A Igreja evidencia a submissão da política à ética. Quando isso
não acontece, a política se transforma em ditadura e totalitarismo.
Por Vitaliano Mattioli
- Jesus com as famosas palavras:
“Devolvei a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (MT 22, 21) pôs
fim a um sistema de relação entre o Estado e a Religião (Cesaropapismo) ou
entre a religião e o Estado (Teocracia).
Entre estas duas tendências, Jesus escolheu o sistema de
separação, que não é de oposição, mas de respeito mútuo pelas relativas
responsabilidades.
A palavra ‘política’ desde a cultura da Grécia antiga, tem sido
entendida como "realização do bem comum da cidadania". De acordo com
esta interpretação, pode-se legitimamente afirmar que a política não desfruta
de uma autonomia absoluta, mas sendo uma atividade humana, deve estar dentro
dos parâmetros da ética. É neste sentido que existe uma visão cristã da
política.
Pio XII, em discurso à União Latina de Alta Moda (08 de novembro
de 1957), fez referência também à moral política: "É bem verdade que a
moda, como a arte, a ciência, a política e atividades semelhantes, chamadas
profanas, tem suas próprias normas para atingir os objetivos imediatos para os
quais se destinam; No entanto, o seu sujeito é inevitavelmente o homem, que não
pode prescindir de realizar aquelas atividades tendo em vista o último e
supremo fim ao qual ele mesmo está essencialmente e totalmente ordenado.
Existe, portanto, o problema moral da moda”; por consequência existe o problema
moral da política.
A Igreja, perita em humanidade, como costumava expressar Paulo VI,
formulou a sua Doutrina Social, na qual também lida com a moralidade da política.
Agora, entre os princípios permanentes da doutrina social da
Igreja, que constituem os verdadeiros e próprios gonzos do ensinamento social
católico prevalece o princípio da dignidade da pessoa humana no qual todos os
demais princípios ou conteúdos da doutrina social da Igreja têm fundamento, do
bem comum, da subsidiariedade e da solidariedade.
Estes princípios têm um caráter geral e fundamental, pois que se
referem à realidade social no seu conjunto e porque remetem aos fundamentos
últimos e ordenadores da vida social. Pela sua permanência no tempo e
universalidade de significado, a Igreja os indica como primeiro e fundamental
parâmetro de referência para a interpretação e o exame dos fenômenos sociais,
necessários porque deles se podem apreender os critérios de discernimento e de
orientação do agir social, em todos os âmbitos.
Da dignidade, unidade e igualdade de todas as pessoas deriva,
antes de tudo, o princípio do bem comum, a que se deve relacionar cada aspecto
da vida social para encontrar pleno sentido. Segundo uma primeira e vasta
acepção, por bem comum se entende: “o conjunto de condições da vida social que
permitem, tanto aos grupos, como a cada um dos seus membros, atingir mais plena
e facilmente a própria perfeição” (Gaudium et Spes, n. 26).
Uma sociedade que, em todos os níveis, quer intencionalmente estar
ao serviço do ser humano é a que se propõe como meta prioritária o bem comum. A
pessoa não pode encontrar plena realização somente em si mesma, prescindindo do
seu ser “com” e “pelos” outros.
As exigências do bem comum derivam das condições sociais de cada
época e estão estreitamente conexas com o respeito e com a promoção integral da
pessoa e dos seus direitos fundamentais. Entre estes direitos fundamentais
estão os direitos à vida, a viver uma vida digna dum ser humano, o
trabalho, a liberdade religiosa.
Se o bem comum empenha todos os membros da sociedade, ainda mais
se identifica com o programa do homem político. Não é possível ser ‘homem
político’ sem ter como aspiração a realização do bem comum.
Por isso o bem comum é exatamente o contrario do bem próprio e do
egoísmo. É neste sentido que a Igreja apresenta a atividade política como
diaconía, isto é: serviço.
A responsabilidade de perseguir o bem comum compete, não só às
pessoas consideradas individualmente, mas também ao Estado, pois que o bem comum
é a razão de ser da autoridade política. Na verdade, o Estado deve garantir
coesão, unidade e organização à sociedade civil. O fim da vida social é o bem
comum historicamente realizável.
Estes princípios gerais são expressados em forma clara especialmente
em dois documentos básicos: a constituição conciliar
Gaudium et Spes (7 dezembro 1965) e a “Nota Doutrinal sobre algumas
questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida
política” da Congregação para a Doutrina da Fé (24 novembro
2002).
A Gaudium et Spes no n. 76 fala sobre ‘A comunidade política e a
Igreja’.
Neste n. 76 são enunciados alguns princípios básicos de grande
importância.
Primeiro: “A Igreja que, em razão da sua missão e competência, de
modo algum se confunde com a sociedade nem está ligada a qualquer sistema
político determinado, é ao mesmo tempo o sinal e salvaguarda da transcendência
da pessoa humana”.
Segundo: “No domínio próprio de cada uma, comunidade política e
Igreja são independentes e autônomas. Mas, embora por títulos diversos, ambas
servem a vocação pessoal e social dos mesmos homens”.
Terceiro: “O homem não se limita à ordem temporal somente”.
Quarto: ‘É certo que as coisas terrenas e as que, na
condição humana, transcendem este mundo, se encontram intimamente ligadas; a
própria Igreja usa das coisas temporais, na medida em que a sua missão o exige.
[...] Ela não coloca a sua esperança nos privilégios que lhe oferece a
autoridade civil”.
Quinto: “Sempre lhe deve ser permitido pregar com verdadeira liberdade
a fé; ensinar a sua doutrina acerca da sociedade; exercer sem entraves a
própria missão entre os homens; e pronunciar o seu juízo moral mesmo acerca das
realidades políticas”.
Com estes princípios a Igreja reivindica a sua autonomia do
Estado, a trascendência do ser humano, reafirma a moralidade da atividade
política.
Em seguida a Igreja escreveu uma Nota em forma ainda mais
explícita. Nesta reafirma o primado da pessoa humana, a sua dignidade e
declara que o fim da atividade política deve ser a busca do bem comum.
Além disso, evidencia as características do político
católico. Ele deve saber que a sua pertença a um partido não pode ser
superior à sua pertença à Igreja e que cada expressão legislativa não pode ser
a última referência normativa. Se assim não fosse, pode-se chegar a um
absurdo: isto é, que alguns homens, com as leis, possam atribuir a si o direito
de estabelecer os confins entre o bem e o mal.
Defende também a verdadeira laicidade do Estado, pressuposto
fundamental para que o político crente possa expressar a si mesmo em
conformidade à sua consciência, e se opõe quando a laicidade se transforma em
ideologia.
Agora prefiro citar algumas expressões mais significativas.
“Os fiéis leigos desempenham também a função que lhes é
própria de animar
cristãmente a ordem temporal (n. 1).
“A liberdade política não é nem pode ser fundada sobre a
ideia relativista, segundo a qual, todas as concepções do bem do homem têm a
mesma verdade e o mesmo valor, mas sobre o fato de que as atividades políticas
visam, vez por vez, a realização extremamente concreta do verdadeiro bem humano
e social, num contexto histórico, geográfico, econômico, tecnológico e cultural
bem preciso. [...] Se o cristão é obrigado a admitir a legítima multiplicidade
e diversidade das opções temporais, é igualmente chamado a discordar de uma
concepção do pluralismo em chave de relativismo moral, nociva à própria vida
democrática, que tem necessidade de bases verdadeiras e sólidas, ou seja, de
princípios éticos que, por sua natureza e função de fundamento da vida social,
não são “negociáveis. [...] A estrutura democrática, sobre que
pretende construir-se um Estado moderno, seria um tanto frágil, se não tiver
como seu fundamento a centralidade da pessoa (n. 3).
“Não é consentido a nenhum fiel apelar para o princípio do
pluralismo e da autonomia dos leigos em política, para favorecer soluções que
comprometam ou atenuem a salvaguarda das exigências éticas fundamentais ao bem
comum da sociedade. Por si, não se trata de ‘valores confessionais’, uma vez
que tais exigências éticas radicam-se no ser humano e pertencem à lei moral
natural” (n. 5).
Esta é a visão política da Igreja que emerge analisando
os seus documentos. Ela não pede privilégios para si mesma. A única
preocupação é de trabalhar para o bem comum da humanidade e de defender o valor
absoluto e primário da pessoa humana. Por isso a Igreja evidencia a
submissão da política à ética. Quando isso não acontece, a política se
transforma em ditadura e totalitarismo. A atividade política não
está mais a serviço do homem, mas se transforma num grande seu inimigo, como
infelizmente a história do século passado pode testemunhar.