domingo, 30 de março de 2014

Não é possível manter conceitos como "não praticante"



Reflexões de Dom Alberto Taveira, Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará.
Por Dom Alberto Taveira Corrêa

BELéM DO PARá, 28 de Março de 2014 (Zenit.org) -

 "Desperta, tu que dormes, levanta-te dentre os mortos e sobre ti Cristo resplandecerá" (Ef 5, 14). A luz e o dia que vencem a escuridão são imagens que perpassam as culturas e as épocas, presentes também em várias concepções da vida humana em diversas religiões. Também a Sagrada Escritura recorre com frequência a esta polarização entre a luz e as trevas, como apresenta a Igreja durante estes dias de Quaresma.
A Igreja vive uma estação claramente catecumenal, proporcionando aos que já são batizados acompanharem os irmãos e irmãs que serão batizados na Vigília Pascal e renovarem seus compromissos. Neste percurso formativo, todos os cristãos são convidados a se confrontarem com Cristo, Água viva que sacia a humanidade, Luz do Mundo, vencedor das trevas do pecado, Cristo, Ressurreição e vida. Na presente etapa, o convite é dirigido a todas as pessoas que querem deixar-se tocar por Jesus, acompanhados por um certo cego de nascença, na narrativa esplendorosa do Evangelho de São João (Jo 9, 1-38). Jesus realiza uma obra nova, recria o cego, que alcança o ponto mais alto de sua existência: "Quando Jesus o encontrou, perguntou-lhe: 'Tu crês no Filho do Homem?' Ele respondeu: 'Quem é, Senhor, para que eu creia nele?' Jesus disse: 'Tu o estás vendo; é aquele que está falando contigo. Ele exclamou: 'Eu creio, Senhor!' E ajoelhou-se diante de Jesus" (Jo 9,35-38).
Ouvi de uma mulher, cega de nascença, na autoridade de seus mais de oitenta anos, uma afirmação desconcertante: "Agradeço a Deus por ser cega, pois a maior parte dos pecados começa com a vista! Não enxergando, posso pecar menos, dizia magistralmente esta senhora que nunca leu uma letra, diante de alguém que se tinha debruçado várias vezes diante da palavra do Evangelho: "Se teu olho direito te leva à queda, arranca-o e joga para longe de ti! De fato, é melhor perderes um de teus membros do que todo o corpo ser lançado ao inferno" (Mt 5,29). Trata-se uma revolução na escala de valores que pode orientar a vida, na qual importa efetivamente uma vida distante do pecado! É que Deus não nos fez para o egoísmo e a maldade, mas para a virtude e para o bem!
O presente de Deus que nos foi confiado no Batismo, a iluminação da fé, abre horizontes diferentes para a vida inteira. O próprio Batismo já foi chamado "iluminação". Os cristãos hão de aproveitar a graça da purificação quaresmal, lavar seus olhos, ou quem sabe passar um bom colírio (Cf. Ap 3,18), para enxergar de novo e de forma renovada a vida e os acontecimentos. Cabe-lhes mudar o rumo da vida e contribuir para que o mundo se conforme aos valores do Reino de Deus. Ora, trata-se de fazer opções diferentes, afastando-se da escuridão do pecado, buscando lá dentro, no Batismo recebido, as forças para lutar contra a correnteza.
A Igreja nos oferece, através das leituras da Escritura escolhidas para o Tempo Quaresmal, indicações precisas, para que a luz de Deus, que um dia brilhou em nós pelo Batismo, jamais se esconda e não se apague em nós o seu fulgor, como muitas vezes cantamos num hino de renovação do Sacramento da iluminação! Sim, queremos que o amor plantado em nossos corações ajude os irmãos a caminharem, guiados pelas mãos de Deus, na nova Lei do Evangelho. É na escola de São Paulo (Ef 5, 8-14) que encontramos os frutos da luz!
A luz de Deus resplandece na bondade com que os cristãos são chamados a agir. Pequenos gestos de atenção, olhares feitos de simplicidade, iniciativas comunitárias, compromisso com o bem. Mesmo quando nos sentimos limitados, ou quando efetivamente pecamos pela fraqueza que nos acompanha, ser filhos da luz significa não compactuar com as más intenções, mas purificar-nos decididamente, comprometendo-nos com o bem.
Os homens e as mulheres marcados pela graça batismal se comprometem com a justiça e não aceitam qualquer vínculo com meios ilícitos em vista de objetivos como o lucro, a projeção social ou qualquer outro proveito a ser alcançado indignamente. Consequências? Palavra dada, lisura nos negócios, retidão na administração dos bens, irrepreensibilidade no comportamento social.
Mais ainda, no programa de vida decorrente do Batismo: a opção pela verdade. A história da Igreja e da humanidade está repleta de exemplos de homens e mulheres retilíneos em seu comportamento, capazes de suscitar santa inveja em gerações que os sucedem. É claro que tal escolha tem consequências, inclusive sofrimento ou derramamento do próprio sangue para serem coerentes com a verdade. São pessoas das quais "o mundo não era digno"(Hb 11,38), que enfrentaram todos os desafios, sem jamais ceder no compromisso assumido. E escolheram a Verdade que é Jesus Cristo, sem inventar suas próprias verdades ou meias-verdades.
Para alcançar tais alturas, as quais todos somos destinados, quem se descobre filho da luz, no sentido que São Paulo, na Carta aos Efésios (5, 8-14) e a Igreja entendem, busca o discernimento do que agrada ao Senhor. Um dos pontos de referência se encontra nos mandamentos, resumidos no amor a Deus e ao próximo. Outra ajuda preciosa no discernimento é a chamada "regra de ouro" (Cf. Mt 7,12), que propõe fazer aos outros aquilo que desejamos que seja feito a nós mesmos. Vale também escutar as outras pessoas, conselheiros e conselheiras que nos ajudam a ver ângulos diferentes quando se trata de tomar decisões. Mais ainda, é na escuta da Palavra de Deus e na oração que se identifica cada passo a ser dado na vida.
A seriedade com que o cristão assume sua vida exige ainda que ele não se associe com as obras das trevas. De fato, tudo o que precisa ficar escondido, resistindo à luz da verdade, traz consigo suspeita e desconfiança, pelo que a prática das virtudes evangélicas acrescenta ainda a exigência de radicalidade. Não dá para ser meio cristão e meio pagão. Se quisermos ser honestos com a própria consciência e com a verdade, não será possível manter conceitos como "não praticante", referindo-se a cristãos que entenderam a beleza da graça recebida no Batismo.
O apelo feito pela Igreja é, sim, pela seriedade na vivência cristã. E este é o tempo oportuno, a hora da graça e da salvação. Cresça em número e qualidade o povo amado por Deus. E como, graças a Deus, a maioria das pessoas que se envolvem conosco recebeu o Batismo, é hora de dizer: ninguém fique de fora!

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