Dom Vital Corbellini
Bispo de Marabá (PA)
           Introdução
            Iluminados pela Palavra de 
Deus, impulsionados pela Conferência de Aparecida e pelas Diretrizes da 
CNBB 2011-2015, no momento atual fala-se bastante, com muita alegria e 
disposição de espírito, sobre o discipulado, a missão na Igreja e no 
mundo. Algumas pastorais e alguns movimentos descobriram pelo batismo 
que são missionários e missionárias, fazendo missão, pela acolhida, 
visitas às famílias e às comunidades.  A Palavra do Senhor Jesus 
encarna-se nas pessoas e nos povos. Esses temas estavam também presentes
 nos primeiros tempos do cristianismo. Eles ganharam sua consideração, 
porque as pessoas, uma vez convertidas, proclamavam aos outros as 
maravilhas de Deus em Jesus acontecidas nela. É importante fazer uma 
análise de como esses dados foram vivenciados, proclamados por muitos 
povos que se encantaram pela missão cristã.
            1. A missão a partir de escritores cristãos
Esse período (os primeiros dois séculos)
 firma a missão em quase todos os cantos do Império Romano através da 
divulgação da mensagem de Jesus aos pagãos, de modo a constituir 
seguidores e comunidades. A missão é mais urbana que rural, dando-se 
mais no Oriente que no Ocidente. Pelos autores cristãos há notícias de 
algumas comunidades onde havia serviços próprios, como os diáconos, os 
presbíteros, os bispos, e muitos leigos e leigas comprometidos.
 Clemente Romano escreveu, no final do 
primeiro século, para os Coríntios, exortando-os para unidade, uma vez 
que houve ali uma revolta contra os dirigentes da comunidade, 
presbíteros e bispos, os assim “eleitos de Deus”. Ele tem presente, 
sobretudo Cristo, que veio a este mundo para servir e ajudar as pessoas a
 se encontrarem na alegria e no amor. “Ele carrega nossos pecados e 
sofre por nós. E nós o contemplamos entregue ao sofrimento, à dor e aos 
maus-tratos. Ele foi ferido por causa de nossos pecados e maltratado por
 causa de nossas iniqüidades”.  
 Em Inácio de Antioquia há notícias, 
pelas suas cartas, da missão que prosseguia pelo mundo afora. Na sua 
visão, os bispos eram a imagem do Pai, os presbíteros, a assembléia dos 
apóstolos, e os diáconos a imagem de Jesus Cristo. Ele deseja que todos 
trabalhem pela unidade da Igreja diante dos gnósticos, docetas ou mesmo 
judaizantes. Essa unidade é dada também pela eucaristia, pelo fato de 
ter uma só carne em Jesus Cristo, um só cálice, e um único altar.  Nesse
 período, ganhou muito estima a figura de Policarpo, bispo de Esmirna. 
Sem dúvida, ele influenciou a sua comunidade na fé e na organização dos 
serviços eclesiais e sociais. Dele nós também temos uma carta dirigida 
aos Filipenses, onde ele coloca o dever dos esposos, das viúvas, dos 
diáconos, dos jovens e dos presbíteros. Ele foi uma pessoa de muita fé 
em Jesus Cristo de modo a morrer por ele. Prova disso foi a sua resposta
 diante do chefe da polícia que insistia em que renegasse a sua fé. Ele 
replicou: “Eu o sirvo há oitenta e seis anos, e ele não me fez nenhum 
mal. Como poderia blasfemar o meu rei que me salvou?”
No II século, o cristianismo se 
estabeleceu sempre mais nas cidades e também na campanha. Ele era 
proclamado junto ao povo pagão, através de pessoas simples e de mestres,
 que fundavam escolas em vista da conversão cristã. Um desses foi 
Justino do qual encontram-se dados importantes a respeito da missão. Ele
 diz que os cristãos são ateus dos deuses dos pagãos, mas não “do Deus 
verdadeiríssimo, pai da justiça, do bom senso e das outras virtudes, no 
qual não há mistura de maldade. A Ele e ao Filho, que dele veio e nos 
ensinou tudo isso, ao exército dos outros anjos bons, que o seguem e lhe
 são semelhantes, e ao Espírito profético, nós cultuamos e adoramos, 
honrando-os com razão e verdade, e ensinando, generosamente, a quem 
deseja sabê-lo, a mesma coisa que aprendemos”.  
 Ora, os cristãos não eram pessoas 
violadoras de deveres sociais. Segundo Justino, eles pagavam os tributos
 e contribuições, antes dos próprios pagãos nos lugares estabelecidos 
por eles, porque assim foi ensinado por Cristo Jesus.  Através desse 
autor, sabe-se, desde o início do II século, que os cristãos 
encontravam-se no domingo, dia do Senhor, para a celebração eucarística e
 a continuidade da vivência da palavra de Jesus em suas vidas. No 
primeiro dia da semana, ou o dia do Sol, celebrava-se um encontro 
daqueles que moravam, seja nas cidades, seja nos campos, e lêem-se as 
memórias dos apóstolos ou os escritos dos profetas.  Oferece-se pão, 
vinho, água, e o presidente faz subir a Deus suas preces e ações de 
graças. Em seguida, há a distribuição e participação de cada um dos 
alimentos consagrados pela ação de graças e seu envio aos ausentes, 
através dos diáconos sendo distribuído a órfãos e viúvas, aos que 
passavam por necessidades, aos que estavam nas prisões, forasteiros, e 
todos os que se aproximavam da comunidade para receber alguma ajuda.
Justino reconhece também que o Verbo (Lógos spermatikós)
 semeou sementes da verdade em outros povos, de modo que a missão foi 
acontecendo anteriormente pela ação divina e humana. Assim todos aqueles
 que viveram as normas do Verbo estão ligados a ele, ou mesmo os 
filósofos que buscaram a verdade e não a puderam perceber na sua 
integridade, viveram as normas do cristianismo. Se a verdade está no 
cristianismo, segundo Justino,  eles a contemplaram, em parte, e por 
isso estão ligados aos bens do Senhor Jesus. Dessa forma, esse autor do 
segundo século foi muito feliz em colocar a missão como obra de Deus em 
meio ao mundo pagão, onde a Igreja estava sempre mais ganhando forças.
   2. O significado e a identificação da missão cristã no Império – Causas da conversão cristã
         Um fato essencial é que a 
missão aconteceu no Império romano que não era a-religioso; pelo 
contrário, estavam presentes diversos deuses em contexto social marcado 
pelo politeísmo. A veneração dos deuses era um dos deveres dos cidadãos 
em relação ao Estado, constituindo um elemento importante do direito 
romano. Tudo isso visava uma religião de salvação e de utilidade 
pública.  Levanta-se a pergunta: por que o mundo antigo se converteu ao 
cristianismo e não permaneceu no contexto pagão ou seguiu a filosofia 
platônica ou ainda manifestou simpatia ao judaísmo?  Se de um lado, é 
impossível aduzir um único motivo pelo qual os pagãos buscavam o 
cristianismo, de outro lado, é possível decifrar algumas causas que 
levaram as pessoas a assumirem essa nova religião:
A busca da verdade: é o desejo de todos 
os seres humanos, em todos os tempos. Jesus tinha dito que a verdade 
liberta as pessoas (cf. Jo 8,32).  Para o cristão, a verdade é o
 Cristo, o Filho de Deus encarnado. Alguns autores converteram-se por 
essa busca da verdade contida no cristianismo, o Cristo, a presença de 
Deus. Justino de Roma fala da busca pela verdade. Tertuliano 
converteu-se ao cristianismo motivado pela verdade. Deus é o Deus verus; e a verdade é o objeto de ódio dos demônios.
      A busca pela liberdade que vem do 
próprio Cristo. Essa é uma outra causa em vista da conversão cristã. O 
Império romano tinha a base de sua pirâmide na escravidão. Esse mundo de
 escravidão e de escravos encontrou, no cristianismo, a liberdade da 
alma, uma certa igualdade dos direitos religiosos com os seus senhores. 
Percebe-se o valor da liberdade que vem de Jesus Cristo para todo o povo
 que não podia ter direitos mesmo diante de suas palavras: “A verdade 
vos libertará” (Jo 8,3).  Os padres em si eram contrários à escravidão.
      O martírio. Esse foi um outro 
fator que possibilitou a conversão do paganismo ao cristianismo, por 
parte de muitas pessoas. Diversas são as testemunhas que atraíram 
pessoas e iniciaram uma nova caminhada de fé. Tertuliano dizia: Semen est sanguis christianorum.
 “É semente o sangue dos cristãos”.  O martírio era uma ocasião que 
levava pessoas à conversão, porque trazia sofrimentos e entrega de suas 
vidas a Jesus. O martírio era visto como uma imitação do fiel a Jesus 
até às últimas conseqüências pela sua paixão, morte e a esperança na 
ressurreição.
 3. Pessoas empenhadas na missão
A missão, nos primeiros dois séculos, 
foi assumida por muitas pessoas, não só por aqueles que tivessem um 
determinado estudo ou eram enviados pela comunidade apostólica, mas 
também por pessoas humildes com pouco conhecimento. No entanto, elas não
 deixavam de divulgar o que aprenderam pelo evangelho de Cristo Jesus.
  O anúncio da fé em Cristo não era algo
 organizado pela própria Igreja, mesmo porque não podia fazer um 
controle, seja pela autoridade da Igreja, seja por uma equipe 
responsável. Se havia grandes mestres livres que tinham discípulos e 
fundaram Escolas, como Justino em Roma, Panteno, Clemente e Orígenes, em
 Alexandria, e Tertuliano, no Norte Africano, havia também pregadores 
itinerantes que assumiam com alegria a missão de propagar o evangelho de
 Cristo. A Didaqué fala de missionários (apóstolos e profetas), que 
passavam de comunidade em comunidade, de modo que a comunidade deveria 
recebê-los bem, como o Senhor Jesus.
Orígenes fala de pessoas que percorriam,
 não só as cidades, mas também as aldeias e sítios para trazerem as 
pessoas à piedade de Deus. Elas não realizavam tais coisas para se 
enriquecer, porque se contentavam com o indispensável, e homens e 
mulheres partilhavam com o povo das comunidades o que era supérfluo.
    A Igreja da Antioquia florescia e 
crescia em número; foi ali que, pela primeira vez, os seguidores de 
Cristo chamaram-se de cristãos (cf. At 11,19-26). Eusébio diz 
que os apóstolos e os discípulos foram dispersos pela terra inteira por 
causa do evangelho. Ele fala de alguns deles; Tomé, conforme a tradição,
 anunciara a Pártia, André a Silícia, João a Ásia, tendo morrido em 
Éfeso. Pedro pregou aos judeus da diáspora, no Ponto, na Bitínia, na 
Capadócia e na Ásia (cf. 1 Pd 1,1). Mais tarde fora para Roma, 
onde recebeu a crucificação de cabeça para baixo, conforme o seu desejo.
 Paulo propagou o evangelho de Cristo por diversas regiões do mundo e 
foi martirizado sob Nero.
4. O cristianismo nas diversas regiões do Império
Se a missão aconteceu de uma forma 
geral, no contexto imperial, essa se encarnou nas diversas regiões e 
províncias como a Palestina, a Síria, o Egito, o Norte da África, a 
Itália, a Gália, e a Alemanha. Nesses países, a missão ganhou valor, 
porque muitos viviam na radicalidade o evangelho, a palavra de Jesus. 
Dessa forma, o mundo antigo assumiu a doutrina cristã.      
            Conclusão
            A compreensão da missão na 
Igreja tem o seu sentido em Jesus. Ele é o missionário do Pai. Veio 
anunciar a todos a misericórdia, o amor divino. Ele convoca todos à 
fraternidade, ao amor entre as pessoas e povos. Por isso mesmo, ele 
constitui discípulos e os envia ao mundo para proclamar as verdades 
sobre a sua pessoa, o Reino de Deus, a vida, o amor do Pai e a alegria 
do Espírito Santo. A missão cristã, nos primeiros dois séculos, alcançou
 praticamente os confins do Império, de modo que muitos assumiram a 
mensagem de Jesus com disposição de espírito. É claro que a missão 
sofreu, por parte dos seguidores de Jesus Cristo, perseguições, 
incompreensões, mortes. Porém, ela transformou a vida de muitas pessoas,
 homens e mulheres, porque encontraram, na mensagem evangélica, a 
alegria de doar a vida, servir e amar Jesus nas pessoas. A missão de 
Jesus não pára no tempo, porque vem amparada por Deus Pai e é iluminada 
pelo Espírito Santo. Ela continua em cada um de nós, na família, na 
comunidade e na sociedade, para que todas as pessoas sejam discípulas, 
discípulos, missionárias, missionários de Jesus Cristo. 

 
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