Dom Murilo S.R. Krieger
Arcebispo de São Salvador da Bahia (BA) e Primaz do Brasil
A Igreja Católica designou setembro o Mês da Bíblia. Em seu último domingo, celebra-se o Dia Nacional da Bíblia. Outras Igrejas dedicam uma outra data para destacar o valor dela. A razão da escolha do mês de setembro para ressaltar a importância desse livro sagrado se deve a que, no último dia deste mês (30), celebra-se a memória de S. Jerônimo († 420), que a traduziu dos originais hebraico, aramaico e grego para o latim, língua então falada pelo povo.
Nós, cristãos, valorizamos o fato de adorarmos um Deus que, na sua bondade e sabedoria, revelou-se a si mesmo e manifestou o mistério de sua vontade. Por causa de seu imenso amor, Ele nos fala como a amigos, convidando-nos a estar com ele em seu convívio. Em seu Filho Jesus Cristo, Deus nos revela a verdade profunda a seu respeito e a respeito de nossa salvação. Entende-se, pois, a observação do apóstolo Pedro: “Nascestes de novo, não de uma semente corruptível, mas incorruptível, mediante a Palavra do Senhor, viva e permanente” (1Pe 1,23).
Fruto de um Sínodo sobre a Palavra de Deus (2008), o Papa emérito Bento XVI presenteou a Igreja com uma Exortação Apostólica (“Verbum Domini”: Palavra do Senhor), que destaca o fato de Deus ter pronunciado sua Palavra eterna de modo humano. Essa Exortação é um convite para (1) redescobrirmos a Palavra de Deus, fonte de constante renovação eclesial – renovação que supõe escuta, meditação e conversão de coração; (2) promovermos a animação bíblica da pastoral, a fim de que a Palavra de Deus seja sempre mais o coração de toda atividade pastoral; (3) sermos testemunhas da Palavra, comunicando a todos a alegria que nasce do encontro com a Pessoa de Cristo; (4) empreendermos uma nova evangelização, na certeza da eficácia da Palavra divina; (5) favorecermos o diálogo ecumênico, convictos de que “escutar e meditar juntos as Escrituras nos faz viver uma comunhão real, ainda que não ainda plena”; e, finalmente, (6) amarmos a Palavra de Deus, deixando-nos guiar pelo Espírito Santo.
É uma graça especial poder escutar Deus que nos fala e mantém um diálogo conosco. Consola-nos saber que, nesse diálogo, a iniciativa é dele (“Ele nos amou primeiro”: S. João). À sua iniciativa, respondemos com fé, utilizando-nos, se possível, de palavras que Ele próprio nos revelou – por exemplo: os Salmos.
Descobre-se cada vez mais a importância da “Leitura orante da Bíblia” (“Lectio divina”), isto é: a leitura da Sagrada Escritura acompanhada de oração. Santo Agostinho expressava essa leitura assim: “A tua oração é a tua palavra dirigida a Deus. Quando lês a Sagrada Escritura, é Deus que te fala; quando rezas, és tu que falas a Deus”. Segundo Orígines, um dos mestres nesse tipo de leitura bíblica, para uma leitura orante é necessário não só que conheçamos a Bíblia, mas que tenhamos uma profunda intimidade com Cristo.
Recebemos uma graça especial de Deus: poder escutá-lo. Cabe-nos anunciar sua Palavra no mundo em que vivemos, lembrados de que a credibilidade desse anúncio depende da coerência de nossa vida com os ensinamentos dessa Palavra. O Papa Paulo VI, que será beatificado no próximo dia 19 de outubro, lembrava que “o mundo reclama evangelizadores que lhe falem de um Deus que eles conheçam e lhes seja familiar como se eles vissem o invisível” (EN, 76).
Na Arquidiocese de São Salvador da Bahia, como nas demais Dioceses, nosso amor à Palavra de Deus tem-se manifestado na multiplicação de Círculos Bíblicos, dos quais participam famílias, amigos e vizinhos. Reunindo-se regularmente, todos leem a Bíblia e refletem sobre o que leram. Dessa leitura e reflexão nascem, espontaneamente, orações e gestos concretos em favor dos que precisam de uma atenção especial daquele grupo.
“Quem acende uma vela é o primeiro a ser iluminado por ela”, ensina a sabedoria chinesa. Familiarizando-nos com as Sagradas Escrituras, nós mesmos acabamos fazendo uma profunda experiência da verdadeira alegria – aquela alegria que nasce da certeza de que somente o Senhor tem palavras de vida eterna.
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