sexta-feira, 27 de junho de 2014

Relativismo Religioso e Totalitarismo Anticristão (II parte)



A constante identificação do catolicismo como o obstáculo a se abater na cultura atual, por ser responsável por um monoteísmo que difunde a violência religiosa no mundo, é injustificável.
Por Pe. Anderson Alves

RIO DE JANEIRO, 26 de Junho de 2014 (Zenit.org) -
Resta-nos responder a uma pergunta: o politeísmo é essencialmente tolerante? Existem hoje diversos autores que aplicam a metáfora do politeísmo religioso à democracia civil, falando assim de um “politeísmo de valores”. O politeísmo seria um antídoto à violência, enquanto que o monoteísmo é essencialmente intolerante e opressivo.
Na verdade a violência por motivos religiosos é a corrupção da religião. Trata-se de um fenômeno grave e sério, mas – é relevante notar – que não foi estranho ao politeísmo antigo (nem ao atual), no qual ocorriam lutas entre os deuses e os homens. Qual foi a tolerância que se deu na época da violenta perseguição do imperialismo grego perante a religião judaica (cf. 1 Mac 1-14; 2 Mac 3-10)? Lembremos também que a religião politeísta do Império Romano, com o seu conceito de cidadania, sua estrutura multi-étnica, multirreligiosa, perseguiu o judaísmo e especialmente o cristianismo, culpado de rejeitar a veneração do imperador como figura divina. A resposta cristã àquelas injustiças foi precisamente o testemunho não violento e a aceitação do martírio. Lembremos que nas sociedades antigas, quando um povo conquistava outro, a primeira coisa a ser destruída era o templo, o qual significava que o “deus” dos conquistadores era mais forte daquele dos vencidos. A segunda coisa destruída era a “biblioteca” daquele povo. O politeísmo “relativista” antigo e atual gera, na verdade, ataques à religião e uma verdadeira destruição da memória e da cultura.
Além disso, no mundo ocidental secularizado, multiplicam-se os mais estilos de vida inspirados numa violência espontânea, imediata e destrutiva, e isso vem sendo cada vez mais justificado eticamente. Ao mesmo tempo observa-se um enfraquecimento «no respeito pela vida, pela intimidade da consciência, pela salvaguarda da igualdade, pela paixão racional por um empenhamento ético partilhado e pelo respeito da autêntica consciência religiosa» (n. 13). Pode causar surpresa que sejam justamente as “religiões monoteístas” apontadas como uma das principais matrizes de um absolutismo violento e desestabilizante para a harmonia civil, quando a violência cresce exatamente em contextos secularizados. O esquematismo que liga o monoteísmo à violência e o politeísmo à tolerância não supera, pois, o exame histórico, é simplório e surge do preconceito racionalista segundo o qual existe um único modo de afirmar a verdade: negar a liberdade ou eliminar o antagonista.
A constante identificação do catolicismo como o obstáculo a se abater na cultura atual, por ser responsável por um monoteísmo que difunde a violência religiosa no mundo, é injustificável. Especialmente porque o catolicismo é atacado principalmente onde ele é mais conhecido: no mundo ocidental, construído graças ao humanismo cristão e no qual existe um número imenso de obras caritativas dirigidas pelos católicos.
No fundo, a denúncia contra o monoteísmo surge de motivações ocultas: a defesa de um ateísmo claramente professado e de uma concepção imanentista e naturalista do humano. Mas como os “ateísmos de Estado” deixaram milhões de mortos, feridos e escravos, algo que permanece vivo na consciência ocidental, busca-se então atribuir ao adversário os próprios erros e desgraças. Porém, «mesmo se nos convencermos de que não existe um Deus perante o qual todos os homens são iguais, o horizonte do pensamento de Deus é, apesar de tudo, tão indispensável à consciência humana que ele, “esvaziado” do seu legítimo ocupante, permanece à disposição do delírio de omnipotência do homem. Alguém ou até algo (a raça, a nação, a facção, o partido, a tradição, o progresso, o dinheiro, o corpo, o gozo) acaba por ocupar o lugar deixado vazio por Deus. A revelação bíblica anuncia-o e a história demonstra-o: o homem hostil ao Deus bom e criador, na obsessão de se “tornar como Ele”, converte-se num “Deus perverso” e depravado em face dos seus semelhantes» (n. 14). E desse “Deus perverso”, que dimana do pecado desde a origem, nada pode vir de bom para a pacífica convivência entre os homens.
Sendo assim, a radical advertência perante o uso despótico e violento da religião pertence ao núcleo originário da revelação de Jesus Cristo. A confissão do fato de que o único Deus se deixa reconhecer na unidade do supremo mandamento do amor a Deus e ao próximo ilumina a autêntica fé no Único Deus. De modo que «a unidade indissolúvel do mandamento evangélico do amor de Deus e do próximo estabelece e confere o grau de autenticidade da religião. Em toda a religião. E também em todo o pretenso humanismo, religioso ou não religioso» (n. 17). É nesse mandamento que reconhecemos Deus, que se torna visível. Em Cristo temos a perfeita revelação de Deus e nele contemplamos a perfeição do homem que corresponde intimamente a Deus.

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