Reflexões de Dom Alberto Taveira, Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará
Por Dom Alberto Taveira Corrêa
BELéM DO PARá, 24 de Abril de 2014 (Zenit.org) - Nos primeiros séculos, os que tinham sido
batizados na Vigília pascal se vestiam de branco até o segundo domingo da
Páscoa, oferecendo a todos o testemunho externo da vida nova recebida no
Sacramento. Neste final de semana, é toda a Igreja, vestida de gala, que deseja
oferecer ao mundo inteiro a roupa da alegria, chamada santidade, com a
canonização de João XXIII e João Paulo II, duas pérolas da coroa da Igreja em
nosso tempo, cujos exemplos são oferecidos como referência para a maravilhosa
aventura cristã. São dois contemporâneos, com os quais muitos de nós
compartilharam diálogo e convivência. Seu modo de viver está bem ao nosso
alcance, suas palavras e ensinamentos ecoaram pelo mundo através dos meios de
comunicação de nossa época. Mostram que a santidade é atual e possível.
Os santos são homens e mulheres que levaram a sério a graça do Batismo e
decidiram viver não para si, mas para Deus e para o serviço dos outros. Não
programaram ser canonizados, mas quiseram ser bons cristãos. João XXIII, em seu
diário, descreveu com simplicidade e profundidade o seu dia a dia, seus roteiros
de oração e meditação, suas decisões cotidianas de perdão, alegria, seriedade no
seguimento de Nosso Senhor. João Paulo II, que viveu na infância e na juventude
capítulos dolorosos provocados pelas ideologias e autoritarismos do século XX,
conduziu a Igreja à virada do milênio e nos brindou justamente com o convite à
santidade: "Se o Batismo é um verdadeiro ingresso na santidade de Deus através
da inserção em Cristo e da habitação do seu Espírito, seria um contrassenso
contentar-se com uma vida medíocre, pautada por uma ética minimalista e uma
religiosidade superficial. Perguntar a um catecúmeno: 'Queres receber o
Batismo?' significa ao mesmo tempo pedir-lhe: 'Queres fazer-te santo?' Significa
colocar na sua estrada o radicalismo do Sermão da Montanha: 'Sede perfeitos,
como é perfeito vosso Pai celeste' (Mt 5,48). Este ideal de perfeição não deve
ser objeto de equívoco vendo nele um caminho extraordinário, percorrível apenas
por algum gênio da santidade. Os caminhos da santidade são variados e
apropriados à vocação de cada um. Agradeço ao Senhor por me ter concedido
beatificar e canonizar muitos cristãos, entre os quais numerosos leigos que se
santificaram nas condições ordinárias da vida. É hora de propor de novo a todos,
com convicção, esta medida alta da vida cristã ordinária: toda a vida da
comunidade eclesial e das famílias cristãs deve apontar nesta direção" (Novo
millenio ineunte, 31).
João XXIII viveu as duras realidades das duas guerras mundiais e veio a
suceder, visto como eventual papa "de transição", o grande Papa Pio XII. Como
alguém que trata de amenidades, fez saber aos que com ele trabalhavam, no início
de seu pontificado, que convocaria um Concílio Ecumênico. Dali para frente,
provocou na Igreja a oração e a preparação efetiva para o que o próprio Papa
chamou de nova primavera, desejando uma nova estação de abertura e diálogo com
todas as realidades de nosso tempo. Os cinco anos de pontificado valeram
séculos! "Mater et Magistra" e "Pacem in terris" foram duas Encíclicas que
firmaram princípios e práticas para a ação social da Igreja. Abriu e conduziu a
primeira Sessão de trabalhos do Concílio Vaticano II, mostrou ao mundo a face da
bondade, abriu sorrisos, foi ao encontro dos mais sofredores, pintou de bom
humor o rosto da Igreja! Viveu a dura experiência de uma enfermidade dolorosa,
com o câncer que o levou à morte, parecido com tanta gente de nosso tempo. Sim,
foi homem, Papa, irmão, sorriso de Deus para sua época. No próximo Domingo,
elevado definitivamente à glória dos altares, resplandece como presente de Deus
à Igreja e à humanidade.
De João Paulo II nunca se falará suficientemente. Um magistério pontilhado
pela sensibilidade inusitada a todas as situações humanas e desafios a serem
enfrentados pela Igreja. Uma presença universal efetiva, indo até os confins da
terra para levar a Boa Nova do Evangelho. Aquele que nas lides da Polônia havia
enfrentado nazistas e comunistas, corajoso na liderança dos católicos para se
manterem fiéis à fé cristã, tesouro maior de sua nação, foi conduzido ao sólio
de Pedro em mil novecentos e setenta e oito, permanecendo à frente da Igreja até
o dia dois de abril de dois mil e cinco, na véspera da Festa da Divina
Misericórdia. E no próprio Domingo da Misericórdia é agora canonizado. Quantos
adultos, jovens e crianças só tiveram esta figura de Papa em seu horizonte de
Igreja, até que o Senhor o chamou para a sua Páscoa pessoal. Naquele início de
noite de sua partida, desejoso de ir para estar com o Senhor, tinha o coração
agradecido especialmente aos jovens aos quais tantas vezes se dirigiu e ali se
encontravam, bem perto dele. Apagou-se como uma chama, deu tudo de si à Igreja e
ao mundo. Em seus funerais, uma faixa emergia no meio da multidão - "Santo
subito" - pedindo que fosse logo aclamado santo. Seu sucessor, o grande Bento
XVI, teve a alegria de beatificá-lo, numa apoteótica afluência de gente do mundo
inteiro, no dia primeiro de maio de dois mil e onze. Seus ensinamentos continuam
a ser conhecidos e aprofundados na Igreja e no mundo. O convite feito, no início
de seu pontificado, continua atual e provocante: "Não tenhais medo de acolher
Cristo e de aceitar o seu poder! Antes, procurai abrir, melhor, escancarar as
portas a Cristo! Ao seu poder salvador abri os confins dos Estados, os sistemas
econômicos assim como os políticos, os vastos campos de cultura, de civilização
e de progresso! Não tenhais medo! Cristo sabe bem 'o que é que está dentro do
homem'. Somente Ele o sabe!" (Homilia da Missa de inauguração do Pontificado de
João Paulo II, 22 de outubro de 1978).
Agora, Papa Francisco canoniza os dois Papas. A Igreja oferece, na Festa da
Divina Misericórdia, dois presentes de amor. Fizerem-se santos pela Igreja e
pela humanidade, foram homens de nosso tempo, amaram a Igreja e se entregaram
por ela. Louvado seja o Senhor, pela história, o exemplo e a intercessão dos
dois heróis de nosso tempo.
São João XXIII, rogai por nós!
São João Paulo II, rogai por nós!
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