Palavras escritas com o sangue dos mártires do século XX e XXI
Por Robert Cheaib
ROMA, 01 de Abril de 2014 (Zenit.org) -
As palavras do título são da luminosa
figura do século XX, o irmão universal, Charles de Foucauld, que foi morto pelos
muçulmanos aos quais se dedicou com heroica generosidade de presença. Isso
mostra que o seu martírio, provavelmente um erro humano, não o pegou
desprevenido! Ele escreveu: " “Que nosso único tesouro seja Deus, que nosso
coração pertença completamente a Deus, tudo em Deus, tudo por Deus! Somente Ele!
Sejamos vazios de tudo, tudo quanto foi criado, desapegados mesmo dos bens
espirituais, mesmo das graças de Deus, vazios de tudo para poder sermos
inteiramente repletos de Deus”. As palavras do Irmão Charles nos mostra o
verdadeiro significado do martírio, não como um momento trágico, mas como
existência ‘Teodramática’ , como único verdadeiro caso real e sério.
Pensamento semelhante é o de Abraham Joshua Heschel: "Há apenas um problema
real e sério, o do martírio. Trata-se da questão: existe algo tão valioso pelo
qual vale a pena viver, algo grande o suficiente pelo qual vale a pena morrer?
Podemos viver a verdade apenas se tivermos a força para morrer por ela". Estas
palavras não nascem em um momento de retórica inflamada, que o pregador sente
nas veias de vez em quando. Surgem a partir da experiência de um grande homem,
um rabino que foi deportado para um campo de concentração dentro de um vagão de
gado.
Vale a pena viver por algo que vale a pena morrer. Palavras fortes,
exigentes, que talvez tenha o direito de dizer apenas aqueles que se encontram
realmente diante de uma única opção e a escolhe com coragem. E quantos cristãos,
de todas as denominações, viveram a verdade dessa afirmação no século XX (século
em que morreram mais cristãos do que nos 19 precedentes)? O sangue dos mártires
é a semente de cristãos. O Papa João Paulo II nos faz recordar que as chamadas
“concessões" do Imperador Constantino garantiram o desenvolvimento da Igreja,
mas foram as “sementes plantadas pelos mártires e o patrimônio de santidade" que
marcaram as primeiras gerações de cristãos” .
E mesmo assim, sobre o martírio sempre ocorre alguns “clichês”, fomentados
pela última onda de Kamikaze do islamismo fundamentalista. O martírio cristão é
outra coisa. Não é uma escolha de morte, mas uma escolha de vida, da Vida. Não é
uma escolha contra, mas uma escolha por algo. Nos recorda o biblista Bruno
Maggioni: "o mártir não escolhe a morte, mas um modo de viver, o de Jesus".
Na mesma linha, o gênio literário de T.S. Eliot fala do conceito cristão do
martírio de Dom Thomas Becket, em sua última homilia antes de seu martírio: "Um
mártir, um santo, é constituído por um desenho de Deus, de seu amor pelos
homens, para alertá-los e guia-los, para reconduzi-los para o seu caminho. O
martírio nunca é o desenho de um homem; porque o verdadeiro mártir é aquele que
se tornou um instrumento de Deus, que perdeu a sua vontade na vontade de Deus:
não perdida, mas encontrada, pois encontrou a liberdade na submissão a Deus. O
mártir já não deseja nada para si, nem mesmo a glória do martírio".
O martírio é o caso que nos lembra que não existe fé "low cost" (Papa
Francisco), exprime uma conformação a Cristo na vida e na morte. Nem sempre a
morte é a morte do corpo. Às vezes, é o martírio das circunstâncias, o martírio
de uma doença, da solidão vivida com e por amor. O mártir de hoje também pode
ser, como bem explica Timothy Radcliffe,"um professor que fica acordado até
tarde para preparar a aula do dia seguinte, ou apenas alguém que se preocupa em
sorrir para quem está cansado, exausto. Pode ser dizer com sinceridade o que
pensa, mesmo que isso possa arruinar sua carreira ou fazer perder o
trabalho".
O livro de Gerolamo Fazzini, em italiano, Scritte com il Sangue. Vita e
parole di testimoni dela fede del XX e XXI secolo, reúne testemunhos, em
primeira pessoa, de mais de 100 testemunhas, a maioria católicos, mas não
apenas, porque o martírio é uma das dimensões do ecumenismo espiritual doada
pelo Espírito a todos os cristãos. Não faltam exemplos de figuras não-cristãs,
como a do hindu Gandhi, a judia Etty Hillesum e o muçulmano argelino Said Mekbel
.
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