sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Diálogos e confrontos



Dom Walmor, arcebispo de Belo Horizonte, reflete que dialogar é imprescindível na geração e manutenção de processos vitais e politicamente indispensáveis ao funcionamento da sociedade
Por Dom Walmor Oliveira de Azevedo

BELO HORIZONTE, 27 de Setembro de 2013 (Zenit.org) - Os tecidos sociocultural, político e religioso se configuram por dinâmicas de diálogos e confrontos, entre pessoas na esquina de uma rua ou até em processos de elaboração decisória numa suprema corte. Dialogar é imprescindível na geração e manutenção de processos vitais e politicamente indispensáveis ao funcionamento da sociedade. Sem esta atitude, tudo fica comprometido. Não é raro ouvir sobre crises institucionais, perda de identidades e de força por falta de diálogo, de comunicação. E esse processo é também marcado por confrontos, que são inevitáveis.
Valem a sabedoria e a habilidade para não permitir que os embates gerem desgastes irreparáveis, ou retardem avanços indispensáveis quando são consideradas as metas já definidas. No núcleo dos diálogos e confrontos, na vida comum, política, religiosa e profissional, está instalado um processo interpretativo que é, na verdade, um confronto inevitável em busca da verdade.
Esse processo de interpretação é um impulso que determina rumos, ilumina compreensões e garante o compromisso necessário no viver da história. Em jogo está a questão de princípios e valores, fundamentais para o norteamento da vida da sociedade e para o equilíbrio de suas instituições. Todos estão neste cenário na condição de intérpretes. Por isso mesmo, é tão comum se ouvir as mais diversificadas opiniões. Não raro é ver também quem dá opinião sobre o que não conhece.
Fique sublinhado, no entanto, o lugar determinante de rumos e de escolhas a partir do lugar que se ocupa e de onde se interpreta a realidade, influenciando destinos políticos, bem como os tipos e modos de vivências religiosas. Um aspecto é determinante e insubstituível nesse complexo processo de diálogos e confrontos. Trata-se do apreço, respeito e compromisso de cada um pela  verdade - respeitá-la e testemunhá-la responsavelmente. É incontestável que a verdade possui a força ordenadora das relações sociais, permite a competência de respeitar a dignidade de toda pessoa.
Ora, a sociedade e suas relações não podem se estabelecer como um puro arbítrio. Exige-se um processo educativo permanente e denso, que capacita pessoas na vivência de sua cidadania. É a conquista da competência cidadã para viver as dinâmicas de diálogo e confrontos que permite alcançar mais justiça, liberdade e respeito aos direitos. A verdade, nesta perspectiva, não pode ser reduzida a opiniões ou relativizações. Sua busca permanente configura a liberdade de toda pessoa, como exigência inseparável do entendimento adequado da dignidade humana.
Ganhou exemplaridade o que se passou recentemente no Supremo Tribunal Federal, com a consideração de “embargos infringentes”, vocabulário novo no entendimento cidadão. Cinco ministros contra e cinco a favor. O parecer de um fez o desempate. Afinal, neste processo interpretativo, quem está com a razão? A retomada do julgamento, com base em argumentos interpretativos, permitiu uma mudança de cenário para o que estava já decidido, e todo tipo de volatilidade no percurso de busca da verdade é extremamente danosa.
Inegociável deve ser o respeito a identidades ou ao que, em sua decorrência, se assume como compromisso e posturas sociais, políticas, religiosas e culturais. Uma conduta importante que baliza funcionamentos democráticos, fazendo cumprir aquilo que realmente é papel institucional. No caso específico do julgamento, uma corte suprema não pode tender a interpretações que comprometam o sentido pleno do direito defendido. Também assim, uma família não pode ser, em respeito à sua identidade e missão, palco de ataques ou de propagação de elementos que contradigam o seu sentido. Instituição alguma pode ensinar aquilo que é contrário à sua identidade.
Sem esses zelos institucionais, com a complexidade dos processos interpretativos, com suas nuances subjetivas e impostações científicas, se poderá presenciar absurdos como quem defende a vida propagando argumentações abortistas, ou de quem se compromete com a justiça, mas deixa-se levar por dinâmicas ilegítimas. Não se pode aceitar que, em nome de participação ou democracia, autoridades e cidadãos negociem identidades, emprestando suas vozes para fazer ouvir o que é contrário àquilo que é fundamental: os princípios e valores.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

Os verdadeiros cristãos não evitam a Cruz, mas enfrentam as humilhações com alegria e paciência, disse o Pontífice


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O santo padre na homilia de Santa Marta alerta também da "tentação do bem-estar espiritual" que impedem amar a Cristo com todo o nosso ser
Por Redacao

ROMA, 27 de Setembro de 2013 (Zenit.org) - Os cristãos dão uma boa prova de si quando “sabem enfrentar humilhações com alegria e paciência”. Papa Francisco ressaltou este aspecto da vida de fé na missa celebrada na manhã desta sexta, 27, na Casa Santa Marta. O Papa alertou novamente para a “tentação do bem-estar espiritual”, que pode nos impedir “de amar plenamente Jesus Cristo”.
Francisco desenvolveu seu pensamento a partir do Evangelho de Lucas, no trecho em que Jesus pergunta aos discípulos o que as pessoas falam Dele e o que eles próprios pensam, até a resposta de Pedro: “O Cristo de Deus”. “Esta pergunta é dirigida também a nós”, disse o Pontífice.
“Foi o Espírito Santo que tocou o coração de Pedro para dizer quem é Jesus. Se é o Cristo, o Filho de Deus vivo, é um mistério... Quem o pode explicar? Se cada um de nós, na oração, disser ao Senhor: “Tu és Cristo, o Filho do Deus vivo”, Ele responderá “É verdade”.
"Jesus pede a Pedro que não revele sua resposta a ninguém e anuncia sua Paixão, morte e Ressurreição", disse o Papa, recordando a reação do chefe dos Apóstolos, descrita no Evangelho de São Mateus, que declara: “Isso não acontecerá jamais”. “Pedro – comentou ainda o Papa – se assusta, se escandaliza, como tantos cristãos que dizem: “Isto nunca vai acontecer!”. Este é o modo para “seguir Jesus, para conhecê-lo apenas até um certo ponto”:
“E esta é a tentação do bem-estar espiritual. Temos tudo: temos a Igreja, temos Jesus Cristo, os Sacramentos, a Virgem Maria, tudo, um bom trabalho para o Reino de Deus; somos bons, todos. Porque pelo menos temos que pensar isso, porque se pensar ao contrário é pecado! Mas não é o suficiente; com o bem-estar espiritual até um certo ponto. Como o jovem que era rico: ele queria ir com Jesus, mas até um certo ponto. Falta essa última unção do cristão, para ser um cristão realmente: a unção da cruz, a unção da humilhação. Ele se humilhou até à morte, morte de tudo. Esta é a pedra de comparação, a verificação da nossa realidade cristã: Eu sou um cristão de cultura do bem-estar? Eu sou um cristão que acompanha o Senhor até a cruz? O sinal é a capacidade de suportar as humilhações”.
O escândalo da Cruz, no entanto, continua a bloquear muitos cristãos. Todos - constata Papa Francisco - querem ressurgir, mas “nem todos” pretendem fazê-lo pelo caminho da Cruz. E, ainda mais, se queixam das injustiças ou afrontas sofridas, comportando-se ao contrário do que Jesus fez e pede para imitar:
“A verificação se um cristão é um cristão realmente é a sua capacidade de suportar com alegria e paciência as humilhações, já que isso é algo que não gostamos... Há muitos cristãos que, olhando para o Senhor, pedem humilhações para se assemelhar a Ele. Esta é a escolha: o cristão do bem-estar - que vai para o Céu, certo de salvar-se! – ou o cristão próximo a Jesus, pela estrada de Jesus”.
(Fonte: Rádio Vaticana)

O céu e a terra



Dom Alberto Taveira Corrêa, arcebispo de Belém do Pará, reflete sobre os valores que norteiam o comportamento
Por Dom Alberto Taveira Corrêa

BELéM DO PARá, 26 de Setembro de 2013 (Zenit.org) - A Palavra de Deus reúne o povo que lhe pertence, convocando-o à comunhão com o próprio Senhor, para ser um sinal de um mundo diferente, possível para todos os homens e mulheres, pela ação da graça. Jesus, Filho de Deus verdadeiro, veio ao mundo e trouxe a "cultura do Céu", oferecendo-a com generosidade. "De rico que era, tornou-se pobre por amor, para que nos enriquecer com sua pobreza" (2 Cor 8,9). Nele e com ele se encontra o chamado e a graça a restaurar todas as coisas. Em Jesus Cristo, Deus "nos fez conhecer o mistério de sua vontade, segundo o desígnio benevolente que formou desde sempre em Cristo, para realizá-lo na plenitude dos tempos: recapitular tudo em Cristo, tudo o que existe no céu e na terra" (Ef 1,9-10). Esta terra não é um restolho a ser desprezado, mas campo de prova e de missão, entregue a todos os filhos amados de Deus. A nós cabe a resposta a este plano de amor!
Não faltam os desafios a serem enfrentados para que os sonhos de Deus e de seus filhos se realizem. Dentre estes, assoma significativo o verdadeiro abismo entre grupos sociais, passando da extrema e escandalosa miséria, até chegar à abundância, ao esbanjamento e ao desperdício, que têm provocado indignação e clamado soluções construtivas. A sensibilidade especial do Evangelho de São Lucas para os pobres e pequenos (Cf. Lc 16, 10-31) mostra Jesus que, através da provocante linguagem das parábolas, quer suscitar novas atitudes, semeando novas relações entre as pessoas.
Lázaro, o pobre de outrora e de sempre, assim como o rico epulão, continuam presentes e incômodos, quando a parábola é contada por Jesus. Mas o Céu, com seu modo de viver baseado na comunhão e na partilha, está bem perto de nós. Antes de pôr o dedo na ferida da desigualdade e da injustiça presentes em nosso tempo, faz bem olhar ao nosso redor e identificar onde se encontram experiências diferentes, nas quais o Céu desce à terra. Perto e dentro de nós, existem gestos de comunhão, gente de coração generoso, sensibilidade diferente à fraternidade. Penso em tantas iniciativas tomadas por pessoas e grupos, como as tantas obras sociais da Igreja ou de outras instâncias da sociedade, nas quais se superam as distâncias e a fraternidade se instala. E quantas são as pessoas tocadas pela força da palavra de Deus e hoje mais fraternas e sensíveis às necessidades dos outros, capazes de acolher os outros e proporcionar-lhes caminhos novos de promoção e autonomia.
Depois, trata-se de alargar a compreensão para verificar as marcas de verdadeiro inferno existentes em torno a nós, onde o egoísmo se espalha e deixa seu rastro destruidor. Uma imagem de tal situação me veio há poucos dias diante dos olhos: um morador de rua recolhendo água suja de uma valeta numa grande cidade, para quase fazer de conta de se lavar no início de um novo dia. Penso em tantos homens e mulheres que veem seus filhos vagando pelas ruas, revestidos de andrajos, com o coração dolorido por não terem roupas adequadas. E os homens e mulheres que recolhem restos de comida, quais lázaros que competem com cães vadios? Brada ao Céu a terra que edificamos! A dignidade humana, inscrita por Deus em todos os seus filhos, grita por novas atitudes. Para acordar a humanidade adormecida dentro de nós, foram dados lei, profetas e, mais ainda, alguém que ressuscitou dos mortos (Cf. Lc 16, 29-31).
E não falta o grito da realidade, mas ouvidos sensíveis!
Primeiro passo é saber que o Céu, Pátria definitiva em que desejamos habitar, é casa cuja construção começa na terra. Dar guarida a cada pessoa que clama pelo nosso amor, sem deixar quem quer que seja passar em vão ao nosso lado. Diante do aleijado encontrado pelas ruas, Pedro e João tinham muito mais do que recursos materiais: “Não tenho ouro nem prata, mas o que tenho eu te dou: em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-te e anda!” (At 3,5). Deram a cura, abriram o coração do homem para Deus. E os textos dos Atos dos Apóstolos mostram que os primeiros cristãos lutaram pela comunhão de bens, um dos sinais da Presença de Cristo Ressuscitado. Palavra, pão, remédio, abraço, consolo, sorriso, mãos que elevam, cura. Tudo serve e certamente haverá, no tesouro do coração de cada pessoa, algo a oferecer. Começar já, do jeito que é possível para cada um de nós..
Mas muitos podem oferecer outras coisas! Quem tem responsabilidades públicas, à frente de organismos da sociedade, pode aguçar sua sensibilidade e priorizar ações correspondentes aos valores da dignidade humana e proporcionar maior respeito às pessoas, especialmente aos mais necessitados. Há muita cara fechada e muita burocracia a serem superadas nas repartições públicas. Muitas filas podem diminuir, se crescer a boa vontade. Há projetos em vista do bem comum a serem implantados, vencendo interesses corporativos que emperram a vida dos cidadãos. Existe um caminho de conversão adequado para as pessoas que detêm cargos eletivos, quem sabe, inscritos até nos discursos bonitos da campanha eleitoral! Há mãos a serem lavadas na água pura da fonte da vida!
Tudo isso será possível se os valores que norteiam o comportamento tiverem referências diferentes. Escrevendo a Timóteo, companheiro de jornada no anúncio do Evangelho, São Paulo fez notar que "na verdade, a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro. Por se terem entregue a ele, alguns se desviaram da fé e se afligem com inúmeros sofrimentos. Tu, porém, ó homem de Deus, foge destas coisas, procura antes a justiça, a piedade, a fé, a caridade, a constância, a mansidão. Combate o bom combate da fé, conquista a vida eterna, para a qual foste chamado quando fizeste a tua bela profissão de fé diante de muitas testemunhas" (1 Tm 6, 10-16). A atualidade patente da Escritura provoca novas atitudes. Só com homens e mulheres renovados e transformados com os critérios do Evangelho se pode implantar relações novas na sociedade.
Enfim, vale dizer que se o Céu é o limite, não há que temê-lo. Quando a Escritura e a Igreja falam das realidades definitivas, chamadas "novíssimos do homem", não desejam incutir o pavor, nem converter à força as pessoas. Não fomos feitos para rastejar no pecado e no egoísmo, mas pensados por Deus para a felicidade, construída e partilhada nesta terra e vivida em plenitude na eternidade.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

O Santo Padre Francisco: um sim à vida, à família e ao matrimônio



Reflexão sobre a entrevista do Papa Francisco concedida à "La Civiltà Cattolica"
Por Padre Jorge Lutz

RIO DE JANEIRO, 24 de Setembro de 2013 (Zenit.org) - No dia 19 de Setembro, 16 revistas jesuítas no mundo todo publicaram uma nova e extensa entrevista com o Santo Padre Francisco, feita pelo Pe. Antonio Spadaro, SJ, diretor da revista La Civiltà Cattolica ─ uma publicação jesuíta que é revisada pela Secretaria de Estado do Vaticano – que foi publicada em espanhol e foi apresentada pela revista “Razón y Fe”.
O Santo Padre Francisco nos fala dele, de porque se tornou Jesuíta e do que significa para um jesuíta ser Papa. Na entrevista nos fala também da vida na Companhia de Jesus, sua espiritualidade e missão, e de “como a Companhia deve ter sempre diante de si a procura da glória de Deus sempre maior”. Com muito carinho nos fala do Povo Santo de Deus e diz que “a imagem da Igreja de que gosto é a do povo santo e fiel de Deus”. Também aborda temas da sua experiência de governo, da importância de “sentir com a Igreja”, da importância da mulher, da doutrina moral da Igreja e das realidades mais interiores e profundas do ser humano. O Papa compartilha como reza e quanto é importante ter esperança na vida.
Infelizmente o conteúdo desta entrevista tem sido manipulado por diferentes meios de comunicação, apresentando o Santo Padre, como alguém que está contra da luta pela vida, e pró-família, concretamente em temas como o aborto e a homossexualidade e o papel da mulher na Igreja. Os comentários do Santo Padre aparecem especialmente dentro do parágrafo: “Igreja, hospital de campanha?” Onde o Santo Padre, longe de justificar estas ideologias contra a vida e a família, tenta nos alentar a entender quão importante é hoje “curar as feridas”, aproximando-nos das pessoas com verdadeira misericórdia.
Diante da pergunta de como devem ser as pastorais com os homossexuais e da segunda união, o Papa Francisco diz que “temos que anunciar o Evangelho em todas as partes, pregando a Boa Notícia do Reino e curando, também com a nossa pregação, todo tipo de ferida e qualquer doença. Em Buenos Aires, disse, recebeu cartas de pessoas homossexuais que são verdadeiros feridos sociais, porque me dizem que sentem que a Igreja sempre os condenou. Mas a Igreja não pode fazer isso. Durante o vôo em que retornava do Rio, disse que se uma pessoa homossexual tem boa vontade e procura Deus, quem sou eu para julgá-la? Ao dizer isto eu disse o que diz o Catecismo. A religião tem direito de expressar suas próprias opiniões a serviço das pessoas, mas Deus na criação nos fez livres, não é possível uma ingerência espiritual na vida pessoal”.. Aqui quando o Papa se refere à vida pessoal, se refere a todo ser humano e seu interior, e em nenhum momento fala de pessoas homossexuais ou lésbicas como diz a mídia de forma tendenciosa.
O Papa lembrou também que “uma vez, uma pessoa, para me provocar, perguntou- me se eu aprovava a homossexualidade. Eu então respondi para ela com outra pergunta: ‘Diga-me se Deus, quando olha para uma pessoa homossexual, aprova sua existência com afeto ou a rejeita e a condena? ’ Há que se ter sempre em consideração a pessoa. Aqui entramos no Mistério do ser humano. Nesta vida Deus acompanha as pessoas e é nosso dever acompanhá-las a partir de sua condição. Há que se acompanhar com misericórdia. Quando acontece assim, o Espírito Santo inspira ao sacerdote as palavras oportunas”
O Santo Padre também falou “que esta é a grandeza da confissão, que avalia cada caso, onde se pode discernir o que é o melhor para uma pessoa que busca a Deus e sua graça. O confessionário não é um lugar de tortura, e sim aquele lugar da misericórdia em que o Senhor nos conduz para fazer o melhor que possamos.. Estou pensando na situação de uma mulher que tem o peso do fracasso matrimonial em que aconteceu também um aborto. Depois disso a mulher casou-se novamente e agora vive em paz com cinco filhos. O aborto pesa-lhe enormemente e ela está sinceramente arrependida. Gostaria de retomar a vida cristã. O que faz o confessor?” Isto para nada é justificar o aborto, ir contra o matrimônio ou favorecer o divorcio.
O Papa Francisco afirma também que “não podemos seguir insistindo só em questões referentes ao aborto, ao matrimônio homossexual e ao uso de anticoncepcionais. É impossível.  Eu já falei muito destas coisas e recebi reclamações, mais ao falar destas coisas tem-se que se falar no seu contexto. Além do mais já conhecemos a opinião da Igreja e Eu sou filho da Igreja, e não é necessário estar falando destas coisas sem parar... O anúncio missionário concentra-se no essencial, no que é necessário, que por outra parte é o que mais apaixona e atrai e faz arder o coração... a proposta evangélica deve ser mais simples, mais profunda e irradiante. Só desta proposta depois surgem as conseqüências morais”. Os meios de comunicação têm informado de forma ambígua e mal intencionada que o Papa critica uma obsessão da Igreja nestes temas, mais o que o Papa Francisco tem feito é simplesmente com abertura, simplicidade e de forma direta e humilde deixar clara a doutrina da Igreja, que brota da pregação do Amor e da Misericórdia de Cristo e que devem se expressar numa autêntica pastoral para nossa época.
Todo este tema do Aborto se esclarece ainda mais com a firme postura do Santo Padre frente a cultura do descartável, que busca a eliminação dos seres humanos mais fracos. No discurso que fez aos ginecologistas católicos participantes do encontro promovido pela Federação Internacional das Associações de Médicos Católicos, pronunciado em 20 de Setembro deste ano, o Papa disse que “nossa resposta a esta mentalidade é um SIM decidido e sem vacilações à vida, que sempre é sagrada é inviolável”. Este discurso tem ainda muita importância, diante da manipulação que alguns meios de comunicação seculares estão fazendo da entrevista do Santo Padre.
O Papa Francisco toca outros temas apaixonantes em sua entrevista. Para iluminar mais a nossa formação e não deixar que a mídia secular nos manipule, acho adequado abordar o tema da mulher. Longe de toda ideologização e com muita clareza no tema sobre a mulher e sua função e missão na Igreja, nos diz o Papa que “é necessário ampliar os espaços de uma presença feminina mais incisiva na Igreja... As mulheres têm colocado perguntas profundas que devem ser tratadas. A Igreja não pode ser ela própria sem a mulher e o seu papel. A mulher, para Igreja, é imprescindível. Maria, uma mulher, é mais importante que os bispos. Digo isto, porque não se deve confundir a função com a dignidade. É necessário aprofundar melhor a figura da mulher na Igreja. É preciso trabalhar mais para fazer uma teologia profunda da mulher.. Só realizando esta etapa se poderá refletir melhor sobre a função da mulher no interior da Igreja. O gênio feminino é necessário nos lugares em que se tomam as decisões importantes. O desafio hoje é exatamente esse: refletir sobre o lugar específico da mulher”.
É o Santo Padre quem nos desafia e nos diz na entrevista: “Sonho com uma Igreja Mãe e Pastora... Em vez de ser apenas uma Igreja que acolhe e recebe, tendo as portas abertas, procuramos mesmo ser uma Igreja que encontra novos caminhos, que é capaz de sair de si mesma e ir ao encontro de quem não a frequenta; de quem a abandonou ou lhe é indiferente... Mas é necessário audácia, coragem”.
Façamos a nossa parte e, como o Papa Francisco diz, trabalhemos por “procurar e encontrar Deus em todas as coisas... Devemos caminhar juntos: o povo, os Bispos e o Papa.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

LUMEN FIDEI - A LUZ DA FÉ - 4


Caros diocesanos. Chegamos ao quarto e último capítulo da Carta Encíclica – Lumen Fidei (A Luz da Fé) que o Papa Francisco publicou no final de junho de 2013. Depois de ter refletido sobre a fé como encontro, como resposta ao amor gratuito de Deus (primeiro capítulo), acentuou que é imprescindível que a pessoa humana construa sua fé sobre a verdade objetiva – presença do Deus fiel -, pois sem ela não subsiste na instabilidade da vida (segundo capítulo). O Papa Francisco também afirmou que não se pode crer sozinho. O dom da fé não pode ser guardado para si mesmo, mas realiza-se na comunhão eclesial. Ele precisa ecoar para os outros, em todos os tempos, convidando-os para a mesma alegria da vida nova que brota da fé. É necessária a harmonia entre o creio pessoal e o cremos eclesial. A fé não é transmissão simplesmente doutrinal, mas visa transformar-nos pelo que professamos e celebramos, sobretudo nos sacramentos. Nesse caminho ao encontro do Deus Vivo recebem ainda importância especial na memória da Igreja o Símbolo da Fé, o Pai Nosso e o Decálogo (terceiro capítulo).No quarto e último capítulo da Lumen Fidei o Papa Francisco apresenta a fé como edificação: “Preparação de um lugar onde os homens possam habitar uns com os outros” (LF 50). Deus quer preparar para seu povo uma cidade com alicerces estáveis: “A fé revela quão firmes podem ser os vínculos entre os homens, quando Deus Se torna presente no meio deles” (LF 50). Percebemos que a fé é amiga do ser humano; não afasta do mundo, não visa somente uma cidade eterna, mas torna-se bem comum, com esperança para o futuro: “As mãos da fé levantam-se para o céu, mas fazem-no ao mesmo tempo que edificam, na caridade, uma cidade construída sobre relações que têm como alicerce o amor de Deus” (LF 51).
Na construção da cidade dos homens, a partir da fé, destaca-se primeiramente a família, onde acontece a união estável do homem e da mulher, no matrimônio, que nasce do seu amor, sinal e presença do amor de Deus, capazes de gerar nova vida: “Fundados sobre este amor, homem e mulher podem prometer-se amor mútuo com um gesto que compromete a vida inteira e que lembra muitos traços da fé: prometer um amor que dure para sempre é possível quando se descobre um desígnio maior que os próprios projetos, que nos sustenta e permite doar o futuro inteiro à pessoa amada” (LF 52). A fé acompanha todas as etapas da vida, atraindo para a vocação do amor (LF 53). A fé é também uma luz para vida da sociedade. Na história já se tentou construir fraternidade universal, mas sem Pai comum e não subsistiu: “O homem descobre que Deus quer fazer a todos participar como irmãos da única bênção, que encontra a sua plenitude em Jesus, para que todos se tornem um só” (LF 54). A fé respeita a dignidade das pessoas e olha a natureza como dom. Quando esmorece a fé, esmorecem os fundamentos da vida: “Se tiramos a fé em Deus das nossas cidades, enfraquecer-se-á a confiança entre nós, apenas o medo nos manterá unidos, e a estabilidade ficará ameaçada” (LF 55). Segue ainda uma palavra sobre o sofrimento humano: “O cristão sabe que o sofrimento não pode ser eliminado, mas pode adquirir um sentido: pode tornar-se ato de amor, entrega nas mãos de Deus que não nos abandona... A fé não é luz que dissipa todas as nossas trevas, mas lâmpada que guia os nossos passos na noite, e isto basta para o caminho” (LF 57). O Papa Francisco conclui com bela integração entre as virtudes teologais: “Unida à fé e à caridade, a esperança projeta-nos para um futuro certo, que se coloca numa perspectiva diferente relativamente às propostas ilusórias dos ídolos do mundo, mas que dá novo impulso e nova força à vida de todos os dias. Não deixemos que nos roubem a esperança” (LF 57).
Dom Aloísio A. Dilli - Bispo de Uruguaiana

Aprendamos a olhar-nos uns aos outros sob o olhar materno de Maria



As palavras do papa Francisco pronunciadas na Homilia realizada na Santa Missa durante sua Visita Pastoral a Cagliari

ROMA, 23 de Setembro de 2013 (Zenit.org) - Apresentamos a homilia do Papa Francisco na Santa Missa na praça em frente ao Santuário de Nossa Senhora da Candelária, durante sua Visita Pastoral a Cagliari, Itália, realizada no domingo, 22 de setembro.
Hoje realiza-se aquele desejo que havia anunciado na Praça São Pedro, antes do verão, de poder visitar o Santuário de Nossa Senhora da Candelária.
1. Vim para partilhar com vocês as alegrias e esperanças, esforços e compromissos, ideais e aspirações da vossa ilha, e para confirmar-vos na fé. Também aqui em Cagliari, como em toda a Sardenha, não faltam dificuldades – há tantas – problemas e preocupações: penso, em particular, na falta de trabalho e em sua precariedade, e também na incerteza pelo futuro. A Sardenha, esta vossa bela região, sofre há longo tempo muitas situações de pobreza, acentuadas também pela sua condição insular. É necessária a colaboração leal de todos, com o compromisso das responsabilidades das instituições – também da Igreja – para assegurar às pessoas e às famílias os direitos fundamentais, e fazer crescer uma sociedade mais fraterna e solidária. Assegurar o direito ao trabalho, o direito a levar o pão pra casa, pão ganho com trabalho! Estou próximo a vocês! Estou próximo a vocês, lembro-me de vocês na oração, e vos encorajo a perseverarem no testemunho dos valores humanos e cristãos tão profundamente enraizados na fé e na história deste território e da população. Mantenham sempre acesa a luz da esperança!
2. Vim em meio a vocês para colocar-me convosco aos pés de Nossa Senhora que nos dá o seu Filho. Sei bem que Maria, nossa Mãe, está no vosso coração, como testemunha este Santuário, onde muitas gerações de sardes saíram – e continuam saindo! – para invocar a proteção de Nossa Senhora da Candelária, Padroeira Máxima da Ilha. Aqui vocês trazem as alegrias e os sofrimentos desta terra, de suas famílias, e também daqueles filhos que vivem longe, que muitas vezes partiram com grande dor e nostalgia para procurar um trabalho e um futuro para si e pelos seus entes queridos. Hoje, nós todos aqui reunidos, queremos agradecer a Maria porque está sempre próxima a nós, queremos renovar a ela a nossa confiança e o nosso amor.
A primeira Leitura que escutamos nos mostra Maria em oração, no Cenáculo, junto aos Apóstolos. Maria reza, reza junto à comunidade dos discípulos, e nos ensina a ter plena confiança em Deus, na sua misericórdia. Este é o poder da oração! Não cansemos de bater à porta de Deus. Levemos ao coração de Deus, através de Maria, toda a nossa vida, cada dia! Bater à porta do coração de Deus!
No Evangelho, em vez disso, vemos, sobretudo, o último olhar de Jesus para sua Mãe (cfr Jo 19, 25-27). Da cruz, Jesus olha sua Mãe e lhe confia o apóstolo João, dizendo: este é o teu filho. Em João estamos todos, também nós, e o olhar de amor de Jesus nos confia à proteção da Mãe. Maria tem lembrado um outro olhar de amor, quando era uma moça: o olhar de Deus Pai, que tinha olhado para a sua humildade, a sua pequenez. Maria nos ensina que Deus não nos abandona, pode fazer coisas grandes mesmo com a nossa fraqueza. Tenhamos confiança Nele! Batamos à porta do seu coração!
3. E o terceiro pensamento: hoje vim em meio a vocês, antes viemos todos juntos para encontrar o olhar de Maria, porque ali é como reflexo do olhar do Pai, que a fez Mãe de Deus, e o olhar do Filho na cruz, que a fez nossa Mãe. E com aquele olhar hoje Maria nos olha. Precisamos do seu olhar de ternura, do seu olhar materno que nos conhece melhor que qualquer outro, do seu olhar pleno de compaixão e de cuidado. Maria, hoje queremos dizer-te: Mãe, doa-nos o seu olhar! O teu olhar nos leva a Deus, o teu olhar é um presente do Pai bom, que nos espera a cada passo do nosso caminho, é um presente de Jesus Cristo na cruz, que toma sobre si os nossos sofrimentos, os nossos cansaços, o nosso pecado. E para encontrar este Pai repleto de amor, hoje lhe dizemos: Maria, doa-nos o teu olhar! Digamos todos juntos: “Mãe, doa-nos o teu olhar!”. “Mãe, doa-nos o teu olhar!”.
No caminho, muitas vezes difícil, não estamos sozinhos, estamos em tantos, somos um povo, e o olhar de Nossa Senhora nos ajuda a olharmos entre nós de modo fraterno. Olhemo-nos de modo mais fraterno! Maria nos ensina a ter aquele olhar que busca acolher, acompanhar, proteger. Aprendamos a olhar-nos uns aos outros sob o olhar materno de Maria! Há pessoas que instintivamente consideramos menos e que têm mais necessidade: os mais abandonados, os doentes, aqueles que não têm do que viver, aqueles que não conhecem Jesus, os jovens que estão em dificuldade, os jovens que não encontram trabalho. Não tenhamos medo de sair e olhar para os nossos irmãos e irmãs com o olhar de Nossa Senhora, ela nos convida a sermos verdadeiros irmãos. E não permitamos que algo ou alguém se coloque entre nós e o olhar de Nossa Senhora. Mãe, doa-nos o teu olhar! Ninguém o esconda! O nosso coração de filhos saiba defendê-lo de tantas pessoas que prometem ilusões; daqueles que têm um olhar ávido por vida fácil, de promessas que não podem ser cumpridas. Não nos roubem o olhar de Maria, que é repleto de ternura, que nos dá força, que nos torna solidários entre nós. Todos digamos: Mãe, doa-nos o teu olhar! Mãe, doa-nos o deu olhar! Mãe, doa-nos o deu olhar!
Nostra Segnora ‘e Bonaria bos acumpanzet sempre in sa vida.

A "cultura do desperdício" que o papa denunciou na revista Civiltà Cattolica



Nunca falar do erro, mas procurar sempre o porquê: esta é a verdadeira novidade proposta por Francisco
Por Carlo Bellieni

ROMA, 23 de Setembro de 2013 (Zenit.org) - Alguns interpretaram errado as palavras do papa em sua entrevista à Civiltà Cattolica e já saíram comentando que "o papa abre a Igreja para isso e para aquilo", ou que "o papa não fala mais de bioética". Errado. O papa fala de abraçar aqueles que erram. Mas com o esforço de reconstrução de um "eu" do homem ocidental, destruído e empobrecido, porque seria absurdo apontar o dedo quando o desastre está dentro de nós.
Ele nos abre o coração para ressoarem palavras antigas e uma urgência que já se propunha há tempos: menos leis e mais cultura que fale ao coração. Temos que olhar primeiro para quem faz errar, em vez de olhar para quem está errado. O papa chama essa cultura desastrosa, que nos leva a cometer erros, de "cultura do descarte", e, como bom médico, tenta curar a doença e não apenas os sintomas. Sintomas como a exploração, o abandono, o aborto. A doença é a cultura do descarte, que faz pensar que há pessoas que devem ser jogadas fora. E isso não é um exagero: há filósofos modernos que argumentam que os bebês e as pessoas com deficiência mental não são pessoas. E se há quem descarta alguém, é porque é desse jeito que vive a sociedade ocidental.
O papa não foge das questões éticas: ele as contextualiza. "Não podemos insistir só nas questões do aborto, do casamento gay e do uso de anticoncepcionais. Isto não é possível. Eu não falei muito dessas coisas, e fui repreendido por isso. Mas quando você fala, tem que ser dentro do contexto". E ele dá o exemplo para todos: nunca falar do erro como se fosse um simples fato de maldade que brota como um cogumelo, mas procurar o porquê: há um porquê a ser combatido e há uma pessoa a ser abraçada. Isto é contextualizar. Sem isso, temos uma pastoral missionária "obcecada com a transmissão incoerente de uma multidão de doutrinas impostas com insistência". Nada precisa ser desarticulado, descontextualizado.
Voltando à cultura do descarte, registro aqui a satisfação de ver premiada uma frase minha: “o principal não é a lei, mas a cultura”. Por isso, escrevi alguns anos atrás o livro "A gravidez ecológica", em que, juntamente com químicos e ecologistas, em vez de fazer julgamentos éticos negativos sobre os assuntos, eu apontava o dedo para a cultura ocidental, que gera esterilidade ao adiar a idade fecunda obrigatória e ao dar como única solução a incompleta assistência médica. É por isso que, há anos, eu tenho falado e escrito que o problema a resolver é a "cultura do descarte", em que ninguém aceita a si mesmo nem as diferenças.
Dessa cultura também falaram Zygmunt Bauman e muitos ecologistas: uma cultura que produz descartes humanos e descartes urbanos. Escrevi no Osservatore Romano em 3 de fevereiro: "A sociedade do descarte consome e joga fora, e faz o mesmo com as pessoas, tornando-se auto-destrutiva. E na primeira era em que o homem produz descartes de forma irresponsável, é significativo o alerta de Zygmunt Bauman: além do descarte urbano, a sociedade do consumo produz também o descarte humano, assemelhados pela suposta inutilidade. Sem respeito pela vida, não se ama o meio ambiente nem o bem do homem, e sem um amor que inclua ambiente e escolhas sociais em favor dos necessitados, a defesa da vida é aleijada. A escolha da vida e a escolha do homem caminham de mãos dadas. Não por acaso, laicos e crentes se uniram em diversas lutas contra a manipulação genética e contra o patenteamento de seres vivos; uma união que poderia continuar em muitas outras áreas da vida, da sua alvorada ao seu ocaso. Não é um encontro impossível".
Da condenação da cultura que faz errar, nasce um abraço a todas as periferias: a periferia de quem comete erros e precisa ser resgatado, a de quem é marginalizado por causa da pobreza, mas também a de quem é marginalizado porque resiste e não aceita descartar. A perseguição acontece em nossas escolas, escritórios, hospitais, contra quem se opõe, com as palavras e com os gestos, a um mundo que descarta. Primeiro a cultura, depois as leis, diz o papa. Esta é a ordem lógica. Os primeiros cristãos não começaram fazendo leis, mas fazendo comunidade, fazendo um mundo novo. As leis foram a conseqüência óbvia.
Mas não se engane quem acha que o papa olha com bons olhos para aquilo que ele ainda sabe perdoar.