Reflexões de Dom Alberto Taveira, Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará
Por Dom Alberto Taveira Corrêa
BELéM DO PARá, 04 de Julho de 2014 (Zenit.org) -
Nos difíceis anos da segunda Guerra
Mundial, as forças ideológicas em conflito se confrontaram de várias formas com
a presença dos cristãos, muitos deles inclusive comprometidos com as diversas
facções, suscitando depois a análise e o julgamento dos historiadores e muitos
críticos nas décadas que se sucederam.
Entretanto, o século XX foi um tempo de martírio, quando cristãos de várias
confissões, católicos, evangélicos e ortodoxos derramaram seu sangue por causa
do Evangelho, em defesa da verdade e da dignidade da pessoa humana. Foi também
um período de grande profusão de homens e mulheres que confessaram a fé,
tornaram-se batalhadores com a palavra e os gestos, gerando um santo orgulho
para as gerações que se sucederam, inclusive a nossa.
Mais ainda, a candura da virgindade, a coragem da castidade de pessoas que
foram contra a correnteza da busca desenfreada de prazer que se espalhou pelo
mundo, também esta forma de vida cristã se fez presente. Disseram também o seu
sim ao Senhor muitos homens e mulheres suscitados pelo Espírito Santo para
fundar famílias religiosas, obras sociais, iniciativas de serviços aos mais
pobres e Movimentos.
As grandes chagas do tempo, como as drogas, as enfermidades surgidas
recentemente, as novas formas de pobreza e miséria, a situação dos prófugos dos
países em guerra, as catástrofes naturais, todas foram situações em que cristãos
se lançaram a dar alguma resposta.
Mártires, Confessores, Virgens, Fundadores e Fundadoras, Agentes sociais,
grandes pregadores do Evangelho. Eis a riqueza da Igreja de nosso tempo! Não
somos os detentores exclusivos do bem a ser feito, mas temos oferecido nossa
contribuição por um mundo mais justo e fraterno.
No dia seis de julho a Igreja celebra Santa Maria Goretti, uma jovem italiana
morta aos doze anos, em 1902, pela decisão de manter a castidade. Pio XII, por
ocasião de sua canonização, pronunciou palavras de grande sabedoria: "Nem todos
somos chamados a sofrer o martírio; mas todos somos chamados a praticar as
virtudes cristãs. A virtude, porém, requer energia; mesmo sem atingir as alturas
da fortaleza desta angélica menina, nem por isso obriga menos a um cuidado
contínuo e muito atento, que deve ser sempre mantido por nós até o fim da
vida. Por isso, semelhante esforço, bem pode ser considerado um martírio lento e
constante. A isto nos convidam as palavras de Jesus Cristo: 'O reino dos céus
sofre violência, e são os violentos que o conquistam' (Mt 11,12). Esforcemo-nos
todos por alcançar este objetivo, confiados na graça do céu. Sirva-nos de
estímulo a santa virgem e mártir Maria Goretti. Que ela, da mansão celeste, onde
goza da felicidade eterna, interceda por nós junto ao divino Redentor, a fim de
que todos, nas condições de vida que são as nossas, sigamos os seus gloriosos
passos com generosidade, vontade firme e obras de virtude" (Homilia da
canonização de Santa Maria Goretti, em 1950). Sim, a Igreja tem a oferecer
crianças, jovens, adultos, idosos, homens e mulheres que querem viver como bons
cristãos.
Consta que uma grande autoridade da então "Cortina de Ferro", aconselhada a
tolerar o catolicismo naquela região, fez uma pergunta sarcástica: "Mas quantas
divisões militares tem o papa?" Todas as vezes em que o poder temporal e o
religioso se aliaram ingênua ou maldosamente, os resultados foram os piores
possíveis. Quando os cristãos revestidos de algum poder se comprometeram com as
armas ou com a corrupção, mancharam a beleza daquela que é Esposa de Cristo. Com
o tempo, a graça de Deus lhes concede o dom do arrependimento e a força para
recomeçarem o caminho.
Não é tarefa da Igreja ter divisões militares, mas arregimentar homens e
mulheres que acreditem na força da fraqueza, percorrendo a estrada do serviço e
da humildade, mesmo quando as circunstâncias os colocarem em postos altos da
política e da administração pública ou em suas atividades profissionais. Estarão
então "na corda bamba", desafiados a manter a fidelidade aos princípios
evangélicos, fermentando a sociedade.
Efetivamente, desde os primórdios da Igreja multiplicaram-se os desafios,
começando pelas próprias fraquezas dos cristãos. As perseguições foram inúmeras,
as dificuldades imensas. No entanto, os cristãos aprenderam a acreditar nos
meios pobres e no anúncio do Evangelho aos mais simples e desprezados, quanto
aos recursos materiais e quanto às condições humanas e espirituais.. Cabe-lhes
ir ao encontro dos mais sofredores e dos pecadores.
Nosso Senhor, ao oferecer instruções aos discípulos, percorrendo diversas
cidades da Galileia (Cf. Mt 1112), os conduz a entender os valores do Reino de
Deus. Ele é interrogado sobre a missão de João Batista, manda ao mesmo João um
recado, indicando os sinais do Messias: "Ide contar a João o que estais ouvindo
e vendo: cegos recuperam a vista, paralíticos andam, leprosos são curados,
surdos ouvem, mortos ressuscitam e aos pobres se anuncia a Boa-Nova" (Mt 11,
4-5). O mesmo João Batista, preso, quase para ser degolado, é elogiado por Jesus
como o maior dentre os nascidos de mulher (Cf. Mt 11, 11). Seus discípulos,
ouvindo-o recriminar algumas cidades que recusaram a ocasião oferecida para se
arrependerem, certamente ficavam confusos. Até hoje é assim! Poder, dinheiro,
influência, tudo atrai terrivelmente!
E o Senhor, diante da arrogância corrente em todos os tempos, exalta o
humilde e o simples. Impressiona a efusão espiritual de Jesus (Cf. Mt 11,
25-30), testemunhando a predileção do Pai pelos pequeninos. As portas do Reino
de Deus continuam abertas. Venham a ele os que estão cansados e sobrecarregados,
os estropiados pela vida ou pelos próprios pecados. Venham os que não vivem
satisfeitos com seus próprios preconceitos. Sejam bem vindos os que desejam
fazer a estrada da simplicidade de coração. Não se intimidem aquelas pessoas que
querem, malgrado todas as propagandas contrárias, ser parecidas com uma Santa
Maria Goretti, ou quem sabe abraçar uma vida semelhante à Beata Madre Teresa de
Calcutá, ou a coragem de Santa Gianna Beretta Molla na defesa da vida. Se lhes
parecerem distantes destas figuras, olhem para as legiões de homens e mulheres
sem armas, aí bem perto, em sua Paróquia, que testemunham Jesus Cristo e seu
Evangelho.
Entretanto, para que ninguém fique enganado, há uma condição, tomar o jugo
suave de Jesus, aprendendo dele, que é manso e humilde de coração. O jugo suave
é a lei do amor. Comparado com as cargas impostas pelos fariseus, este jugo
liberta e salva. Trata-se de seguir Jesus, abraçar a cruz, tornar-se discípulo e
missionário do Reino de Deus. Passe o mundo transitório, permaneça o Reino de
Deus, que fermenta com vida e santidade todas as gerações.
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