São Mateus narra tanto a morte quanto a ressurreição do Senhor sob o impacto simbólico do terremoto. Tendo origem nas profundezas da Terra, entre os antigos o sismo sempre carregou em si um simbolismo trágico, avassalador e mítico. Nas Escrituras, quase sempre, é indicação da revelação divina na história. Haja vista o tremor violento da montanha do Sinai a sinalizar a nova orientação da vida de Israel, na lei e na aliança (Ex 19, 18).
Os símbolos sísmicos bíblicos falam e nos projetam para realidades que vão além. Assim acontece com o fato da morte de Jesus, descrita em linguagem desestabilizadora. Não só as trevas cobrem toda a Terra (Mt 27, 45). Há terremoto e fenda nas rochas (v. 51). O sismo causa grande medo no centurião e nos guardas (v. 54), temor próprio da reação humana diante de teofanias.
Se as próprias seguranças se apavoram, confirma-se que a morte de Jesus revela o agir de Deus. Ela é a realização do dia da justiça, anunciado em profecias, tais como: “Farei o sol declinar em pleno meio-dia e escurecerei a Terra em um dia de luz” (Am 8, 9); “Não esquecerei jamais nenhuma de suas ações. Não tremerá por causa disso a Terra?” (vv. 7-8). Assim, é após o medo do sismo que os soldados reconhecem o sagrado em Jesus: “Verdadeiramente, este era o Filho de Deus” (v. 54).
Um grande terremoto ocorre (28, 2) também por ocasião da narrativa preparatória da revelação de outro grande acontecimento: a ressurreição. Desce o Anjo do Senhor. Seu aspecto é o do relâmpago. Suas vestes são brancas como a neve. Ele é quem rola a pedra. Senta-se em cima. Diante da visão luminosa, os guardas do túmulo tremem de medo e ficam como mortos (v. 4). Aqueles, da guarda dos sacerdotes (27, 65), temem mais a visão que os soldados romanos o sismo.
A composição da cena prepara o anúncio da boa notícia às mulheres, também elas amedrontadas: “Não temais! Ele não está aqui, pois ressuscitou, conforme havia dito. Vinde ver o lugar onde Ele jazia” (v. 5-6). Entretanto, o sepulcro aberto e vazio se presta a outra interpretação: a violação da sepultura para sumir com o corpo (Mt 28,11-15). Diante disso, Mateus expressa a intenção apologética, através de pormenores. José de Arimateia depositou o corpo de Jesus no túmulo e “rolou uma grande pedra na entrada” (27,60). Portanto, de difícil locomoção. Reproduz a preocupação das autoridades judaicas e o consequente pedido a Pilatos: “Lembramo-nos do que aquele impostor disse quando ainda vivo: ‘depois de três dias ressuscitarei’. Ordena, pois que o sepulcro seja guardado com segurança até o terceiro dia, para que os discípulos não venham roubá-lo e depois digam ao povo: Ele ressuscitou dos mortos. A última impostura será pior do que a primeira” (vv. 63-64). Ele dá destaque às mulheres como primeiras a irem ao túmulo, apenas para vê-Lo, pois eram incapazes de rolar a grande pedra. Enfim, o ser celeste é quem a rola e senta-se sobre ela em total domínio da situação. Portanto, a intervenção é divina. Os guardas nada podem fazer, apenas se acovardam.
O segundo anúncio segue o primeiro, intimamente ligado ao apostolado das mulheres. Serão comunicadoras pessoais do Ressuscitado: “Ide já contar aos discípulos que Ele ressuscitou dos mortos, e que Ele vos precede na Galileia. Ali o vereis. Vede bem, eu vos disse” (28,7). Também sentem medo, mas é maior a alegria (v. 8). Durante o caminho de volta, o próprio Jesus virá ao encontro delas. Confirma o anúncio a ser dado e marca a assembleia com os seus, na Galileia.
As narrativas das aparições do Ressuscitado expressam de modo diverso as experiências de nossos primeiríssimos irmãos. Quanto aos apóstolos, unidos ao Jesus celeste como ao terrestre, foram qualificados como suas testemunhas e mediadores. Por isso, mantemos a comunhão necessária com eles e permanecermos unidos (1 Jo 1,3). Celebremos, pois, a Páscoa, renovando e atualizando a memória de nossa origem cristã, de seus sólidos fundamentos e do sentimento de pertença eclesial.
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