sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Ganhar a vida


Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará (PA)

"Feliz quem teme o Senhor e segue seus caminhos. Viverás do trabalho de tuas mãos, viverás feliz e satisfeito" (Sl 127, 1). Deus nos criou como participantes e responsáveis pela vida, a natureza e o mundo. Olhar em torno de nós é encontrar-nos em casa e nos dispormos a edificar com serenidade o lar comum, com as peças da fraternidade e da solidariedade. Segundo o plano do Senhor, temos as condições para realizar tal tarefa, ainda que, com inquietante frequência, nossas ações pareçam justamente destruir a obra de Deus e de tantas gerações. É que convivemos com o doloroso mistério do pecado, cuja presença já as primeiras páginas da Bíblia constataram. Desde o princípio, parece que apraz à humanidade fazer o jogo da violência, como crianças e adolescentes em brincadeiras eletrônicas, tantas delas montadas em plataformas de destruição recíproca. Incrível é ver quantos marmanjos de idade ou estatura avançada se dediquem a tais "retratos da vida"!

Ao formar seus discípulos, Jesus lhes propõe um jogo diferente (Cf. Mt 16, 21-27), cujas peças têm nomes que se tornam caminhos de realização e de salvação (Cf. Mt 16, 24-25). Primeira delas é "Se alguém quer", para dar o segundo passo que é "seguir". A terceira é "renuncie a si mesmo" e quarta é "tome a sua cruz". Regra do jogo é "quem perder a sua vida por causa de mim vai encontrá-la".
Deus nos ofereceu o precioso dom da liberdade, dando-nos a possibilidade de nos comprometer com o seu plano. Os objetivos escolhidos na vida estabelecem os rumos a serem percorridos. Quem começa mal, escolhendo metas limitadas, já compromete a corrida da existência. Não fomos feitos apenas para ter casa própria, bom emprego, carro novo, muito dinheiro no banco. Deixemos que o Senhor nos pergunte sobre o que queremos efetivamente! Ideal digno dos homens e mulheres que Deus criou e que somos nós, é justamente aquele que foi descrito nas primeiras páginas da Sagrada Escritura (Cf. Gn 1-2): Deus reconhecido como Criador e Pai de todos, homens e mulheres feitos à sua imagem, com inteligência e liberdade, a fraternidade e o senhorio em relação à criação. Poucas palavras que refletem o plano de Deus. Para entrar no jogo da vida, saber decidir!
Renunciar a si mesmo! Trata-se de mudar o eixo da existência, quando os impulsos da natureza pedem acúmulo de bens e afetos. A maturidade humana efetiva só pode acontecer quando um homem ou uma mulher alcançam esta altitude. Muitas pessoas só conseguirão dar este passo nos instantes derradeiros da existência nesta terra, quando tiverem que se desapegar de tudo, pois deverão apresentar-se diante do Criador. É melhor antecipá-lo! É mais saudável viver não para si, mas para Deus e o próximo, e não são poucos os exemplos de gente que soube fazer esta mudança.
A decisão do cristão comporta o seguimento. A palavra "discípulo" indica a escolha feita, quando se escolhe ir atrás de alguém, com coração e ouvido aberto, pronto a pisar no mesmo rastro daquele que foi reconhecido como mestre. E como não faltam mestres entre as muitas companhias que nos são oferecidas pelo caminho, a proposta é escolher Jesus: "Deu-me o Senhor Deus uma língua habilidosa para que aos desanimados eu saiba ajudar com uma palavra. Toda manhã ele desperta meus ouvidos para que, como bom discípulo, eu preste atenção. O Senhor Deus abriu-me os ouvidos, e eu não fiquei revoltado, para trás não andei" (Is 50, 4-5).
Os discípulos chamados pelo Senhor Jesus tiveram surpresas. Uma delas, que assustou de forma especial aquele que tinha sido declarado "Pedra" (Cf. Mt 16, 21-23), foi a Cruz. Carregá-la com disposição é regra de jogo na vida cristã. Não se engane quem quer empreender esta estrada, mas decida-se a abraçá-la. Tomar a cruz não significa cultivar um gosto doentio pelo sofrimento ou os muitos incômodos da vida, pois a dor sozinha não gera frutos. Cruz significa transformar, como escolha livre, todos os atos da existência em amor a Deus e ao próximo, saindo de si mesmo para fazer o bem. Quer dizer encontrar o caminho diário da salvação, olhando para o alto, no amor a Deus, e abrir os braços no amor ao próximo. Na confluência dos dois amores se eleva a cruz e esta vem a ser abraçada e não arrastada.
A regra de vida a ser acolhida pelo cristão e proposta a todas as pessoas que desejam a felicidade autêntica é assim descrita por Jesus, num encontro que desencadeou nova etapa na vida de seus discípulos. É que a novidade era tão grande que o Senhor precisou acompanhá-los bem de perto, aproveitando as lições do caminho a ser percorrido, para aprenderem o jeito novo de viver (Cf. Mc 8, 1 - 10, 52).
"Tu me seduziste, Senhor, e eu me deixei seduzir! Foste mais forte do que eu e me subjugaste! Tornei-me a zombaria de todo dia, todos se riem de mim. Sempre que abro a boca é para protestar! Vivo reclamando da violência e da opressão! A palavra de Deus tornou-se para mim vergonha e gozação todo dia. Pensei: ‘Nunca mais hei de lembrá-lo, não falo mais em seu nome!’ Mas parecia haver um fogo a queimar-me por dentro, fechado nos meus ossos. Tentei aguentar, não fui capaz" (Jr 20, 7-9). Quando tantos podem pensar que as regras propostas por Deus não atraiam, eis que muita gente se dispõe a seguir o Senhor, aceitando passos do jogo da vida que parecem absurdas. No entanto, são elas o caminho da felicidade verdadeira! O contato com Deus, visto inclusive pelos profetas como verdadeira sedução atrai as pessoas. Que mais pessoas aceitem este jogo, no qual a vitória é certa, pois as partes envolvidas são o Céu e a Terra. Deus ama a humanidade e a faz parceira na construção de um mundo diferente! "Quem quiser salvar sua vida a perderá; e quem perder sua vida por causa de mim a encontrará. De fato, que adianta a alguém ganhar o mundo inteiro, se perde a própria vida?" (Mt 16, 25-26).

Ser catequista





Dom Canísio Klaus Bispo de Santa Cruz do Sul (RS)

O mês de agosto termina com a celebração da vocação de Catequista. Ela se origina da vocação comum de todos os batizados, razão pela qual é exercida por bispos, padres, religiosos, religiosas, leigos e leigas. Mais do que isso, conforme o Diretório Geral da Catequese, ela é “compromisso da comunidade”, sem a qual não acontece iniciação cristã. “Assim a ação catequética torna-se uma mútua responsabilidade, uma fonte de troca de experiências e de crescimento entre os catequistas e a comunidade cristã”.

Os pais, “pelo sacramento do Matrimônio recebem a graça e a responsabilidade de serem os primeiros catequistas”. São eles que devem dar os primeiros passos na educação da fé dos filhos. Com boa base familiar, o processo posterior da catequese se torna muito mais fácil. Já quando falta a base da família, o processo se torna missão muito ingrata.
Como bispo, tenho consciência que sou o primeiro responsável pela catequese na Diocese. Da mesma forma o primeiro responsável pela catequese na paróquia é o pároco. Porém, para podermos concretizar esta responsabilidade, precisamos de colaboradores. E são estes colaboradores que, ordinariamente, chamamos de “catequistas”. Em sua maioria são leigas e leigos das comunidades. Por vezes são também religiosas e religiosos inseridos na pastoral. São eles que tomam a peito a tarefa de continuar a iniciação cristã de crianças, adolescentes, jovens e adultos, encaminhados pelas famílias.
Para bem cumprir com a sua missão, “é fundamental que o catequista vivencie seu ministério como uma vocação e missão privilegiadas. Sem dúvida, trata-se de um dom de Deus, mas que precisa ser bem acolhido e cultivado com a ajuda de todos os meios possíveis que subsidiem o seu crescimento na fé, na esperança, no amor, na competência em conteúdos, pedagogia e especialmente em espiritualidade” (Estudos da CNBB, 97).
Reconhecemos que, nem sempre, o trabalho dos catequistas é valorizado assim como poderia e deveria ser. Muitos pais não estão cientes do quanto de tempo um catequista precisa dedicar para bem cumprir com sua função. Também temos muitas comunidades onde a catequese não tem a atenção que mereceria ter. O mesmo vale para algumas paróquias, onde catequistas não tem apoio para a sua formação e não encontram ambiente físico e recursos materiais adequados para o trabalho.
Convido, pois, todas as pessoas a assumirem a sua função de catequistas. Ao mesmo tempo agradeço às pessoas que fazem da catequese o seu principal trabalho dentro da Igreja. Na Diocese de Santa Cruz do Sul, contabilizamos mais de mil destes catequistas. São eles que preparam crianças, adolescentes, jovens e adultos para os sacramentos da iniciação cristã, particularmente os sacramentos da eucaristia e da confirmação. Que Deus, por intermédio de São José de Anchieta, o padroeiro dos catequistas, a todos abençoe e ilumine.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

O que agrada a Deus





Dom Eurico dos Santos Veloso
Arcebispo Emérito de Juiz de Fora (MG)
São Paulo convida a comunidade cristã a responder no dia-a-dia aos apelos da misericórdia divina. O amor de Deus tomou conta de todos, judeus e pagãos. A resposta do cristão não pode ser outra a não ser a do amor.

A exortação é feita “pela misericórdia de Deus”. Portanto, o apelo que Paulo lança aos cristãos de Roma é feito com base nessa misericórdia divina que tomou a iniciativa de anistiar a todos por amor.
Como agradecer a esse amor? No Antigo Testamento, de modo geral, a gratidão se manifestava através dos sacrifícios (animais) oferecidos a Deus. A grande novidade que Paulo, repetindo Jesus, introduz é esta: não mais sacrifícios externos, mas o nosso corpo é o sacrifício vivo, santo e agradável a Deus. Este é o culto espiritual dos cristãos.
O corpo humano é o centro das relações com Deus, com as pessoas e com as coisas. Em outras ocasiões, Paulo já havia insistido no aspecto do corpo enquanto presença de Deus e do Espírito. Com essa nova realidade, desaparece o antigo culto baseado no templo, sacrifícios e sacerdócio. Cada cristão é, ao mesmo tempo, sacerdote, oferta e templo, oferecendo a si próprio como único sacrifício que Deus aceita.
Essa é a grande meta do ser cristão. Mas o ideal não é algo que possa ser alcançado fugindo da realidade que nos cerca. Paulo sabe disso e sabe também que ser cristão é não se conformar com os modelos deste mundo.
Por que os cristãos são convocados ao não conformismo? Porque, não raro, as estruturas da sociedade são marcadas pelo descompromisso com a justiça e o projeto de Deus. Resultado desse descompromisso são a exploração, os abusos e as manipulações, exatamente como acontecia na Roma antiga e como acontece hoje no meio de nós. E, não se espantem, como diz com vigor o Papa Francisco: muitas pessoas dentro da Igreja, da própria hierarquia, manipula informações, difama os que são mais capacitados, oprime em nome de Deus e da própria Santa Sé, sempre se escondendo por detrás de Roma para esconder a sua mediocridade ou mesmo a maldade que está por detrás de suas perversidades. A estes verdadeiros psicopatas e pais da injustiça o castigo divino será aterrador.
O não conformismo não é somente critica da injustiça, mas, sobretudo compromisso de transformação comunitária. Isso demonstra que o projeto de Deus requer discernimento constante para distinguir entre o que leva à vida e o que conduz à morte.
A vontade de Deus se torna clara à medida que lutamos por aquilo que suscita, promove e sustenta a vida. Esse é o sacrifício que agrada a Deus.

Santa Mônica e Santo Agostinho

Dom Fernando Arêas Rifan

Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney (RJ)

Dois santos admiráveis celebramos nessa semana: Santa Mônica (dia 27) e Santo Agostinho (dia 28), do século IV. Aurélio Agostinho nasceu em Tagaste, na Região de Cartago, na África, filho de Patrício, pagão, e Mônica, cristã fervorosa. Segundo narração dele próprio, Agostinho bebeu o amor de Jesus com o leite de sua mãe. Infelizmente, porém, como acontece muitas vezes, a influência do pai fez com que se retardasse o seu batismo, que ele acabou não recebendo na infância nem na juventude. Estudou literatura, filosofia, gramática e retórica, das quais foi professor. Afastou-se dos ensinamentos da mãe e, por causa de más companhias, entregou-se aos vícios. Cometeu maldades, viveu no pecado durante toda a juventude, teve uma amante e um filho, e, pior, caiu na heresia gnóstica dos maniqueus, para os quais trabalhou na tradução de livros.
Sua mãe, Santa Mônica, rezava e chorava por ele todos os dias. “Fica tranquila”, disse-lhe certa vez um bispo, “é impossível que pereça um filho de tantas lágrimas!” E foi sua oração e suas lágrimas que conseguiram a volta para Deus desse filho querido transviado.
Agostinho dizia-se um apaixonado pela verdade, que, de tanto buscar, acabou reencontrando na Igreja Católica: “ó beleza, sempre antiga e sempre nova, quão tarde eu te amei!”; “fizestes-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração está inquieto, enquanto não descansa em Vós!”: são frases comoventes escritas por ele nas suas célebres “Confissões”, onde relata a sua vida de pecador arrependido.
Transferiu-se com sua mãe para Milão, na Itália. Dotado de inteligência admirável, a retórica, da qual era professor, o fez se aproximar de Santo Ambrósio, Bispo de Milão, também mestre nessa disciplina. Levado pela mãe a ouvir os célebres sermões do santo bispo e nutrido com a leitura da Sagrada Escritura e da vida dos santos, Agostinho converteu-se realmente, recebeu o Batismo aos 33 anos e dedicou-se a uma vida de estudos e oração. Ordenado sacerdote e bispo, além de pastor dedicado e zeloso, foi intelectual brilhantíssimo, dos maiores gênios já produzidos em dois mil anos da História da Igreja. Escreveu numerosas obras de filosofia, teologia e espiritualidade, que ainda exercem enorme influência. Foi, por isso, proclamado Doutor da Igreja. De Santo Agostinho, disse o Papa Leão XIII: “É um gênio vigoroso que, dominando todas as ciências humanas e divinas, combateu todos os erros de seu tempo”. Sua vida demonstra o poder da graça de Deus que vence o pecado e sempre, como Pai, espera a volta do filho pródigo. 
Sua mãe, Santa Mônica, é o exemplo da mulher forte, de oração poderosa, que rezou a vida toda pela conversão do seu filho, o que conseguiu de maneira admirável. Exemplo para todas as mães que, mesmo tendo ensinado o bom caminho aos seus filhos, os vêm desviados no caminho do mal. A oração e as lágrimas de uma mãe são eficazes diante de Deus. E a vida de Santo Agostinho é uma lição para nunca desesperarmos da conversão de ninguém, por mais pecador que seja, e para sempre estarmos sinceramente à procura da verdade e do bem.


terça-feira, 26 de agosto de 2014

O olhar do Pai sobre o mundo




Dom Murilo S.R. Krieger
Arcebispo de São Salvador da Bahia (BA) e Primaz do Brasil

Preocupado em ajustar a barra de ferro em seu devido lugar, o operário pouco reparou no grupo de pessoas que, da calçada, observava seus gestos. A presença de curiosos era, aliás, uma constante, desde que iniciara seu trabalho naquele viaduto da Avenida Paralela. O que fazia poderia parecer insignificante para muitos; amanhã ninguém mais se lembraria do que ele estava conseguindo realizar naquela hora. E, mesmo agora, não estariam a observá-lo, se não estivessem esperando o próximo ônibus. Ele executava a parte que lhe coubera naquele dia, sem ter a mínima pretensão de entrar para a História. Mas não conseguia esconder a alegria por fazer tudo bem feito. Estava tão concentrado em seu trabalho que nem pensava mais no pedido da mulher, ao sair de casa, pela manhã: “Não se esqueça do remédio para a gripe do Luizinho!” O próprio Luizinho tinha ficado um pouco esquecido. Se não executasse bem aquele serviço, tudo teria de ser refeito. A reclamação do responsável seria inevitável – mas não era isso que o que mais o preocupava. Queria, sim, fazer tudo da melhor forma possível. Jamais se esqueceria das lições de seu pai. Como é mesmo que ele lhe dizia, quando ainda trabalhavam juntos? “O mais importante não é o que a gente faz, mas a alegria de fazer tudo bem feito!” Estava convicto de que nunca se esqueceria daquela lição paterna...

Passou um táxi. O motorista olhou para a construção do viaduto com a mesma indiferença com que olhara antes a batida de dois ônibus, a criança que atravessara a rua correndo e os edifícios da avenida. Depois de catorze horas dentro do carro, não havia mesmo disposição para ver muita coisa. Tudo era igual. Quantas pessoas já levara naquele dia?... O que já tinha andado não estava escrito em lugar nenhum. Que passageiro curioso, o último que conduzira! Fazia uma pergunta atrás da outra. E quando ele ia responder, já ouvia uma nova pergunta. Parecia meio nervoso. Parecia, não: estava mesmo. Quem ainda não tinha levado, desde a madrugada, quando começara o seu dia? Só faltava mesmo o Papa... Mas o quê! Nunca iria levar o Papa... Nossa, como é que estava pensando numa coisa dessas? O melhor mesmo era não pensar. Ainda mais que estava cansado. Devia, sim, ir para casa dormir. Na madrugada seguinte, teria de começar tudo de novo. Começava a chover. Assim, fez de conta que não notou o homem de pasta preta que lhe fazia sinal para que parasse. Ele que pegasse outro táxi. Com o cansaço que começava a dominá-lo, seria arriscado continuar levando as pessoas de um lado para outro...
Ufa! Finalmente! Mais um pouco e o jeito seria voltar para o escritório. O Banco estaria fechado e seria inútil ir até lá. A complicação que iria dar, então, não era bom nem pensar. Bem que estava na hora de aprender a controlar melhor suas compras; não necessitaria, então, ficar negociando o pagamento de seus débitos. Precisava pensar, também, no relatório que deveria entregar a seu chefe no dia seguinte. Estava atrasado e teria de terminá-lo à noite, em casa. Que a mulher o compreendesse. Também ele não gostava de fazer trabalhos em casa. Mas, o que fazer? Se fizesse só o que gostaria, não estaria ali, naquela hora, metido no meio daqueles carros que não andavam...
Uma jovem vendia flores perto da sinaleira. Até que ela não podia reclamar daquele dia. Mas se conseguisse vender um pouco mais do que vendera no dia anterior, poderia comprar a sandália que vira na vitrine de uma loja dias antes. Com o trânsito ruim e os carros parados, melhor para ela, que tinha condições de oferecer para mais gente as rosas que trazia. O sinal abriu e os carros partiram. Tinha que sair logo do meio deles, antes que um carro a pegasse...
O operário ajustou, finalmente, a barra de ferro. O motorista, ao chegar a casa, comeu alguma coisa, deitou-se e adormeceu. O advogado chegou a tempo ao Banco. A jovem conseguiu vender até mais flores do que imaginara.
O Pai do céu acompanhou os passos e os pensamentos de cada um de seus filhos e filhas. E os abençoou...

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Seguir a Cristo: o que é?



Dom Gil Antônio Moreira

Arcebispo de Juiz de Fora (MG)

Os relatos dos Santos Evangelhos revelam que os apóstolos e discípulos ouviam dos lábios de Cristo um chamado específico, límpido e inequívoco: “segue-me” (cf. Lc 9, 59). A partir do “sim” dos que nele inicialmente creram , o convite vem se repetindo na longa viagem que a humanidade faz na história, dando continuidade à esplendorosa obra de Cristo. Entre milhares, citem-se vocacionados que deram seu sim ao Senhor da vida, como Policarpo de Esmirna (séc.II), Irineu de Lion (séc.II), Cirilo de Alexandria (séc.IV), Inês, Cecília (séc.IV), Ambrósio, Agostinho (séc. IV e V); Bento de Núrcia (séc. VI), Gregório Magno (séc. VII). Para não alongar, destaquem-se ainda os nomes de Bernardo de Claraval (séc. XII), Francisco de Assis (séc. XIII), Catarina de Sena (Séc. XV), Teresa de Ávila (séc.XVI), Vicente de Paulo (séc.XVII), Frei Galvão (séc. XVIII), João Maria Vianey (séc. XIX), Inhá Chica (séc.XIX), Edite Stein, João XXIII, João Paulo II, Irmã Dulce (séc.XX), e tantos outros que foram agraciados com o mesmo apelo do Senhor.

Fico pensando: entre nós, nesta região da Zona da Mata Mineira, quantos sacerdotes santos, quantas jovens e senhoras de nossas paróquias e comunidades, quantos leigos e leigas já deram resposta altamente positiva a este segredo de amor e de confiança do Senhor! Muitos já vivem hoje na Jerusalém celeste e intercedem, imersos em Cristo, por nós que caminhamos neste mundo, ávidos por acertar a estrada, dispostos a servir a Deus da forma melhor que alcançarmos.
Porém, o que significa seguir a Cristo?
Tal indagação pode ser respondida através das Sagradas Escrituras, como por exemplo, o trecho de São Lucas em seu capítulo nove quando narra o chamado dos primeiros discípulos e dá-lhes instruções práticas para a “sequela Christi”. Deduz-se, em primeiro lugar, que Jesus, embora pudesse salvar o mundo sem a participação dos seres humanos, não quis fazê-lo desta forma, mas desejou a sua participação efetiva. Ele, contudo, não esconde aos seus discípulos a radicalidade que isto representa, pois podem advir incompreensões, rejeições, preconceitos religiosos e outros obstáculos. Falta de conforto para a viagem, desapego de qualquer recompensa humana ou material, eis algumas das exigências da missão.
Momento importante para o discípulo é o de decidir diante de tais situações e eventuais provocações. Para se saber qual teria sido a reação de Jesus diante destes fatos, é bom examinar qual foi a reação dos apóstolos diante da desfeita que os samaritanos praticaram contra Jesus, não o recebendo, por preconceito religioso, em suas casas (Lc.9, 53). À ocasião, enquanto os discípulos queriam pedir fogo do céu para eliminá-los, a reação de Jesus foi bem outra, repreendendo amorosamente o seu grupo. Eis uma grande lição muito própria para o mundo hodierno, tão cheio de propaganda religiosa, de tantos radicalismos intolerantes, como os que se podem ver no Iraque por estes dias, que assustam os homens e as mulheres do século XXI. Ao responder os variados chamados do Senhor para segui-lo, pode-se, com todo o direito, elevar graças ao Senhor Deus por nos ter enviado Jesus na história, pois ele ensina a perdoar, em vez de condenar; de responder o mal com o bem, em vez de vingar; a viver a lei do amor, em vez de beber o veneno do ódio e a lutar para que tais atitudes desapareçam do coração humano e dos governos deformados. Que Deus, a quem procuramos servir e amar, nos ilumine para descobrirmos como agir para por fim a esta violência.
No trecho citado de Lucas, o Senhor dá também a lição da urgência: deixar que os mortos enterrem seus mortos; preocupar-se com a missão de anunciar a vida, pois ela está ameaçada; propagar a salvação, pois ela anda agredida; anunciar e celebrar os santos mistérios do Senhor, pois a santidade é desprezada por tantos. Tem-se pressa. Não se pode deixar para depois.
Aos que se dispõem a segui-lo na vida consagrada, Jesus pede a radicalidade em relação à família, não desprezando os pais e familiares, mas dando prioridade à missão provinda de Deus. Pelo celibato, oferecem-se inteiramente, renunciando a formar um lar, para abraçar de forma total e confiante a nova família que é a de Deus, recusando-se a “pôr a mão no arado e olhar para traz” (cf. Lc 9, 63).
Inquietudes podem aparecer para quem o seguir, como para Jeremias que disse “sou muito novo” ou como para Paulo, “sou muito fraco”, porém a Palavra é consoladora: “Eu estou contigo”, disse Deus ao Profeta. A resposta de Paulo é confortadora: “Tudo posso naquele que me dá força” (Fil. 4,13)!

Quem é Jesus?


Dom Eurico dos Santos Veloso
Arcebispo Emérito de Juiz de Fora (MG)
Jesus é o Messias, aquele que se pôs a serviço do Pai para comunicar a vida. Seu projeto é realizar o desejo do Pai, que é fazer-nos conquistar a salvação. Os que assumem com Ele esse projeto recebem o poder de ligar-desligar, isto é, de provocar um julgamento em torno do que favorece ou impede a vida. Esse poder delegado, em aberto conflito com as forças da morte, se traduz em serviço para o bem comum.

Simão Pedro atreve-se a colocar um nome em Jesus, a dizer-lhe quem Ele é, a defini-lo: “Tu és o Messias, o filho de Deus vivo!”
Mas, o que significam essas palavras? O que é que elas significaram para Pedro? Podemos supor que Messias recordava a Pedro as velhas histórias de libertação de seu povo. Para um povo como o judeu, que vivia, naquela época, sob a dominação romana, libertação não poderia ter outro sentido que o de libertação política. Finalmente, Deus se manifestava claramente a favor de seu povo. Isto não significa que Pedro sentisse ódio pelos romanos, mas não seria uma legítima aspiração a busca da liberdade tanto das pessoas como dos povos?
Ao dizer que Jesus era o Messias, Pedro estava expressando a sua fé em um Deus libertador, um Deus que apoiava a liberdade do seu povo para tomar as suas próprias decisões e ser, assim, dono de seu destino.
Pedro, no entanto, disse também que Jesus era “o filho de Deus vivo” Ele não tinha clareza sobre o significado de Filho de Deus. Provavelmente, o que Pedro procurou sublinhar foi a especial relação que percebia entre Jesus e Deus, aquele a quem Jesus chamava de seu Abá, seu Papai. Tratava-se de uma relação especial de amor, de carinho e de mútua entrega. Mas, além disso, Pedro diz que Jesus é o Filho de Deus vivo. Esta é outra informação importante para ser assinalada. A vida é o que nós, humanos, temos de melhor. É, possivelmente a única coisa que temos. Quando pensamos em Deus, pensamos na vida, mas não na nossa, sempre cercada pela morte, mas na vida plena, para sempre verdadeira. Jesus é o Filho de Deus vivo porque, desta maneira, Pedro o via. Era capaz de comunicar a vida aos que estavam ao seu redor, aos que encontrava, a seus amigos.
No final, Pedro confessou que Jesus preenchia totalmente suas expectativas de libertação e de vida, que em Jesus encontrava uma oportunidade de sair desse círculo fatal de escravidão e morte em que nós nos vemos envoltos.
Perguntemos a nós mesmos: Será que já refletimos sobre isto? Cabe a cada um de nós refletir e colocar Jesus no seu devido lugar em nossa vida.