Enganam-se os cultores dessa ideologia do gênero irracional que desconsidera a realidade corporal como parte da identidade humana em prejuízo da proteção à mulher.
Por Paulo Vasconcelos Jacobina
BRASíLIA, 04 de Abril de 2014 (Zenit.org) -
Uma fala que se ouve muito nos meios
jurídicos acadêmicos e nas esferas jurídicas estatais é um paradoxo irracional:
“o corpo é meu”, dizem alguns ideólogos, e nem a família, nem os religiosos, nem
o Estado poderiam dizer a um indivíduo o que fazer com o “seu corpo”.
É um absurdo afirmar que o corpo humano é algo que se relaciona com a própria
pessoa humana a partir de uma noção de direito de propriedade. Juridicamente, a
frase “meu corpo é meu” não faz sentido. Não há um “eu” fantasmagórico fora do
corpo que pudesse se apresentar como titular de um pretenso “direito de
propriedade” entre este “eu” e um “corpo” externo a mim e coisificado. Isto é
cartesianismo mal compreendido, instrumentalizado a políticas
anti-humanitárias.
Se esta visão fosse verdadeira, a pessoa humana seria uma espécie de
“fantasma” imaterial que pilota uma “máquina” corporal a ele externa, que seria
objeto de uma relação dominial privada. Juridicamente, dizer “meu corpo é meu”
significaria dizer que os crimes de lesão corporal, por exemplo, seriam crimes
contra o patrimônio, e não contra a pessoa. O homicídio seria equivalente a um
furto ou a um roubo, não à destruição da própria pessoa. Mas não é assim:
homicídio e lesão corporal são crimes contra a pessoa, não contra o
patrimônio.
Não se pode dizer “o corpo é meu”. Pode-se dizer, isto sim, “o corpo sou eu”.
O corpo é parte do que a pessoa humana é, da sua identidade, não do que
ela tem, da sua propriedade. Embora, é claro, o corpo não esgote a identidade
pessoal: é inegável que a dignidade da pessoa humana ultrapassa a dimensão
corporal, senão uma pessoa viva teria somente a mesma dignidade de um cadáver.
Somos seres corporais, mas não apenas isto.
Por causa disto, a promoção da dignidade da pessoa humana, como dever
estatal, jamais pode prescindir da corporalidade como dimensão de identidade. O
corpo é digno porque a pessoa é digna. É lícito, portanto, estabelecer que os
programas públicos “para a mulher” (como banheiros públicos femininos, vagões de
metrô reservados para as mulheres, programas de saúde feminina) excluem de modo
necessário e perfeitamente lícito os homens, mesmo aqueles que gostariam de ser
mulher mas não são. A recíproca é verdadeira para as políticas dirigidas a
homens.
Há, nesta linha, uma circunstância que deve ser especialmente ponderada, no
combate à violência sexual contra a mulher. Trata-se de uma recente e, a meu
ver, injustificável alteração do Código Penal que, movida pela absurda
“ideologia do gênero”, modificou a capitulação do “estupro” para equiparar
homens e mulheres como vítimas de crimes sexuais, tornando nosso direito penal
cego a certas especificidades corporais que tornam a mulher mais vulnerável, e
portanto, merecedora de maior proteção estatal, no particular.
De fato, pela redação original do art. 213 do código penal brasileiro, apenas
as mulheres poderiam ser vítimas de estupro, porque a lei dizia assim:
“constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça”. O
art. 214 do código penal descrevia um outro crime, o “atentado violento ao
pudor”, que podia ser praticado indistintamente contra homens e mulheres,
descrito assim: “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a
praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção
carnal”, e cuja pena prevista era um pouco menor do que a do estupro.
A lei brasileira, em 2009, revogou o art. 214 do Código Penal, e juntou
injustificadamente no art. 213 tanto os crimes sexuais cometidos contra homens
quanto aqueles cometidos contra mulheres, ignorando as especificidades destas
últimas. Ainda que tenha havido um aumento da pena-base, o direito penal
brasileiro equiparou a conjunção sexual forçada contra a mulher ao atentado
violento ao pudor que pode ser feito contra pessoas de qualquer sexo, deixando
de distinguir o que é faticamente diferente, em prejuízo exatamente da
especificação da proteção sexual às mulheres.
A alteração feita em 2009 no direito penal, em nome de uma “ideologia do
gênero” que considera como injusto e discriminatório distinguir entre aquelas
pessoas nascidas no sexo masculino que se consideram mulheres, vestem-se como
mulheres e até submetem-se a cirurgia para obter fenótipo de mulher, das
mulheres propriamente ditas, foi redutora. E isto em prejuízo das próprias
mulheres, com sua identidade indissoluvelmente formada por corpos que lhe dão
naturalmente a condição feminina. Tornou o nosso direito mais cego à luta
feminina por dignidade e proteção. Primeiro por ignorar que quase a totalidade
dos agressores sexuais é de homens. E depois por escamotear que a violência
contra a mulher, praticada por um homem, sempre envolve a potencialidade de uma
gravidez indesejada, com todos os problemas enormes que isto acarreta, ou mesmo
de um dano permanente e irreparável contra o sistema reprodutor feminino,
impedindo-a para sempre de ser mãe ou de aleitar. Isto tudo se transformou, com
a reforma penal de 2009, num indiferente penal em prejuízo das mulheres.
Homens, mesmo com posturas sexuais alternativas, e independentemente mesmo de
até se submeterem eventualmente a cirurgias, continuam a portar genótipo
masculino, incapazes portanto de ostentar o maravilhoso corpo feminino; aquele
mesmo corpo que integra inseparavelmente a identidade das pessoas de sexo
feminino e possibilita às mulheres que, ademais de exibirem as mesmas
potencialidades humanas que têm os homens, ostentar ademais um aparelho
reprodutor que elas têm por direito próprio e devem se orgulhar de manifestar
com exclusividade.
O desvio ideológico latente entre nós, e que se manifestou em 2009 na
alteração legislativa do código penal, é tamanho que, em nome de uma “igualdade”
que ignora o corpo feminino, deixa de reconhecer a especificidade da violência
sexual contra as mulheres, ainda tão forte em nossa cultura. Para não ofender
algumas minorias, desprotegeu-se a mulher.
Sem prejuízo, é claro, da eventual proteção específica que quaisquer
minorias, sexuais ou não, mereçam também, devidamente adaptada às suas
peculiaridades, querer ser mulher não significa poder ser mulher, e não iguala
homens a mulheres.. Enganam-se os cultores dessa “ideologia do gênero”
irracional que desconsidera a realidade corporal como parte da identidade humana
em prejuízo da proteção à mulher. As mulheres merecem, do nosso ordenamento
jurídico, o direito de continuar sendo as únicas mulheres.
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