Fabrizio Bisconti, diretor da Pontifícia Comissão de Arqueologia Sacra para as Catacumbas, fala sobre os originais cemitérios cristãos
Por Laura Guadalupe
ROMA, 01 de Abril de 2014 (Zenit.org) - Nas entranhas da Cidade Eterna, protegidos
do caos que fere os ouvidos, há lugares em que só o silêncio fala. Ele fala com
toda a sua força ensurdecedora, especialmente quando se dirige ao coração e
conta histórias de homem e mulheres que deram a vida para defender a própria fé.
É o mundo subterrâneo das catacumbas, onde foram sepultados alguns pontífices e
os primeiros cristãos.
ZENIT conversou a respeito com Fabrizio Bisconti, diretor da Pontifícia
Comissão de Arqueologia Sacra para as Catacumbas..
***Quais são as origens das catacumbas?
Bisconti: As catacumbas, entendidas como cemitérios cristãos, hipogeus,
nasceram em Roma entre o fim do século II e o início do III, durante o
pontificado de Zeferino (199-217), que encarregou o diácono Calisto, depois
eleito papa (217-222), de supervisar o cemitério da Via Ápia. Lá foram
sepultados alguns pontífices do século III, entre os quais Sisto II, assassinado
durante a perseguição de Valeriano, em 6 de agosto de 258. As catacumbas são o
começo de um sistema funerário original: são cemitérios exclusivos, onde eram
sepultados os fiéis pertencentes à comunidade cristã, como num abraço
fraterno.
Como elas mudaram de função ao longo do tempo?
Bisconti: Como sepultura dos mártires, as catacumbas mantiveram a função
funerária, mas assumiram também um papel devocional, porque os peregrinos iam
venerar as sepulturas santas no dies natalis (dia da morte) do mártir, para
rezar e comer uma refeição simbólica fúnebre (refrigerium). Na Alta Idade Média,
as catacumbas perdem a função funerária e mantêm só a de veneração.
Quantos mártires cristãos foram sepultados nelas durante as
perseguições?
Bisconti: Os mártires romanos de que temos notícia pelas fontes e testemunhos
arqueológicos são cerca de uma centena. Mas muitos deles não foram registrados
pelas fontes nem pela memória devocional.
Há muitos mártires dos quais não se sabe nada, mas, de muitos outros,
temos informações sobre o nome, a história. São Sebastião e Santa Inês, por
exemplo. Na sua opinião, qual é a catacumba mais cheia de fascínio, seja por
conter os restos de um santo ilustre, seja pelas inumeráveis relíquias de
desconhecidos?
Bisconti: O complexo mais interessante, sem dúvida, é o de São Calixto, que
tem mártires ilustres como Sisto II, já mencionado, mas que tem relação também
com mártires imersos na fabulação legendária, e mesmo assim muito amados pelos
fiéis, como Santa Cecília e São Tarcísio.
Só em Roma há cerca de sessenta catacumbas. Quais são as mais
visitadas e as mais antigas? E no resto da Itália?
Bisconti: As catacumbas romanas mais visitadas e abertas ao público são as de
São Calixto e São Sebastião, na Via Ápia; de Domitila, na Via Ardeatina; de
Santa Inês, na Via Nomentana; de Priscila, na Via Salária. As catacumbas mais
antigas são as de Sebastião, Calixto, Domitila, Priscila, Calepódio, Pretextato,
Novaciano, dos Santos Pedro e Marcelino e de Santa Inês. Na Itália temos que
recordar também as catacumbas de São Genaro, em Nápoles, de São João, em
Siracusa, de Santo Antíoco, na Sardenha, de Santa Catarina e São Mustiola em
Chiusi, de São Senador, em Albano, e de Santa Cristina, em Bolsena.
Esses cemitérios se caracterizam também pela presença de uma arte
pictórica narrativa e simbólica. Por exemplo, nas catacumbas de Priscila, em
Roma, é conservada a imagem mais antiga de Maria. De quando é exatamente esse
afresco? Quais são as particularidades dele?
Bisconti: A “Madonna” de Priscila é de 230-240. A pintura representa Maria
com o Menino (Virgo Lactans), com o profeta Balaão apontando as estrelas, para
anunciar a chegada do Messias.
Houve outras descobertas de antiguidade parecida?
Bisconti: Sim. Por exemplo, no cemitério de Pretextato, também na primeira
metade do século III, podemos encontrar um afresco que representa a cena mais
antiga da coroação de espinhos.
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