sábado, 23 de agosto de 2014

Laicismo e clericalismo: os dois desafios ao leigo católico na vida política.

Cabem ao leigo, portanto, os assuntos temporais, opináveis, aqueles nos quais é permitida uma pluralidade de opções, de técnicas, de respostas políticas igualmente lícitas
Por Paulo Vasconcelos Jacobina

BRASíLIA, 22 de Agosto de 2014 (Zenit.org) -
 Não é justo que um leigo, ou um grupo de leigos, resolva dissentir publicamente do Sagrado Magistério naquilo que este, por graça própria, tem por missão específica. Igualmente não é justo que algum leigo seja levado a crer que, para ser um bom católico, tenha que se submeter aos gostos desta ou daquela parte do clero em matéria secular.
A recente história da Igreja tem sido bela para aqueles fiéis que sempre foram chamados de leigos; alçados a um grau de responsabilidade muito alto pelo recente Concílio Vaticano II, que na Constituição Dogmática Lumen Gentium define, pela primeira vez, o leigo a partir de um conceito afirmativo. De fato, se ele era anteriormente definido por exclusão, como “aquele fiel que não recebeu nem o sacramento da Ordem, nem fez profissão de vida religiosa”, agora ele é definido positivamente, na LG 31, como aquele a quem “por vocação própria, compete procurar o Reino de Deus tratando das realidades temporais e ordenando-as segundo Deus. Vivem no mundo, isto é, em toda e qualquer ocupação e atividade terrena, e nas condições ordinárias da vida familiar e social, com as quais é como que tecida a sua existência. São chamados por Deus para que, aí, exercendo o seu próprio ofício, guiados pelo espírito evangélico, concorram para a santificação do mundo a partir de dentro, como o fermento, e deste modo manifestem Cristo aos outros, antes de mais pelo testemunho da própria vida, pela irradiação da sua fé, esperança e caridade. Portanto, a eles compete especialmente, iluminar e ordenar de tal modo as realidades temporais, a que estão estreitamente ligados, que elas sejam sempre feitas segundo Cristo e progridam e glorifiquem o Criador e Redentor.”
Cabem ao leigo, portanto, os assuntos temporais, opináveis, aqueles nos quais é permitida uma pluralidade de opções, de técnicas, de respostas políticas igualmente lícitas: ou seja, aquilo que se rege pela conveniência, pela oportunidade, pela discricionariedade, pela negociação e acomodação, dentre as várias realidades culturais, históricas e ideológicas que se apresentam na lícita ordenação daquilo que é material, secular, temporal, contingente. Aqui se manifesta a catolicidade da fé, porque no berço maternal da Igreja cabem cristãos leigos das mais diversas matizes políticas, culturais, étnicas e ideológicas, todos igualmente abertos aos ensinamentos da Igreja naquelas matérias que se ordenam com a vida eterna ou a ela se encaminham: os meandros da fé e as definições magisteriais de cunho moral, o que envolve a lei eterna, a lei revelada, a lei natural e a doutrina social que delas decorre. Firmes nestes princípios inegociáveis, os leigos católicos respondem com entusiasmo ao convite eclesial de se envolver cada vez mais profundamente na vida política, pública, social e cultural, para santificar o mundo.
Discernir e ensinar estes assuntos, aqueles nos quais não há espaço para escolhas, pertence propriamente à hierarquia, ao clero, de quem todos os leigos das diversas matizes esperam uma palavra de orientação, de rumo, de abertura e de verdadeira guia. Assuntos como a defesa da vida, da família, da liberdade religiosa e da defesa do bem comum são matéria vinculante para o leigo. E é aqui que os leigos cristãos deparam-se com um grande desafio na vida social, cultural e política: podem encontrar-se perante uma cultura ateia ou agnóstica, ou mesmo violentamente laicista, em que os outros cidadãos não entendem a natureza dessa relação entre o leigo católico e o clero, e o acusam, quando recusa-se a desobedecer ao santo Magistério nestes assuntos, de violar a separação entre a Igreja e o Estado laico, e de não ser mais voz legítima para o debate democrático estatal. É um preço bem alto para alguns, a quem só resta o recurso à escusa de consciência, com seus consectários e inevitáveis prejuízos sociais, econômicos e financeiros pessoais.
Há, no entanto, um problema que ocorre no sentido justamente inverso: é quando os outros membros da Igreja, aqueles que recebem a Sagrada Ordem ou professam votos, sofrem a tentação de invadir a esfera laical e passam a agir politicamente, partidariamente; foi exatamente contra esta tentação que o Papa Francisco alertou na sua primeira homilia como Papa, em 14.03.2013, na Capela Sistina. Ele disse que a Igreja Católica deve se concentrar no Evangelho de Jesus Cristo, caso contrário, corre o risco de se transformar em uma "ONG piedosa". "Se não professamos Jesus Cristo, nos converteremos em uma ONG piedosa, não em uma esposa do Senhor". É claro que em tempos excepcionais, como grandes crises institucionais ou grandes catástrofes naturais, estes limites tornam-se menos claros, mas quando o clero quer impor ao leigo, em nome da obediência religiosa, decisões unilaterais em matérias opináveis, que versam sobre assuntos temporais, seculares, estritamente políticos ou político-partidários, ou vale-se da estrutura eclesial para impor socialmente suas próprias escolhas ideológicas particulares, ainda que a pretexto de “justiça social” ou de “opção pelos pobres”, desobedece à orientação papal citada e, pior que isso, desconfia da própria graça que Deus não pode deixar faltar àqueles que foram legitimamente chamados para isto, os leigos.
Não é justo que um leigo, ou um grupo de leigos, resolva dissentir publicamente do Sagrado Magistério naquilo que este, por graça própria, tem por missão específica. Igualmente não é justo que algum leigo seja levado a crer que, para ser um bom católico, tenha que se submeter aos gostos desta ou daquela parte do clero em matéria secular. Este é o desvio que a história chama de “clericalismo”: a tendência lamentável de imaginar que os clérigos seriam mais competentes que os leigos católicos no exercício direto do governo daquele campo que, segundo o próprio Magistério, vocacionalmente cabe aos leigos de maneira ordinária.
Por isto, dói no coração dos leigos profundamente comprometidos com Jesus ver, em determinados âmbitos de luta partidária, símbolos eclesiais ao lado de logotipos de ONGs e organizações que, ordinariamente, são exatamente os adversários que os leigos católicos muitas vezes enfrentam para viver com lealdade o seu cristianismo no mundo e santificá-lo a partir de dentro. Lembremos o Papa Francisco: a Igreja não é uma ONG. Exatamente porque é dever do clero corrigir o leigo, na lógica da estrutura eclesial, é muito difícil para o leigo corrigir o clero, quando ultrapassa a fronteira que o próprio clero ensinou existir. É preciso, portanto, que os órgãos hierárquicos e clericais confiem nos leigos católicos, mesmo quando as suas escolhas temporais contrariem as ideologias deste ou daquele ordenado; uma mãe deve demonstrar amor e paciência por todos os filhos, mesmo se muitas vezes, pelas melhores intenções, tem vontade de substituí-lo e caminhar no lugar dele.
E mesmo quando este filho já está com o coração tantas vezes malferido por não pertencer a nenhum dos grupos por quem tantas vezes os documentos eclesiais declaram uma “opção preferencial”, merece ser respeitado no seu direito de reger livremente o que é secular, no âmbito do opinável. Entre o laicismo e o clericalismo, muitas vezes dói mais no coração do leigo cristão sofrer o clericalismo, que o vê como um menor de idade. Mas como diz a bela canção sertaneja de Sérgio Reis, não raro é aquele filho adotivo, sofrido e esquecido, que, embora tendo menos espaço no coração materno, não raro permanece mais leal nos momentos mais difíceis.

A família prolonga a vida


Por Antonio Gaspari

ROMA, 22 de Agosto de 2014 (Zenit.org)
Em tempos onde os divórcios crescem, aumentam os ataques contra a família e a pressão para modificar o casamento entre homem e mulher, aquece o coração descobrir que a lista do Guinness Book of Records apresenta um casal que viveu 87 anos de matrimônio.
Trata-se de Zelmyra e Herbert Fisher, da Carolina do Norte (EUA).. Eles se casaram em 1924, Herbert nasceu em 1905 e Zelmyra em 1907. Eles voltaram para a casa do Senhor, com a idade de 105 anos, ele, em 2010, ela em 2013.
Em 87 anos de casamento a família cresceu: 5 filhos, 10 netos, nove bisnetos e uma bisneta. Sobre a história, vale a pena repetir a publicação do site em espanhol Religion en Libertad, que escreveu: "Certa ideologia predominante no mundo moderno gostaria de demonstrar que ficar juntos em um casamento por tantos anos é chato e uma verdadeira bobeira. No entanto, se perguntarmos a quem está experimentando verifica-se que o casamento entre duas pessoas, apesar das dificuldades, é objeto de consolação, alegria, amor. E sofre muito mais aquele que por algum motivo ou desgraça perde a família”.
No curso de suas vidas, Herbert e Zelmyra passaram por crises dramáticas, uma guerra mundial, muitas guerras travadas por seu país. Eles tiveram que lidar com os problemas, dificuldades e sofrimentos diários, mas juntos para sempre, encontrando na união e na fé cristã a força para enfrentar tudo da melhor maneira.
O casal descreveu sua experiência em uma entrevista difundida “nas redes”. Quando perguntaram qual era o motivo que convenceu Herbert a gastar sua vida junto a Zelmyra, ele disse: "O que me assegura é que cada dia que passo com Zelmyra, nossa relação fica mais sólida e segura. O divórcio - acrescentou - nunca foi uma opção, e nem mesmo um possível pensamento".
"Como você descobriu que Zelmyra era a esposa ideal para você?".  Ele responde: "Nós crescemos juntos, éramos grandes amigos antes de nos casarmos. A amizade é para a vida toda. Nosso matrimônio durou a vida toda".
E nesta vida não há arrependimento. Na verdade, quando o repórter perguntou a Herbert se havia algo que ele queria que tivesse sido diferente nesses 87 anos de matrimônio, ele nem pensou um pouco: "Eu não mudaria nada do que aconteceu. Não tem um segredo especial que explica o nosso casamento. Nós fizemos o que era necessário, um pelo outro e pelas necessidades da nossa família".
"O casamento - acrescentou - me ensinou o respeito, o apoio e a boa comunicação com o outro. E me encorajou a ser confiante, honesto e verdadeiro. A regra é amar um ao outro e mantê-lo no coração”.
Doce, apaixonada, mas ao mesmo tempo segura e decidida, também Zelmyra quando quetsionada sobre as qualidades mais importantes de seu marido, ela responde prontamente: "É um grande trabalhador e um bom homem. Nos anos 20, a situação era muito difícil, mas Herbert trabalhou para garantir que tivéssemos o melhor. Casei-me com um grande homem".
Ela também conta sobre o "melhor Dia dos Namorados": eu cozinhava todos os dias, mas um dia Herbert pediu uma folga no trabalho e me surpreendeu, ele cozinhou para mim. Eu descobri que ele é um cozinheiro muito bom". "Eu disse a ele que eu poderia cozinhar, mas eu vi que ele estava feliz. Vê-lo feliz me encheu de alegria”.
Uma vida repleta de pequenas e simples alegrias, mas também de preocupações e sacrifícios. Como quando - lembra Herbert - "Eu tive que ficar dois meses longe dela. Ela estava no hospital por complicações em relação ao nosso quinto filho.  Foi o momento mais difícil da minha vida. A mãe de Zelmyra me ajudou a cuidar da casa e dos outros quatro filhos, caso contrário, eu teria entrado em pânico".
"O que além do amor humano ajuda a enfrentar as dificuldades?" - foi a última pergunta para o casal - . "O casamento não é um jogo para obter uma pontuação", respondem em uníssono. "Deus coloca duas pessoas juntas para superarem as dificuldades. Nós dois somos cristãos e acreditamos em Deus. Casamento é um compromisso conjunto diante de Deus. Nós rezamos, e rezamos juntos e um pelo outro, todos os dias".

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

São Pio X

        "É inútil esperar que quem não tem formação possa cumprir os seus deveres de cristão".
Por Fabiano Farias de Medeiros

HORIZONTE, 21 de Agosto de 2014 (Zenit.org) -
 "Renovar todas as coisas em Cristo" era o lema do Papa Pio X, que nasceu no dia 02 de junho de 1835 na aldeia de Riese, localizada na província de Treviso ao Norte da Itália. Batizado com o nome Giuseppe Melchiorre Sarto era o segundo dos dez filhos de Giambattista Sarto e Margarida Sanson. Levavam uma vida simples no meio rural, mas Giuseppe, sempre dedicado aos estudos, desde cedo aspirava ao sacerdócio.
Com o falecimento de seu pai, sob a orientação da mãe, continuou seu percurso rumo ao sacerdócio, sendo ordenado em 18 de setembro de 1858 aos 23 anos. Sua trajetória deu-se rapidamente, vindo a ser Capelão, Reitor do Seminário de Treviso, Chanceler e Vigário e no ano de 1884 foi sagrado Bispo de Mântua e em 1896 Patriarca de Veneza. E, assim, no 04 de agosto de 1903 foi eleito Papa sucedendo ao Papa Leão XIII.
Seu pontificado durou 11 anos. Foram tempos de grande força e fecundidade para a Igreja que atravessava uma época de grandes desafios impostos pelo laicismo e modernismo. Foram escritos mais de 3.000 documentos oficiais e 16 encíclicas no intuito de reformar a Cúria Romana em sua disciplina e espiritualidade, restabelecer a música sacra, administração e zelo com a primeira comunhão e comunhão diária e formação integral do povo de Deus, ao qual, com veemência, se referia: “É inútil esperar que quem não tem formação possa cumprir os seus deveres de cristão”.  Extremamente dedicado à catequese e firme na doutrina, não discorria de sublime mansidão, tanto que seu secretário, o Cardeal Merry del Val, descrevia:”...de modo feliz combinada com a ternura de seu coração paternal, possuía uma indomável energia de caráter...”
Pio X possuía o dom de cura e era conhecido pelos milagres que realizava na simplicidade e caridade própria dos santos. Fundou no Brasil a Diocese de Taubaté e a Arquidiocese de Aracaju. Em virtude da Primeira Guerra Mundial que assolava a comunidade mundial, seu estado de saúde agravou-se e veio a falecer no dia 20 de agosto de 2014. Foi beatificado em 1951 e canonizado no dia 03 de Setembro de 1954 pelo Papa Pio XII

O pontificado do Papa Francisco tem se caracterizado pela clareza de rumos


Por Dom Alberto Taveira Corrêa

BELéM DO PARá, 21 de Agosto de 2014 (Zenit.org) -
A imagem da construção ocorre muitas vezes na Sagrada Escritura, apontando, ora para a dignidade dos edifícios, ora para o material utilizado ou as pessoas envolvidas nas edificações. São comparações nas quais podem ser como que dependuradas as várias atitudes diante do mistério de Deus e a aventura da fé, a que todos são chamados. O Apóstolo São Pedro absorveu de forma interessante esta imagem: “Como pedras vivas, formai um edifício espiritual, um sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus, por Jesus Cristo.. Com efeito, nas Escrituras se lê: ‘Eis que ponho em Sião uma pedra angular, escolhida, honrosa; quem nela confiar, não será confundido’. De vós, que credes, ela é a honra! Mas para os que não creem, ‘a pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular’ e ‘pedra de tropeço, pedra que faz cair’: nela tropeçam os que não acolhem a Palavra; esse é o destino deles. Mas vós sois a gente escolhida, o sacerdócio régio, a nação santa, o povo que ele adquiriu, a fim de que proclameis os grandes feitos daquele que vos chamou das trevas para a sua luz maravilhosa. Vós sois aqueles que antes não eram povo, agora, porém, são povo de Deus; os que não eram objeto de misericórdia, agora, porém, alcançaram misericórdia” (1 Pd 2, 5-10; Cf. Sl 117, 22; Cf. Is 28,16).
Ele mesmo teve que se confrontar com aquela pedra angular da construção, sem a qual tudo vem abaixo. E Jesus Cristo, que é a porta necessária (Cf. Jo 10, 7-9), veio ao seu encontro, talhando pouco a pouco aquele que veio a ser também chamado com o nome Pedro, que vem de Pedra. Na região de Cesareia de Filipe, como nos narra o Evangelista São Mateus (Cf. Mt 6, 13-20), aconteceu um diálogo fundamental na compreensão da vocação de Pedro.. Até aquela altura da narrativa evangélica, eram muitas as multidões que se acercavam de Jesus. Delas emerge, pouco a pouco, o grupo dos discípulos e entre eles os doze, que foram depois chamados apóstolos. É um processo de formação, com o qual o Senhor prepara aqueles que deveriam continuar o anúncio do Reino de Deus e a constituição da Igreja. Chega um momento decisivo, os discípulos próximos de Jesus, uma pergunta sobre a opinião corrente a seu respeito, seguida da mais importante questão para qualquer discípulo de todos os tempos: “E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mt 16, 15). É a virada radical para aqueles homens simples! O dono da resposta e da responsabilidade se chama Simão: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16, 16)..
Simão era pescador, homem de um temperamento rico de defeitos e qualidades, generosidade e insegurança. Tudo o que era humano nele estava presente. Veio do mundo do trabalho, tinha família e sogra, barco e rede. Certamente não lhe faltava nada no horizonte que se abria em torno do Lago de Nazaré, Mar da Galileia. Foi cultivado pelo Senhor Jesus com a paciência que só Deus tem, e Ele é Deus! Agora, aquele que humanamente talvez não fosse o melhor de todos, dá a resposta da fé, conduzido interiormente pelo Pai que está no Céu. E o Senhor muda seu nome. Simão se torna Pedro, o pescador de Peixes se transforma em Pescador de Homens (Cf. Lc 5, 1-11). Sobre a sua profissão de fé há de se edificar a Igreja. Ao Pescador são entregues as chaves do Reino dos Céus, donde a devoção cultivada àquele sempre é visto de plantão à porta do Céu! Até atribuem a ele o controle do clima!
São atribuições desproporcionais à pequenez do homem simples da Galileia: “Tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16, 19). O Céu se compromete com a Terra, para agradável surpresa da humanidade ansiosa pela eternidade! O nó que ata os homens e mulheres aos seus próprios defeitos e pecados pode ser desfeito pelo ministério do perdão e da misericórdia, à disposição de quem se abre à graça! Generosidade eterna que se põe à disposição no dia a dia dos cristãos.
Após a confissão de fé proferida por Pedro, em nome de todo o grupo de discípulos, o processo formativo continua. Simão Pedro deverá entender, a duras penas, a realidade da Cruz, cujo anúncio escandaliza! “Jesus começou a mostrar aos discípulos que era necessário ele ir a Jerusalém, sofrer muito da parte dos anciãos, sumos sacerdotes e escribas, ser morto e, no terceiro dia, ressuscitar. Então Pedro o chamou de lado e começou a censurá-lo: ‘Deus não permita tal coisa, Senhor! Que isto nunca te aconteça!’ Jesus, porém, voltou-se para Pedro e disse: ‘Vai para trás de mim, satanás! Tu estás sendo para mim uma pedra de tropeço, pois não tens em mente as coisas de Deus, e sim, as dos homens!’” (Mt 16, 21-23), precisou ouvir do Senhor palavras exigentes, marcadas com o timbre da verdade, que o conduziu ao cumprimento da exigente missão de ser “Pedra”: ‘“Simão, Simão! Satanás pediu permissão para peneirar-vos, como se faz com o trigo. Eu, porém, orei por ti, para que tua fé não desfaleça. E tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos’. Simão disse: ‘Senhor, eu estou pronto para ir contigo até mesmo à prisão e à morte!’ Jesus, porém, respondeu: ‘Pedro, eu te digo que hoje, antes que o galo cante, três vezes negarás que me conheces’” (Lc 22, 31-34).
Passados os anos, veio efetivamente a confirmar os irmãos com o derramamento de seu sangue, na cidade de Roma. Seu ministério permanece nos sucessores que vieram. O ofício pastoral de Pedro se realiza no Papa, Bispo de Roma, princípio e fundamento da unidade da Igreja (Cf. Catecismo da Igreja Católica, 880-882). Por um costume secular, que liga nome e missão, hoje o sucessor de Pedro se chama Francisco.. Jorge Maria Bergoglio se fez chamar “Francisco”. No nome escolhido para não se esquecer dos pobres, encontrou o eixo de seu ministério. Realiza-se nele o que um apóstolo, antes chamado Saulo e que veio a ser Paulo, afirmou de forma tão bonita: “O que nos recomendaram foi somente que nos lembrássemos dos pobres. E isso procurei fazer sempre, com toda a solicitude” (Gl 2, 10).
O pontificado do Papa Francisco, homem chamado a ser “ponte” para unir as pessoas, tem se caracterizado pela clareza de rumos, tão necessária ao nosso tempo. Gestos surpreendentes, atenção aos mais sofredores, palavras fortes e cheias de ternura, com as quais a Igreja é impulsionada a sair de si mesma, com um olhar missionário e evangelizador, aliado a uma notável firmeza doutrinal. Não há situações humanas em qualquer parte do mundo que fiquem sem um sinal de presença da Igreja, a partir de iniciativa sua. A cada momento as pessoas se encantam com suas atitudes. Sabe ser profundamente humano, diz claramente ser homem limitado como todos os outros, pergunta, escuta com atenção, quer ajudar, olha nos olhos das pessoas, é gente! Nos últimos dias, sua terceira grande viagem missionária internacional, desta feita à Coréia do Sul, foi mais um testemunho eloquente, para que todos os cristãos, junto com o Papa, assumam a magnífica tarefa do Pedro Pescador de homens..     

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Quem é quem?





Dom José Alberto Moura
Arcebispo de Montes Claros (MG)

Jesus pergunta aos discípulos sobre o que pensam a respeito de sua identidade. Pedro manifesta sua profissão de fé no Mestre como sendo o Messias (Cf. Mateus 16, 13-17). Em contrapartida Jesus coloca a identidade de Simão como pedra de sua Igreja: “Por isso eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja e o poder do inferno nunca poderá vencê-la” (Mateus 16,18).
O ser humano só encontra razão de ser na vida quando conhece a identidade de Deus, numa relação de confiança nele, a ponto de realizar a missão por Ele recebida.  Usa, então, a vida para cuidar do convívio com o semelhante e com a natureza de modo amoroso e construtivo. De fato, Deus nos criou à sua imagem e semelhança. Como Ele mostra sua identidade no ato de amar as criaturas, cuidando de tudo para o bem de cada ser, também nos dá a incumbência de cuidar de tudo o que está sob nossa responsabilidade da melhor maneira, afinada com os critérios dele.
Jesus veio nos indicar a maneira de realizar o projeto do Pai. Uma nova ordem pessoal e social deve acontecer. Somente o ser humano é feliz quando dá de si pelo bem do semelhante, mesmo tendo que se sacrificar pela promoção da justiça e do bem comum. Até o uso dos bens materiais, da cultura, do desenvolvimento da ciência, da técnica e da economia devem ser colocados a serviço da dignidade humana. Tudo é de Deus. O ser humano é apenas administrador provisório. Paulo lembra que o proprietário é Deus: “Tudo é dele, por ele e para ele. A ele é a glória para sempre” (Romanos 11,36).
Deus quer o bem de toda criatura. Colocou-nos na terra porque nos ama e quer nosso bem. Mas nos dá a alegria de termos a honra e a felicidade de colocar nossa parte de esforço e boa vontade para nos recompensar de toda a responsabilidade em administrar bem as possibilidades da vida presente. Esta é boa quando a fazemos beneficiadora a todos. Nosso empenho para isso depende de colocarmos nossos talentos e oportunidades para construirmos uma sociedade fraterna  e promotora da vida digna para todos. Nessa direção somos responsáveis por construirmos famílias dóceis ao projeto do Criador, bem como política de real serviço à causa comum. Nossa inteligência usada bem nos facilita escolhermos pessoas de bem para o exercício das diversas lideranças na sociedade, seja na política, seja na religião e em todo tipo de organização humana. Quando se tratam de eleições a cargos de serviço à coletividade, a consciência bem formada nos deve levar a superar interesses mesquinhos de grupos e corporações. Assim  escolhemos pessoas de bom caráter e com capacidade para o bom exercício dos cargos eletivos.
Quando identificamos bem as pessoas aptas para os serviços à comunidade, damos todo nosso apoio e acompanhamos suas ações para que realmente sejam identificadas com o bem da coletividade. Com a força da profissão de nossa fé, como fez Pedro, somos capazes de assumir nossa missão, conhecida e acionada por Deus, para realizarmos seu projeto de benefício a nós e a todos de nosso convívio. Nossa vocação de resposta a Deus tem a ver diretamente com a identidade da tarefa que Ele nos dá na vida.
 

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Hierarquia da Igreja e política


Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)
A Congregação para a Doutrina da Fé, tendo ouvido também o parecer do Pontifício Conselho para Leigos, publicou, em 24 de novembro de 2002, Festa de Cristo Rei, a nota doutrinal sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política. O Documento, endereçado aos Bispos e ao povo de Deus em geral, especialmente aos fiéis leigos que se sentem chamados a tomar parte mais diretamente na vida política de seu país, há de ser referência à participação de todo fiel batizado na disputa por cargos eletivos, seja em nível municipal, estadual ou federal.
Hoje, no entanto, queremos rememorar, ainda que de modo bastante genérico, a partir dos princípios da Doutrina (ou Ensino) Social da Igreja e do próprio Código de Direito Canônico, especialmente à luz do cânon 285, a forma de participação da hierarquia da Igreja (diáconos destinados ao presbiterado, sacerdotes e bispos) na política.
Pois bem, enquanto se brada aos quatro ventos a tese relativista desejosa de liquidar a presença do Cristianismo na vida social, deixando aos semeadores do ateísmo e da “cultura da morte” o caminho livre sob o pretexto de que o Estado é Laico e não deve tolerar a presença das pessoas de fé em suas decisões, temos outra postura. A de praticar a política do bem comum. Afinal, um Estado que negue aos que têm fé o direito de participar de suas decisões já não é mais laico, mas, sim, laicista, ou seja, ateu e, por isso, perseguidor da imensa maioria dos homens e mulheres que creem, e, contraditoriamente, favorecedor de uma ditadura minoritária desejosa de impor a todos sua agenda “religiosa ateia” da anti-vida e anti-família.
Portanto, a Igreja não deve se calar nem ser calada, mas se colocar em diálogo com a sociedade na qual está inserida. A hierarquia da Igreja, ou os clérigos (diáconos, sacerdotes e bispos), não deve se envolver em política partidária (das partes) que divide opiniões e a comunidade.
Aos clérigos cabe, pois, a missão de orientar o povo sobre princípios, chamar a atenção das ciladas malignas e ajudar a refletir sobre o atual momento da sociedade. E, ao mesmo tempo, rezar com o povo e pelo povo de Deus, administrar os sacramentos, ouvir, conversar, orientar, sempre visando à salvação eterna de todos os que são a eles confiados em suas paróquias ou dioceses.
Aos leigos compete fazer política no sentido partidário da palavra. Cabe aos fiéis leigos o direito de, à luz do Evangelho, transformar a realidade sociocultural desse mundo, visando o benefício de todos. Bem formados como Igreja, os fiéis leigos darão testemunho de Nosso Senhor Jesus Cristo ao mundo por meio de suas ações políticas, com plena responsabilidade e liberdade, ou seja, atuando como adultos na fé com a responsabilidade de pessoas esclarecidas e preocupadas com o bem comum.  
No entanto, também a hierarquia da Igreja tem o dever de se pronunciar sempre que estiverem em jogo pontos de fé e de moral. Sim, pois, se é lícito (e é) ao fiel católico filiar-se, votar ou apoiar partidos políticos ou ainda defender sistemas de governos, nunca é lícito contrariar a fé e a moral da Igreja.
Daí escrever, de modo esclarecedor, o Pe. Dr. José Maria I. Langlois: “A Igreja afirmou sempre que a ordem social faz parte da ordem moral, em que se joga o destino último e sobrenatural do homem sobre a terra. Ela tem, pois, o direito e o dever de fazer ouvir a sua voz quando a sociedade se afasta da reta ordem natural. O Concílio Vaticano II declara que ‘é de justiça que a Igreja possa dar, em qualquer momento e em toda parte, o seu juízo moral, mesmo sobre matérias relativas à ordem política, quando assim o exijam os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas, utilizando todos e somente aqueles meios que sejam conformes ao Evangelho e ao bem de todos, segundo a diversidade de tempos e situações’ (Gaudium et Spes, n. 76)”.
E mais: “Os juízos do Magistério eclesiástico sobre matérias políticas e sociais devem basear-se em verdades reveladas, isto é, devem referir-se ao fim sobrenatural do homem. Partindo desta condição, a Igreja tem pleno direito de intervir, mesmo fazendo uso da sua autoridade – dando critérios de ação uniformes aos católicos –, sempre que estejam em jogo os direitos de Deus ou da Igreja, bem como a salvação das almas”.
“Deve rejeitar-se, portanto, o critério laicista de uma pretensa abstenção da Hierarquia em tais matérias, o que reduziria o seu âmbito ao puro e especificamente religioso, como se a religião pudesse separar-se geometricamente das demais dimensões que constituem o homem integral.”
Esta forma de agir da hierarquia da Igreja está longe de cair, como bem alerta o Papa, em querelas político-partidárias causadoras de divisões entre os próprios Bispos e, consequentemente, também em meio aos fiéis desorientados quais ovelhas sem pastor (cf. Mc 6,34). Daí o Código de Direito Canônico em vigor prescrever que “os clérigos são proibidos de assumir cargos públicos que implicam participação no poder civil” (cân. 285 § 3) pelas razões já apontadas.
Aqui se entende por poder civil, segundo o Pe. Dr. Jésus Hortal, SJ, tanto o poder legislativo quanto o executivo e o judiciário, mas deve – para caracterizar tal poder – ser verdadeiro poder público em nível federal, estadual ou municipal e não de qualquer cargo público em sociedades privadas, mas que prestam serviços à população. Contudo, importa frisar que, no Brasil, não há proibição pontifícia oficial aos clérigos de tomarem parte em cargos político-administrativos. Por isso, bastaria ao interessado uma licença superior para ser candidato a um cargo no executivo ou no legislativo.
Neste caso, ele se afastaria das funções clericais e disputaria a eleição, depois, dependendo do juízo do seu ordinário, voltaria às funções eclesiásticas, logo terminasse seu mandato político. No entanto, o próprio Código em si e seus comentaristas veem muito mais inconvenientes do que vantagens nessa intromissão de clérigos em um campo que a Igreja tem como específico aos leigos bem formados, segundo sua Doutrina Social.
É algo, portanto, que tem solução teórica, mas, na prática, se revela quase inviável, dado que a missão do Bispo ou do Sacerdote é a de unir o povo e não dividi-lo em partidos, especialmente no campo político, no qual as discussões sobre os poderes temporais são muito amplas e propensas, por essa mesma razão, a ser mais causa de divisão e afastamento dos pastores entre si e dos pastores com suas ovelhas.
A Igreja, mãe carinhosa e solícita, não é, no entanto, omissa para com a vida temporal de seus filhos, deixando-os à mercê de poderes corruptos ou voltados a interesses escusos em vez de legislarem pelo bem comum. Por isso prevê que, em casos muito especiais nos quais a decadência entre os leigos seja tão grande, um ou mais clérigos possam, a juízo da autoridade eclesiástica, se candidatar para cargos públicos, a fim de salvaguardar os direitos da Igreja e a preservação do bem comum (cf. Doc. de Puebla n. 526s; Orientações para o estudo e o ensino da Doutrina Social da Igreja na formação sacerdotal. Congregação para a Educação Católica, 30/12/1988, n. 63, nota 140).
Estes são casos muito raros e em momentos extremamente delicados, que não devem tornar-se praxe comum em qualquer circunstância na qual se julgue que a vida social está em perigo, dado que a função dos Bispos e Sacerdotes é a de formar bons leigos, homens e mulheres, para o engajamento político pelo bem da nação nas várias esferas de poder. Porém, ao fiel leigo essa responsabilidade é entregue para que, bem formado em sua consciência e vivendo sua fé, contribua para uma reforma política saudável e para o bem comum.

Doutrina Social da Igreja e Política








Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)
Estamos em tempos de discussão sobre propostas para o futuro do país, e seria interessante debruçar sobre algumas afirmações da questão social. Convido-os, portanto, a algumas reflexões acerca deste importante assunto.  
Sobre a questão “Igreja e Política”, importa, de início, nos debruçarmos sobre as bases da Doutrina Social da Igreja (DSI), hoje também chamada de Ensino Social da Igreja. Iremos utilizar textos do renomado teólogo brasileiro do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, Dom Estevão Bettencourt, OSB, em seu curso sobre o assunto publicado pela Escola Mater Ecclesiae, de nossa Arquidiocese.  
Entende-se por Doutrina Social da Igreja o conjunto de verdades ou proposições deduzidas a partir da Lei Natural Moral e da Revelação Divina e aplicadas pelo Magistério da Igreja aos problemas sociais de nosso tempo, a fim de ajudar o povo em geral e os governantes ou legisladores, em especial, a organizarem uma sociedade mais humana e, por conseguinte, fraterna, segundo os desígnios de Deus.  
A DSI tem duas fontes: a Lei Natural Moral e a Revelação Divina, contida na Escritura e na Tradição Oral, que berçou a própria Bíblia e a acompanha ao longo do tempo.  
A Lei Natural Moral decorre da própria ordem estabelecida por Deus para ser fundamento da conduta do indivíduo e da sociedade. Importa dizer que a Lei Natural se divide em física e moral. A física impõe ao ser humano que não se pode comer pedras, respirar gás carbônico, tomar veneno como se fosse água etc. Já a moral diz ao ser humano que não lhe é lícito abusar da comida, da bebida, do sexo etc.  
É da Lei Natural Moral que vamos tratar aqui, uma vez que é reconhecida, (embora às vezes abafada ideologicamente em alguns regimes) por todos os povos e culturas em todos os tempos da história como ponto de encontro natural dos homens com Deus e consigo mesmo. Daí, dizer o Papa Pio XII que “a Igreja afirma o valor do que é humano e conforme a natureza; sem hesitar, procura desenvolvê-lo e pô-lo em relevo. Não admite que, perante Deus, o homem seja apenas corrupção e pecado. Ao contrário, aos seus olhos o pecado original não afetou intimamente as suas aptidões e as forças, tendo até deixado essencialmente intactas a luz natural da sua inteligência e a sua liberdade”. (Discurso aos membros do Congresso de Estudos Humanísticos, 25/09/1949).  
Vê-se, assim, que a Doutrina Social da Igreja, fundamentada em princípios da Lei Natural Moral, não se volta apenas aos católicos, mas também a todos os homens e mulheres de boa vontade que se guiam apenas pelas luzes da razão e não da fé ou de um credo específico. Por essa razão, nem o Estado que se diz laico, leigo, aconfessional está isento de ouvir a palavra da DSI ao promulgar suas leis. Sim, pois as leis positivas humanas devem ser eco da Lei Natural Moral presente na natureza humana, caso contrário, tal lei humana não favorecerá a verdadeira vida e dignidade humanas.  
O que acabamos de afirmar se acha bem explicitado no Documento da Congregação para a Educação Católica sobre o estudo da Doutrina Social da Igreja, dizendo que ela “assume, reclama e explica vários princípios éticos fundamentais de caráter racional, mostrando a coerência entre os dados revelados e os princípios da reta razão, reguladores dos atos humanos no campo da vida social e política. Daí deriva a necessidade de recorrer à reflexão filosófica para aprofundar tais conceitos como, por exemplo, a objetividade da verdade, da realidade, do valor da pessoa humana... e para os explicar à luz das últimas causas” (n. 9).
Importa, porém, que tais reflexões filosóficas, feitas a partir de dados das ciências experimentais, não estejam recheadas de ideologias deturpadoras da verdade, como pode acontecer, especialmente com um certo tipo das ciências sociais nos nossos dias.
Outro alicerce da Doutrina Social da Igreja é a Revelação Divina contida na Sagrada Escritura (Antigo e Novo Testamento) e na Tradição Oral interpretada à luz do Magistério da Igreja assistido pelo Divino Espírito Santo.
Ora, a Revelação não abafa nem extingue as verdades e as leis naturais, mas as ilumina com nova claridade. Faz-nos ver o ser humano não como elemento anônimo no mundo, mas, ao contrário, ensina que ele é imagem e semelhança de Deus, cuja dignidade foi elevada pela filiação divina ou pela Encarnação do Filho de Deus, que fez todos os homens irmãos entre si e chamados à herança celeste.
Certo é que a DSI não tem por tarefa dar respostas práticas específicas para cada um dos grandes problemas da humanidade, nem ser uma terceira via entre o capitalismo selvagem e o coletivismo marxista antinatural, mas, sim, quer propor diretrizes e princípios éticos que devem perpassar qualquer sistema sócio-econômico ou político, a fim de que tais sistemas respeitem a dignidade humana, espelho da Majestade Divina, conforme ensinou São João Paulo II na Encíclica Sollicitudo Rei Socialis n. 41.
Mesmo com esses dados expostos, é inegável a existência de uma ideologia segundo a qual a Igreja não deveria se manifestar sobre temas de ordem profana, como são a economia e a política. Ela deveria se contentar no culto dentro dos templos sem se envolver na vida social, dizem os arautos da “ditadura do relativismo”, tão denunciada pelo Papa Emérito Bento XVI.  
A essa objeção, devemos responder que, como cidadãos, os cristãos têm o dever de manifestar a sua opinião e, ao mesmo tempo, a Igreja, enquanto instituição, se interessa pela dimensão ética da economia e da política, não por seus aspectos técnicos que competem aos especialistas dessas áreas. Afinal, todo e qualquer ato humano tem sua dimensão ética, dado que é executado em vista de um Fim Supremo adequado (logo, moralmente, bom ou mau) e, por isso, requer orientações.  
A Igreja, ciente da união do ser humano com Cristo, de quem nos vêm auxílios preciosos, não se cansa de ensinar que “As alegrias, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são, também, as alegrias, as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo. Não se encontra nada verdadeiramente humano que não ressoe no seu coração” (Gaudium et Spes, n. 1).
Daí, a utilidade de que a Igreja, dentro da missão que lhe cabe, fale de Política sempre que for necessário, de modo que clérigos e leigos estejam aptos, à luz da Doutrina Social da Igreja, a se posicionarem sobre o assunto, depois de serem devidamente preparados, conforme já pediu São João XXIII na Encíclica Mater et Magistra, ao escrever que “hoje, mais do que nunca, é indispensável que esta doutrina seja conhecida, assimilada, traduzida na realidade social sob as formas e na medida em que as diversas situações o permitam ou exijam... Insistimos em que se inclua este ensino em cursos ordinários de forma sistemática em todos os Seminários e em todas as escolas católicas, em todos os graus de ensino. Deve, além disso, ser inscrita no programa de instrução religiosa das paróquias e dos agrupamentos de apostolado leigo. Deve ser propagada por todos os meios modernos de difusão: imprensa cotidiana e periódica, obras de vulgarização ou de caráter científico, rádio-difusão, televisão...” (n. 222).  
É à luz desses princípios que somos chamados a refletir o que nos pede o magistério da Igreja, dentro do que nos compete, da relação Igreja e Política, especialmente neste ano em nosso país, nação de tantas riquezas naturais, mas, paradoxalmente, também de tantos problemas a serem trabalhados por todos nós que nos interessamos por dias melhores.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

São João Eudes

São João Eudes testemunhou a beleza da devoção e entrega a Deus em favor do clero e do povo de Deus.
Por Fabiano Farias de Medeiros

HORIZONTE, 19 de Agosto de 2014 (Zenit.org) -
 “Nada desejo pessoalmente, mas se Deus me exigisse expressar meu querer, escolheria seguir vivendo indefinidamente para ajudar a salvar as almas”, assim bradava o coração de João Eudes que nasceu na Vila Ri em Argentan ao norte da França no dia 14 de novembro de 1601. Seus pais, Isaac e Marta, eram normandos e cristãos autênticos. João Eudes era o primogênito dos sete filhos do casal que proporcionaram a ele uma infância centrada nos valores e princípios humanos e cristãos. João estudou no colégio jesuíta de Real de Dumont. Desde criança alimentava profunda devoção a Nossa Senhora e consagrou-se a Virgem.
Sentia pulsar no coração o desejo pela vida sacerdotal e ingressou no ano de 1623 na Congregação do Oratório do Cardeal Pedro de Bérulle. Ordenou-se dois anos depois e dedicou-se a pregação, e ao cuidado e zelo com os pobres e doentes. Percorreu várias cidades da França e no ano de 1627 a região foi devastada pela “peste” e o jovem sacerdote acolheu e cuidou de inúmeras famílias acometidas deste mal. Com receio de que seus companheiros viessem a contrair a peste, dormia em um barril do lado de fora.
Percebia crescer cada vez mais a desigualdade social e o abandono da fé, sobretudo com a incursão das heresias do jansenismo e quietismo. Seu coração, inflamado de amor, inquietava-se. Fundou a Congregação de Jesus e Maria no ano de 1643 com a finalidade de atuar na formação dos sacerdotes e na difusão do Evangelho através destes. João Eudes assim formava os sacerdotes: “Entregai-vos a Cristo, para entrardes na imensidade do seu grande Coração, que contém o Coração da sua Santa Mãe e de todos os Santos, e para vos perderdes neste abismo de amor, caridade, misericórdia, humildade, pureza, paciência, submissão e santidade”.
Fundou também a Congregação Nossa Senhora da Caridade do Refúgio, para jovens e crianças e dedicou-se às santas missões populares. Foi precursor na difusão da devoção aos Sagrados Corações de Jesus em 1648 e Maria em 1672. João Eudes faleceu no dia 19 de agosto de 1680 em Caen na França. Foi canonizado pelo Papa Pio XII no ano de 1925.

A família de um presidenciável: lições de generosidade e fé

Discreta em virtude da atividade política de seu pai, essa família vem, agora, ao conhecimento de toda a nação e mostra que ser numerosa é algo possível também no mundo de hoje, quando amparada pela fé.
Por André Parreira

SãO PAULO, 19 de Agosto de 2014 (Zenit.org) -
 Muitas lições podemos tirar da uma tragédia como a que ocorreu com o presidenciável Eduardo Campos e sua equipe. Mas, quero apenas comentar e agradecer à esta família pelo belo exemplo que deram ao povo brasileiro. Discreta em virtude da atividade política de seu pai, essa família vem, agora, ao conhecimento de toda a nação e mostra que ser numerosa é algo possível também no mundo de hoje, quando amparada pela fé.
À medida que as imagens exibiam a família logo após o desastre, muitas pessoas se mostravam admiradas positivamente e se comoviam pelo fato de terem 5 filhos. Mas não é só isso, também o exemplo de fé me chama a atenção.
Numa sociedade onde se casar jovem parece ser coisa de gente sem instrução e sem perspectivas,  Eduardo e Renata mostram o contrário, em sintonia com a Igreja que vê o contínuo adiamento do casamento como um estilo de vida que desvaloriza a dimensão humana, com desastrosas consequências para a família[1] . Se casaram ainda jovens para construírem uma vida juntos, o que tem mais profundidade de se apenas juntarem duas vidas já construídas.  
A abertura à vida foi nítida, mesmo numa sociedade onde parece que somente tem muitos filhos quem não sabe evitá-los. O Papa Francisco, há dois meses, criticou a cultura do bem-estar que faz pensar ser melhor não ter filhos para poder ter uma casa de campo e ficar tranquilo e até disse que há quem troque ter filhos por ter cachorrinhos e gatos. Assim, muitos casais que criam barreiras e colocam em patamar superior aos filhos a carreira, o patrimônio, seus títulos acadêmicos ou simplesmente as noites de sono. 
A família Campos faz parte de uma minoria no mundo atual. Os pais foram generosos. E a generosidade não se refere apenas à questão financeira, mas também a repartir o tempo, os finais de semana, as noites de sono e a abrir mão de tantas outras coisas em favor de se colaborar com Deus na obra da criação.  No caminho inverso, hoje, criam-se tantas necessidades, frutos da mentalidade consumista que levam à conclusão que não se é possível mais ter filhos
E com 23 anos de matrimônio receberam com alegria o quinto filho. Este, nascido em janeiro de 2014, diagnosticado no ventre com síndrome de Down, foi acolhido com a expressão de um de seus irmãos, reforçada pelo seu pai no Facebook:  “Como disse seu irmão, você chegou na família certa! Agora, todos nós vamos crescer com muito amor, sempre ao seu lado”. E acrescentou sobre o nome escolhido para o menino: "Tem o nome do bisavô e de São Miguel Arcanjo. Seu significado em hebraico ("Quem será como Deus?"), lembra da nossa humildade diante do Senhor."
Nestes dias de sofrimento, à espera do cadáver de seu pai, a família se amparou também na fé. Duas missas foram celebradas em sua casa, além da missa de corpo presente com uma multidão no dia de seu enterro. E mesmo na dor, como certeza de fé e em um momento no qual muitos católicos diriam "não ter cabeça para isso", a mãe Renata fez questão que seu filho de oito anos fizesse a primeira Eucaristia. Isso com o apoio espiritual de um sacerdote que já era conhecido da família e há tempos os atendia em confissões e aconselhamentos. 
Eduardo usava medalhas que expressavam sua fé e que foram encontradas nos escombros do acidente. Ainda que com alguma mesclagem de superstição (um trevo de quatro folhas no meio das medalhas),  predominavam imagens de Nossa Senhora e de São Francisco.  Simplicidade franciscana refletida no seu túmulo, em uma área popular do cemitério.
Reforço que não faço julgamento de sua eficiência como político, profissional ou qualquer outro panorama que não seja a simples reflexão de ver nesta família um contraponto à cultura predominante. Quero apenas refletir que viver em uma bela família é possível para todos, seja qual for a classe social ou a profissão. O projeto de Deus é para todos e, na fé, ele se concretiza.
Também agradeço a este casal, Eduardo e Renata, que fortalece o coro do qual fazemos parte minha esposa e eu. Não são raras as vezes que comentários e olhares nos fazem parecer ter vindo de outro planeta por termos seis filhos (por enquanto) e buscarmos educá-los na fé católica e na simplicidade! Até mesmo pessoas próximas e de "fé" não conseguem disfarçar o espanto sempre que comunicamos, com alegria, mais uma gravidez. Influenciadas por uma cultura que tem medo dos filhos, ainda não abriram os olhos para a beleza de se dizer sim ao chamado de Deus para serem generosos cooperadores Dele na criação da vida. 
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Poder pelo “poder”




Dom Paulo Mendes PeixotoArcebispo de Uberaba (MG)

A trajetória política, realizada por uma sociedade, tem marcas relevantes no cenário da vida comunitária. O termo “poder” é alvo perseguido, de forma digna ou desleal, durante a Campanha em preparação para as Eleições. Até digo, que num regime democrático capitalista, como no caso do Brasil, quase sempre tem poder quem gasta mais e consegue “comprar” a liberdade do eleitor.
No entendimento da mensagem cristã, poder significa serviço, doação, administração com responsabilidade e colocar-se à disposição para construir o bem comum. Esta é a missão do papa, dos bispos, dos padres e de todos aqueles que se colocam na prática da solidariedade. Não deveria ser diferente na gestão dos cargos públicos civis. Temos que eleger pessoas com este perfil.
O poder-serviço é o oposto do poder pelo “poder”. Esta segunda categoria está muito presente na administração pública, dificultando o uso correto das riquezas que uma nação tem. Por isso, o momento das Campanhas Eleitorais é muito importante. Até lamentamos o acidente e morte de um dos candidatos, porque seria mais uma opção de escolha para Presidente da República.
Um candidato eleito deve ser porta-voz do povo. Na Igreja, o escolhido é entendido como porta-voz da fé e da entidade por ele representada. Passa a ter as chaves das portas que permitem o acesso aos bens que favorecem sua dignidade. É uma tarefa ratificada por Deus, porque todo poder vem Dele.
A liderança comunitária não pode ser expressão de ambição pessoal. O voto, como vontade popular da maioria exigida, descredencia o eleito do poder de agir em função de favoritismos particulares, desconectados com a maioria. Ele deve ser visto, dentro do âmbito de seu poder, como “servo da unidade”, e não alguém que age com autoritarismo.
O exercício do poder exige sabedoria humana e divina. Por isto, a Palavra de Deus também deve ser referência para uma boa e honesta administração. As principais decisões, quando a comunidade é ouvida, o peso delas faz produzir efeitos muito mais férteis, favorecendo a maioria. Passam a ser ações abençoadas por Deus.

Flagelo da desumanização


Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte
A sociedade contemporânea é, contraditoriamente, marcada pelos grandes avanços e flagelos. Guerras fratricidas, fome, catástrofes de todo tipo configuram uma lista que desenha cenários preocupantes de avassaladora desumanização. Estas e outras chagas precisam ser duramente enfrentadas com respostas adequadas e mais velozes sob pena de testemunharmos a derrocada das tradições e narrativas, sustentáculos do respeito aos princípios fundamentais que tornam possível a vida humana no planeta. Para enfrentar o flagelo da desumanização, devem ser priorizadas a paixão pela justiça e o gosto pela verdade.
O Papa Francisco, na sua Exortação Apostólica sobre a Alegria do Evangelho, faz preciosa advertência que precisa tocar mais fundo os corações. Ele sublinha a gravíssima responsabilidade de todos, quando se consideram situações que estão produzindo, em velocidade assombrosa, um processo de desumanização. Esse percurso nos leva a uma herança de realidades difíceis de serem revertidas. Trata-se de sentença de morte, pois nenhum progresso material é capaz de superar e recuperar estragos  humanitários. São perdas que desfiguram a condição humana, afasta-a de sua identidade e missão próprias.
A era do poder e da informação que caracteriza este tempo inicial do terceiro milênio está produzindo, lamentavelmente, um caminho na contramão da indispensável humanização, único pilar capaz de sustentar a vida nas sociedades contemporâneas. Basta navegar pelo ambiente digital, o domínio determinante e poderoso das redes sociais, para que se chegue a essa constatação. Uma referência comum é o tratamento jocoso e debochado da dor alheia, do luto desrespeitado. Não menos grave é o anonimato covarde na internet para manipular situações e confundir as pessoas sobre a verdade, condição fundamental para o bem.
Este processo crescente de desumanização envenena as relações interpessoais e as interfaces de instâncias da sociedade. Empurra pessoas, grupos, famílias e igrejas para a condição de lobos uns dos outros, com aparência de cordeiros. Vive-se uma realidade em que propaganda enganosa, artimanhas políticas, mentirinhas e outros mecanismos são adotados pela convicção de que os fins justificam os meios. É terrível o nível de hipocrisia e conveniência nas falas, atitudes e apoios, gerando conivências tácitas com o mal, trazendo prejuízos irreparáveis a instituições como a família, igrejas, governos, e a terrível neutralização dos mais pobres e dos indefesos. Hipocrisia que partidariza ao extremo as relações e conduz a atitudes de descarte do outro, ignorando o compromisso interpessoal, ensinado pelo Evangelho, de ajuda ao próximo.
O flagelo da desumanização está alimentando, com perversidade, a formação dos guetos e as consequentes segregações que incapacitam para o diálogo, via única para a urgente construção de relações qualificadas na sociedade contemporânea. As contradições são muitas e tecem um emaranhado inexplicável que obscurece os corações do sentido de amar. O que se faz é por conveniência, sem escrúpulos. Manipulam-se escolhas, juízos equivocados encontram justificativas, sempre.
A sociedade desumanizada opera no submundo dos interesses mesquinhos, do uso das instituições como lugares de satisfação de interesses particulares. Tudo funciona num “faz de conta” que corrói o sentido e a alegria de se viver com liberdade e com autenticidade. Conta sempre o patológico desejo de ser reconhecido como quem tem poder. Assim, a hipocrisia e a arrogância comprometem a humanização da sociedade. Elas passam a nortear decisões determinantes à sobrevivência dos mais pobres, especialmente na área econômica. O crescimento e o equilíbrio da economia mundial e nacional não podem ser perseguidos apenas com os mecanismos matemáticos, nem só pelas esperadas escolhas daqueles que governam e constroem, de modo decisivo, a sociedade plural. Parafraseando o economês, humanismo é um capital determinante para a sustentabilidade da sociedade mundial.
A crise de sentido e de valores se sobressai entre aquelas que ameaçam a humanização. Ela fere um legado básico que, comprometido, produz os cenários aviltantes presenciados pelo mundo. São guerras estarrecedoras, apoiadas por conivências e interesses espúrios, que atentam contra a nobreza da humanidade. Uma realidade que condena os pobres ao isolamento, consequência da incompetência de governos e da insensibilidade daqueles que têm poder para dialogar, encontrar soluções, sem o uso da força policial e sem o comodismo de contentar-se com a segregação.
Transformar esta realidade, contudo, exige mais do que esperar ser convocado para o diálogo. É preciso agir e, no atual contexto, o pleito eleitoral é oportunidade singular. Outras coisas são urgentes, mas urgentíssimo é enfrentarmos, juntos, a tarefa de transformar as causas do devastador flagelo da desumanização.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Não se faz guerra em nome de Deus









Dom Murilo S.R. Krieger
Arcebispo de Salvador (BA)
Poucos dias antes de embarcar para a visita pastoral à Coreia, onde ainda se encontra, o papa Francisco, diante dos trágicos acontecimentos que ocorrem no norte de Iraque, proclamou: “Não se faz guerra em nome de Deus”. Ele tinha diante de si números e situações dramáticas: ataques violentos contra cristãos, pelo fato de serem cristãos, por milicianos jihadistas (= lutam para conquistar a “fé perfeita”). Para a cidade de Erbil, que tem vinte e cinco mil cristãos, fugindo das perseguições acorreram setenta mil cristãos que, naturalmente, estão desalojados. Como escreveu Dom Louis Raphael, Presidente dos Bispos Católicos no Iraque: “As famílias que encontraram abrigo dentro das igrejas ou escolas estão em condições relativamente boas, ao passo que aqueles que ainda estão dormindo nas ruas e parques públicos encontram-se em situação deplorável”. Em Dohuk, o número de refugiados cristãos chega a mais de sessenta mil, e a situação deles é pior do que a dos refugiados em Erbil.  
Nas aldeias cristãs em torno de Mosul, até as fronteiras do Curdistão,“as igrejas encontram-se desertas e profanadas; cinco bispos estão fora de suas diocese, os sacerdotes e freiras saíram de suas missões e instituições, deixando tudo para trás, as família fugiram com seus filhos, abandonando tudo. O nível de desastre é extremo”.  
Por que, de repente, está acontecendo tudo isso? Por que essa perseguição sistemática e o desejo de eliminar os cristãos daquela região? Afinal, é chocante ver que estão sendo expulsas famílias cujos antepassados viveram ali pacificamente há vários séculos. Por trás dessa tragédia humanitária está o desejo, por parte de alguns grupos minoritários, de “restaurar o califado”, que tinha sido abolido em 29 de outubro de 1923, por Kamal Ataturk, fundador da Turquia moderna.  
Diante dessa situação, no dia 12 de agosto p.p. o Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso da Santa Sé fez um apelo para que todos – inclusive a maioria muçulmana que não aceita esse projeto de “restauração”, nem os métodos utilizados – se unam para denunciar as práticas vergonhosas que vêm sendo cometidas. Eis algumas dessas práticas: “a matança de pessoas apenas por causa das suas crenças religiosas; a abominável prática da decapitação, crucificação e exposição de cadáveres pendurados em locais públicos; a imposição, aos cristãos, do dilema entre a conversão forçada ao islã, o pagamento de imposto por não serem muçulmanos ou o êxodo; a expulsão forçada de dezenas de milhares de pessoas, incluindo crianças, idosos, mulheres grávidas e doentes; o rapto de meninas e mulheres pertencentes a comunidades cristãs; a imposição da prática bárbara da mutilação genital; a destruição de locais de culto e mausoléus cristãos e muçulmanos; a ocupação forçada ou a profanação de igrejas e mosteiros; a remoção de crucifixos e outros símbolos religiosos cristãos; a destruição do inestimável patrimônio religioso e cultural cristão”.
O Pontifício Conselho acentua: “Nenhuma causa pode justificar tal barbárie; certamente não uma religião. Trata-se de um crime extremamente grave contra a humanidade e contra Deus, que é o Criador, como frequentes vezes disse o papa Francisco.”
Não podemos nos esquecer que cristãos e muçulmanos têm vivido juntos ao longo dos séculos, mesmo que com muitos altos e baixos, construindo uma cultura de cordialidade e uma civilização da qual estão orgulhosos. Além disso, é com essa base que, nos últimos anos, o diálogo entre cristãos e muçulmanos tem se aprofundado.
A situação dos cristãos exige uma posição clara e corajosa por parte dos líderes religiosos. Todos devem ser unânimes em condenar com clareza esses crimes e denunciar a invocação da religião, para justificá-los. Do contrário, que credibilidade terão as religiões, seus seguidores e seus líderes?
Unamos nossa voz à do papa Francisco: "Que o Deus da paz reforce todo desejo autêntico de diálogo e de reconciliação. Nunca se derrota a violência com a violência. A violência é vencida com a paz".

domingo, 17 de agosto de 2014

Homilia do papa Francisco na missa de encerramento da Jornada Asiática da Juventude

Papa pede à juventude asiática para que sirva os pobres, abandonados, doentes e marginalizados


O papa Francisco presidiu neste domingo, 17, missa de encerramento da VI Jornada Asiática da Juventude, no Santuário do “Mártir desconhecido”, no Castelo de Haemi, Coreia. A celebração reuniu cerca de 40 mil pessoas de 23 nações da Ásia. Em sua homilia, Francisco pediu aos jovens para que não tenham “medo de levar a sabedoria da fé a todos os campos da vida social” e para que  procurem “servir os pobres, os abandonados, os doentes e os marginalizados”. Leia, na íntegra, o discurso do papa à juventude asiática.  
 Queridos jovens amigos!

«A glória dos mártires resplandece sobre vós»: estas palavras, que fazem parte do tema da VI Jornada Asiática da Juventude, são de consolação para todos nós e dão-nos força. Jovens da Ásia, vós sois herdeiros de um grande testemunho, de uma preciosa confissão de fé em Cristo. Ele é a luz do mundo, é a luz da nossa vida! Os mártires da Coreia, e tantos outros em toda a Ásia, entregaram seus corpos aos perseguidores; mas, a nós, entregaram um testemunho perene de que a luz da verdade de Cristo afugenta todas as trevas e o amor de Cristo triunfa glorioso. Com a certeza da sua vitória sobre a morte e da nossa participação nela, podemos enfrentar o desafio de ser seus discípulos hoje, nas nossas situações de vida e no nosso tempo.
As palavras, sobre as quais acabamos de refletir, são uma consolação. A outra parte do tema desta Jornada – «Juventude da Ásia, levanta-te!» – fala-vos de um dever, de uma responsabilidade. Consideremos brevemente cada uma destas palavras. Antes de mais nada, a expressão «da Ásia». Reunistes-vos aqui, na Coreia, vindos de toda a parte da Ásia. Cada um de vós possui um lugar e um contexto próprios, onde sois chamados a espelhar o amor de Deus. O Continente Asiático, permeado de ricas tradições filosóficas e religiosas, continua a ser uma grande delimitação que espera o vosso testemunho de Cristo, «caminho, verdade e vida» (Jo 14, 6). Como jovens que não apenas vivem na Ásia, mas são filhos e filhas deste grande Continente, tendes o direito e o dever de tomar parte plena na vida das vossas sociedades. Não tenhais medo de levar a sabedoria da fé a todos os campos da vida social!
Além disso, como jovens asiáticos, vedes e amais, a partir de dentro tudo o que é belo, nobre e verdadeiro nas vossas culturas e tradições. Ao mesmo tempo, como cristãos, sabeis também que o Evangelho tem a força de purificar, elevar e aperfeiçoar este patrimônio. Através da presença do Espírito Santo, que vos foi dado no Batismo e selado na Crisma, podeis, em união com os vossos pastores, apreciar os inúmeros valores positivos das diferentes culturas da Ásia. Além disso, sois capazes de discernir aquilo que é incompatível com a vossa fé católica, o que é contrário à vida da graça enxertada em vós com o Batismo, e os aspectos da cultura contemporânea que são pecaminosos, corruptos e levam à morte.
Voltando ao tema desta Jornada, detenhamo-nos agora sobre a palavra: «Juventude». Vós e os vossos amigos estais cheios do otimismo, de energia e de boa vontade, característicos desta estação da vossa vida. Deixai que Cristo transforme o vosso natural otimismo em esperança cristã, a vossa energia em virtude moral, a vossa boa vontade em amor genuíno que sabe sacrificar-se! Este é o caminho que sois chamados a empreender. Este é o caminho para vencer tudo o que ameaça a esperança, a virtude e o amor na vossa vida e na vossa cultura. Assim a vossa juventude será um presente para Jesus e para o mundo.
Como jovens cristãos – quer sejais trabalhadores ou estudantes, quer tenhais já iniciado uma profissão ou respondido à chamada para o matrimônio, a vida religiosa ou o sacerdócio –, não constituís parte apenas do futuro da Igreja: sois uma parte necessária e amada também do presente da Igreja! Permanecei unidos uns aos outros, aproximai-vos cada vez mais de Deus, e, juntamente com os vossos Bispos e sacerdotes, gastai estes anos na edificação de uma Igreja mais santa, mais missionária e humilde, uma Igreja que ama e adora a Deus, procurando servir os pobres, os abandonados, os doentes e os marginalizados.
Muitas vezes, na vossa vida cristã, sereis tentados – como os discípulos no Evangelho de hoje – a afastar o estrangeiro, o necessitado, o pobre e quem tem o coração despedaçado. E, no entanto são sobretudo pessoas como estas que repetem o grito da mulher do Evangelho: «Senhor, ajuda-me!» A invocação da mulher cananeia é o grito de toda a pessoa que está à procura de amor, aceitação e amizade com Cristo. É o gemido de tantas pessoas nas nossas cidades anônimas, a súplica de muitos dos vossos contemporâneos, e a oração de todos os mártires que ainda hoje sofrem perseguição e morte pelo nome de Jesus: «Senhor, ajuda-me!» Muitas vezes, é um grito que brota dos nossos próprios corações: «Senhor, ajuda-me!» Demos resposta a esta invocação, não como aqueles que afastam as pessoas que pedem, como se a atitude de servir os necessitados se contrapusesse a estar mais perto do Senhor. Não! Devemos ser como Cristo, que responde a cada pedido de ajuda com amor, misericórdia e compaixão.
Finalmente, a terceira parte do tema desta Jornada – «Levanta-te!» - fala duma responsabilidade que o Senhor vos confia. É o dever de estarmos vigilantes, para não deixar que as pressões, as tentações e os pecados – os nossos ou os dos outros – entorpeçam a nossa sensibilidade à beleza da santidade, à alegria do Evangelho. O Salmo Responsorial de hoje convida-nos repetidamente a «estar alegres e cantar com alegria». Ninguém que esteja a dormir pode cantar, dançar, alegrar-se. Queridos jovens, «o Senhor nosso Deus nos abençoou» (Sal 67, 8); d’Ele, «alcançamos misericórdia» (cf. Rom 11, 30). Com a certeza do amor de Deus, ide pelo mundo, fazendo com que, «em consequência da misericórdia usada convosco» (Rom 11, 31), os vossos amigos, os colegas de trabalho, os concidadãos e todas as pessoas deste grande Continente «alcancem finalmente misericórdia» (cf. Rom 11, 31). É justamente por esta misericórdia que somos salvos.
Queridos jovens da Ásia, faço votos de que, unidos a Cristo e à Igreja, possais seguir por esta estrada que certamente vos encherá de alegria. E agora que estamos para nos aproximar da mesa da Eucaristia, dirijamo-nos a Maria nossa Mãe, que deu ao mundo Jesus: Sim, ó Maria nossa Mãe, desejamos receber Jesus! No vosso carinho maternal, ajudai-nos a levá-Lo aos outros, a servi-Lo fielmente e a honrá-Lo em todo tempo e lugar, neste país e na Ásia inteira. Amém.
Via site CNBB