. Sobre o destino que aguarda os que transformam a fé em vida, ele proclama: "Cremos que as almas de todos aqueles que morrem na graça de Cristo - quer as que se devem ainda purificar no fogo do Purgatório, quer as que são recebidas por Jesus no Paraíso, logo que se separam do corpo, como sucedeu com o Bom Ladrão -, formam o Povo de Deus para além da morte, a qual será definitivamente vencida no dia da Ressurreição, em que estas almas se reunirão a seus corpos".

Acreditar na existência de um Criador, que deu o chute inicial através do big bang, mas se mantém alheio aos "tsunami" que devastam a natureza e a humanidade, pode até ser fácil. Acolher, porém, tudo o que os "símbolos da fé" propõem, somente o conseguem os cristãos em constante processo de conversão. Não é por nada que uma pesquisa efetuada entre os católicos norte-americanos constatou que 70% deles alimentam dúvidas sobre a vida eterna (e a presença de Jesus na Eucaristia).

Para a Bíblia, a fé na ressurreição dos mortos é um dado que aparece já no Primeiro Testamento. Trago apenas duas citações. A primeira é do Livro de Jó: «Sei que o meu Redentor está vivo e que, no fim, se levantará sobre o pó. E depois que tiverem arrancado esta minha pele, verei a Deus em minha própria carne. Eu mesmo o verei e meus olhos o contemplarão» (19,25-27). A segunda é do Livro dos Macabeus: "Prefiro ser morto pelos homens a perder a esperança em Deus, o qual, um dia, me ressuscitará" (7,14).

Quanto ao Novo Testamento, a vida eterna ocupa grande parte da pregação de Jesus. Também desta vez, cito somente dois textos. Aos discípulos que se entristecem ante a sua partida iminente, ele promete: "Há muitas moradas na casa do meu Pai. Vou preparar um lugar para vocês. Em seguida, voltarei e os levarei comigo, para que, onde eu estiver, estejam também vocês" (Jo 14, 2-3). Numa discussão com os saduceus, que negavam a vida eterna e a ressurreição dos mortos, Jesus afirma que Deus não se compraz em reinar num cemitério de cadáveres: "Que os mortos ressuscitam, até Moisés o indicou na passagem da sarça, quando chama o Senhor de 'o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó'. Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos" (Lc 20,38).

Sigmund Freud (1856/1939), o criador da psicanálise, escreveu pesaroso: "Seria realmente maravilhoso que Deus existisse, governasse o universo como providência benigna, garantisse a ordem moral universal e, no final, nos brindasse com uma vida ultraterrena. Mas tudo isso nada mais é do que a projeção dos desejos e das frustrações do coração humano!".

Graças a Deus, a verdade é diferente. No dia 12 de outubro de 1492, os tripulantes que viajavam com Cristóvão Colombo, cansados e desanimados, ouviram o vigia Rodrigo bradar a plenos pulmões: "Terra à vista!" - grito que mudou não apenas o seu humor, mas a própria história da humanidade. Da mesma forma, a certeza do "Céu à vista!" faz de cada cristão um protagonista dos "novos céus e da nova terra, onde habitará a justiça" (2Pd 3,13). Olhando para o céu, ele aprende a construir a história humana!

Dom Redovino Rizzardo

A bênção





"Sua bênção, padre"! Pedir a bênção e abençoar! Palavras santas que estabelecem relação de intimidade, na qual Deus é bem vindo, aproximando pessoas que muitas vezes beijam as mãos uns aos outros, como em várias regiões de nosso país, inclusive em nossa Amazônia querida. A resposta não é menos importante, pois traz consigo o augúrio que professa vir de Deus a bênção pedida: "Deus te abençoe". Quantas vezes na vida Deus usou nossas palavras e nossos gestos para espalhar a bênção. Se forem infelizmente frequentes as maldições, com as quais se fala e proclama o mal, maiores e mais verdadeiras são as proclamações de bênçãos em abundância. É um presente de Deus a ser oferecido aos outros a invocação de sua bondade, com a qual quer chegar a todos, sem exceção. Ao iniciar um novo ano, invocamos, pois, as bênçãos de Deus uns sobre os outros, suplicando que sua graça acompanhe todos os nossos passos.

"O Senhor falou a Moisés: 'Dize a Aarão e a seus filhos: Com estas palavras devereis abençoar os israelitas: 'O Senhor te abençoe e te guarde. O Senhor faça brilhar sobre ti sua face, e se compadeça de ti. O Senhor volte para ti o seu rosto e te dê a paz'. Assim invocarão o meu nome sobre os israelitas, e eu os abençoarei'" (Nm 6,22-17). Assim começa a Igreja o novo ano, recebido como dom de Deus a ser multiplicado em frutos de verdade, justiça e santidade, responsabilidade entregue em nossas mãos pelo Senhor.

Abençoar, benzer, bendizer, falar bem! Deus sempre fala bem da humanidade e de toda a sua criação. Nada foi feito por Ele para a perdição, mas sua intenção de amor acompanha tudo! Acolher sua bênção é receber o bem como proposta de vida. Deixar-se abençoar é a primeira atitude, com a qual queremos povoar os minutos, dias, semanas e meses do Ano Novo.

Guardar é olhar com carinho. Parece-me ver o Pai do Céu acompanhando os filhos amados que criou. O Pai, que trabalha sempre (cf. Jo 5,18), velará com amor semelhante ao amor de mãe. "Qual mãe que acaricia os filhos assim vou dar-vos meu carinho, em Jerusalém é que sereis acariciados. Ao ver, vosso coração se alegrará, vossos corpos como planta rejuvenescerão" (Is 66,13-14). E ainda que alguém se sentisse esquecido, por Deus é guardado, pois "acaso uma mulher esquece o seu neném, ou o amor ao filho de suas entranhas? Mesmo que alguma se esqueça, eu de ti jamais me esquecerei! Vê que escrevi teu nome na palma de minha mão, tenho sempre tuas muralhas diante dos olhos" (Is 49, 15-16). Ter sido criados por Deus no amor é suficiente para todos os dias do ano. Não precisamos de advinhos, pois Deus já se lembra de nós e nos traz na palma da mão!

O Senhor te mostre a sua face! O Senhor volva seu rosto para ti! Duas promessas ou propostas que iluminam nosso rosto, para que resplandeça a luz de Deus em nossos atos. Como ninguém viu a Deus, Ele mesmo se mostrou, veio até nós, assumiu uma carne como a nossa no seio da Virgem Maria, sentiu nossas dores, entende nossas lutas, tem coração humano como o nosso, fala nossa língua! O cântico dos salmos põe em nossa boca o pedido para o ano novo: "Ouve, Senhor, a minha voz. Eu clamo, tem piedade de mim! Responde-me! Meu coração se lembra de ti: 'Buscai minha face'". Tua face, Senhor, eu busco. Não me escondas teu rosto, não rejeites com ira o teu servo. És meu auxílio, não me deixes, não me abandones, Deus meu salvador (Sl 26, 7-9). Abrir os olhos e deixar que Ele nos mostre seu rosto. Basta olhar ao redor, pois se mostra no mais íntimo de cada coração, no próximo que se achega a nós, na Palavra de Deus, entre as pessoas que se reúnem em seu nome, na voz da Igreja. Comecemos o novo ano de olhos abertos! Ele quer se mostrar!

O Senhor te conceda a sua graça! Não se trata de mendigar presentes, pois tudo está à nossa disposição. Basta estar abertos à sua graça. E graça é presença de Deus! Graça santificante, a ser buscada quando se recebe o perdão sacramental de que tanto necessitamos, e a Igreja tem um Sacramento precioso, chamado Penitência ou Reconciliação, à disposição de todas as pessoas que desejarem viver na graça e na santidade. Graça atual, nas luzes que o Senhor nos oferece para viver cada momento presente! Graça de estado, com a qual o Senhor nos acompanha no estado de vida ao qual fomos chamados e que escolhemos, assim como em nossa profissão ou no serviço de Igreja ao qual nos dedicamos!

O Senhor te dê a Paz! No primeiro dia do ano de 2014, a Igreja proclama, através da mensagem abalizada do Papa Francisco, que "no coração de cada homem e mulher, habita o anseio duma vida plena que contém uma aspiração irreprimível de fraternidade, impelindo à comunhão com os outros, em quem não encontramos inimigos ou concorrentes, mas irmãos que devemos acolher e abraçar". Para o Dia Mundial da Paz, queremos afirmar e forte convicção cristã de que a fraternidade é o fundamento e o caminho para a Paz. A Paz que é dom de Deus virá ao mundo quando se der glória a Ele e acreditarmos na fraternidade, como caminho seguro para as relações entre as pessoas. Trata-se de uma bela proposta a busca de irmãos e irmãs. Cada pessoa que encontrarmos durante o ano novo seja vista, não como possível inimiga ou adversária, mas irmã. Mesmo antes de ser conhecida, a graça de Deus nos faz enxergá-la como próxima. Sua vinda ao nosso espaço vital é dom de Deus. Esta pessoa concreta e todas as pessoas serão buscadas, fazendo-nos, de coração e com gestos concretos, irmãos de todos.

Para alcançarmos tantos e tão preciosos dons, haja a certeza de que Deus é maior do que todos os desafios e problemas que se apresentarem no tempo novo que nos é dado. O ano novo é feliz nos desígnios de Deus. Basta tomar posse de sua bênção e viver com fidelidade sob a sombra de sua graça! Fácil ou difícil? Provocante!

Dom Alberto Taveira Corrêa