Em livro, o doutor Renato Buzzonetti narra as últimas horas de vida do pontífice que faleceu há exatos 9 anos, em 2 de abril de 2005
Por Wlodzimierz Redzioch
ROMA, 02 de Abril de 2014 (Zenit.org) -
Desde que apareceu na janela da Praça de
São Pedro com seu sorridente rosto redondo, cheio de energia, o papa que
caminhava com passo dinâmico pelas longas escadarias da praça foi chamado de
"atleta de Deus". Parecia que aquele homem poderoso e incansável não iria nunca
precisar dos médicos, mas tudo mudou num belo dia de primavera de 1981: as balas
disparadas pela mão assassina não o mataram, mas minaram seriamente a sua saúde
de ferro. Desde então, João Paulo II se tornou também um homem do sofrimento: a
doença e a dor se tornaram parte da sua vida e fizeram da Policlínica Gemelli um
lugar muito familiar (o papa, aliás, a chamava de "Vaticano III"). Dessa
experiência nasceu a carta apostólica "Salvifici doloris", sobre o sentido
cristão do sofrimento, além do desejo de ter na cúria um dicastério voltado aos
doentes e aos profissionais da saúde: com o motu proprio "Dolentium hominum",
João Paulo II estabeleceu o Conselho da Pastoral dos Agentes de Saúde. E foi
ele, ainda, que criou a Jornada Mundial dos Enfermos, no dia 11 de fevereiro,
festa de Nossa Senhora de Lourdes.
Pouco a pouco, o Parkinson e os problemas com ossos e articulações o foram
imobilizando e aprisionando em seu corpo, mas o papa continuava a sua missão sem
esconder as suas dores: não para se exibir, mas para reivindicar o valor e o
papel de cada pessoa na sociedade, mesmo se doente ou deficiente. As últimas
semanas da vida terrena de João Paulo II foram os seus dias de calvário: o papa
que tinha nos ensinado a viver nos ensinava também como enfrentar a morte.
Ao lado de João Paulo II até o instante final esteve sempre o médico pessoal,
doutor Renato Buzzonetti. No livro-entrevista “Accanto a Giovanni Paolo II” [Ao
lado de João Paulo II, publicado na Itália pela Editora ARES], ele conta os
trechos seguintes:
* * *
Foram dias que marcaram profundamente a minha vida, dominados por um
gravíssimo compromisso profissional, pela participação dolorosa no drama humano
e religioso que estava acontecendo diante dos meus olhos, por uma tensão extrema
diante da grande responsabilidade que pesava sobre os meus ombros e, finalmente,
por uma oração ininterrupta, em comunhão com o papa que sofria na sua cruz
mística.
Na quinta-feira, 31 de março de 2005, por volta das 11 horas da manhã,
enquanto celebrava a missa na capela privada, o Santo Padre sentiu um tremor
intenso, seguido por uma séria elevação da temperatura e por um gravíssimo
choque séptico. Graças à habilidade dos reanimadores, a situação crítica foi
controlada e dominada mais uma vez.
Perto das 17 horas, foi rezada a santa missa ao pé da cama do papa, que aos
poucos emergia do choque. Quem celebrou foi o cardeal Jaworski, com mons.
Stanislaw, mons. Mietek e dom Rylko. O Santo Padre estava com os olhos
semiabertos. O cardeal de Lviv lhe deu a unção dos enfermos. Na consagração, o
papa levantou fracamente o braço direito, duas vezes, em direção ao pão e ao
vinho. Tentou bater no peito com a mão direita no momento do Agnus Dei. Depois
da missa, a convite de mons. Stanislaw, os presentes beijaram a mão do Santo
Padre. Ele chamou as freiras pelo nome e acrescentou: “Pela última vez”. Seu
médico, antes de lhe beijar a mão, disse em voz alta: “Santo Padre, nós o amamos
e estamos aqui juntos com todo o coração”. Depois, sendo quinta-feira, o Santo
Padre quis comemorar a hora de adoração eucarística: leitura, recitação dos
salmos, cantos entoados pela irmã Tobiana.
Na sexta-feira, 1º de abril de 2005, depois da missa concelebrada por ele, o
Santo Padre pediu, às 8 horas, para fazer a via-crúcis, fazendo o sinal da cruz
em cada uma das 14 estações. Participou da recitação da terceira hora do ofício
divino e, às 8h30, pediu para ouvir a leitura de passagens da Sagrada Escritura,
lidas pelo padre Tadeusz Styczen. Os cuidados médicos continuaram sem
pausas.
No sábado, 2 de abril de 2005, foi celebrada a santa missa ao pé da cama do
Santo Padre. Ele participou com atenção. No final, com palavras arrastadas e
quase ininteligíveis, João Paulo II pediu a leitura do evangelho de São João,
que o pe. Styczen fez devotadamente, lendo nove capítulos. Homem contemplativo,
com a ajuda dos presentes, o papa recitou as orações do dia até o ofício das
leituras do domingo iminente.
Por volta das 15h30, o Santo Padre sussurrou para a Irmã Tobiana: "Deixem-me
ir para o Senhor...", em polonês. Mons. Stanislaw me referiu essas palavras
apenas alguns minutos mais tarde.
Aquele era o seu "consummatum est" (Jo 19, 30).
Não era uma rendição passiva à doença, nem uma fuga do sofrimento, mas a
mostra da consciência profunda de uma via-crúcis bravamente aceita até a
espoliação de toda coisa terrena e da própria vida, e que agora se aproximava do
objetivo final: o encontro com o Senhor. Ele não queria atrasar esse encontro,
esperado desde os anos da juventude. Foi para isso que ele tinha vivido. Aquelas
palavras eram de expectativa e de esperança, de renovada e definitiva entrega
nas mãos do Pai.
Naquelas mesmas horas, eu e meus colegas médicos constatamos que a doença se
voltava inexoravelmente para o fim do seu curso. A nossa batalha tinha sido
travada com paciência, humildade e prudência; e fora extremamente difícil,
porque, intimamente, nós sabíamos que ela terminaria em derrota. A racionalidade
técnica, a consciência e a sabedoria dos médicos, o carinho iluminado dos
familiares foram guiados constantemente pelo respeito misericordioso e total do
homem que sofria. Não houve tratamento agressivo.
Depois das 16 horas, o Santo Padre foi adormecendo e perdendo gradualmente a
consciência. Por volta das 19 horas, ele entrou em coma profundo e em agonia. O
monitor registrava o esgotamento progressivo dos parâmetros vitais.
Às 20 horas, começou a missa celebrada aos pés da cama do pontífice que
falecia. Foi celebrada por mons. Dziwisz com o cardeal Jaworski, mons. Mietek e
dom Rylko. Cantos poloneses se entrelaçavam com os cantares que subiam da Praça
de São Pedro, lotada. Uma pequena vela brilhava sobre o criado-mudo, ao lado da
cama.
Às 21h37, o Santo Padre morreu.
Depois de poucos minutos de atônita dor, foi entoado o Te Deum em língua
polonesa e, da praça, de repente, viu-se iluminada a janela do quarto do
papa.
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