Reflexões de Dom Alberto Taveira, Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará
Por Dom Alberto Taveira Corrêa
BELéM DO PARá, 23 de Maio de 2014 (Zenit.org) -
As cenas de violência, que acompanham as
manifestações de protesto das mais diversas bandeiras, multiplicam-se por toda
parte.. Ao mesmo tempo, a humanidade fica chocada com acidentes de toda ordem,
desastres naturais, a grande chaga da guerra e o desentendimento entre pessoas,
grupos e culturas. Aquela que uma vez foi chamada de aldeia global se mostra
diariamente em nossas casas. Há inclusive meios de comunicação que se comprazem
em mostrar, ao vivo e a cores, a miséria humana, tirada do fundo do baú, aquela
que outrora se encontrava escondida na sarjetas da vida ou dissimulada através
de mil truques.. E o que dizer da exposição das pessoas e seus eventuais
deslizes, através das chamadas redes sociais? Para muitos, a tentação que vem à
tona é a do desânimo. Pode ser ainda a banalização da vida das pessoas e de sua
dignidade. Outros são levados inclusive ao desespero.
Há um futuro promissor para a humanidade? Será que as previsões relativas ao
aquecimento global ou outras projeções pessimistas se realizarão? Bem perto de
nós, como serão os próximos meses com os eventos esportivos e políticos que se
avizinham? Seremos capazes de nos manter serenos e fiéis? Jesus, conversando com
seus discípulos, reunidos no Cenáculo, por ocasião da última Ceia, pronunciou
palavras de fogo, garantindo-lhes as forças necessárias para a caminhada neste
mundo. Temos certezas que nos permitem ir ao encontro dos outros sem receios,
ajudando a todos na descoberta dos sinais de vida e de esperança.
Para os cristãos existe um ponto de referência, projetado pela esperança, uma
virtude teologal. Virtudes teologais, Fé, Esperança e Caridade (Cf. Compêndio do
Catecismo da Igreja Católica, 384-387), são aquelas que têm como origem, motivo
e objeto imediato o próprio Deus. São infundidas com a graça santificante,
tornando-nos capazes de viver em relação com a Trindade, fundamentam e animam o
agir, consolidando e vivificando as virtudes humanas. Elas são a garantia da
presença e da ação do Espírito Santo em nós. Pela fé, cremos em Deus e em tudo o
que Ele nos revelou e que a Igreja nos propõe para acreditarmos. Pela esperança,
desejamos e esperamos de Deus a vida eterna como nossa felicidade, colocando a
nossa confiança nas promessas de Cristo e apoiando-nos na ajuda da graça do
Espírito Santo para merecê-la e perseverar até ao fim da vida terrena. A
caridade, por sua vez, é a virtude teologal pela qual amamos a Deus sobre todas
as coisas e ao próximo como a nós mesmos por amor de Deus. Jesus faz dela o
mandamento novo, a plenitude da lei. A caridade é o vínculo da perfeição (Cf.
Cl 3,14) e o fundamento das outras virtudes, que ela anima, inspira e ordena:
sem ela "não sou nada" e "nada me aproveita", afirma São Paulo (Cf.
1 Cor 13,1-3).
A vida cristã tem sua origem em Deus, que nos chama a partilhar de sua vida e
nos oferece a salvação. Quer dizer que a vida, quando começa no alto, tem
sentido e rumo. Há uma meta a alcançar e esta é a felicidade plena na
eternidade, com Deus e com os irmãos. De fato, Deus nos fez para chegar a esta
realização completa e a maldade ou o pecado não têm a última palavra.
Para manter viva a esperança, é necessário acreditar que Deus tem algo a ver
com a humanidade e pode, sim, intervir na história humana e na vida das pessoas.
Só Ele pode fazê-lo sem violentar a liberdade, dom com que todos foram criados.
Há um percurso a fazer, para que se mantenha viva a certeza de sentido na vida
humana nesta terra, tantas vezes "vale de lágrimas", mas destinada a ser lugar
de felicidade, "um novo céu e uma nova terra, descendo do céu, de junto de Deus,
vestida como noiva enfeitada para o seu esposo, a morada de Deus-com-os-homens.
Eles serão o seu povo, e o próprio Deus-com-eles será seu Deus. Ele enxugará
toda lágrima dos seus olhos. A morte não existirá mais, e não haverá mais luto,
nem grito, nem dor, porque as coisas anteriores passaram. Estas coisas serão a
herança do vencedor, e eu serei seu Deus, e ele será meu filho" (Ap 21,
1.3-6).
O ponto de chegada é muito alto, mas não é complicado caminhar até lá! Basta
seguir a receita do Evangelho: Quem ama enxerga e entende o que deve fazer:
"Quem me ama será amado por meu pai e eu o amarei e me manifestarei a ele". Não
é apenas conversa, pois "quem acolhe e observa os meus mandamentos, esse me ama"
(Jo 14, 15-21). Trata-se de praticar os mandamentos! Depois, quem compromete
assim sua liberdade e sai de si para amar a Deus e cumprir os mandamentos, tem a
certeza de que o Espírito da Verdade, prometido por Jesus, permanece sempre
dentro de si e a seu lado. Sabendo que o Espírito Santo prometido age no mundo e
na Igreja, não desfaleceremos no caminho e a esperança permanecerá acesa.
Uma das consequências é o testemunho a ser oferecido diante das pessoas.
Mesmo quando aparece o sofrimento, é melhor sofrer praticando o bem, se essa for
a vontade de Deus, do que praticando o mal. Cristo morreu, justo pelos injustos,
para nos conduzir a Deus, mas recebeu nova vida no Espírito (Cf. 1 Pd 3, 15-18).
Quando alguém quer saber os motivos da esperança que está em nossos corações,
começamos com o Céu, mostramos o rumo futuro, a meta da esperança, mas também
olhamos para a terra, enxergando os sinais de Deus existentes no momento
presente, ao identificar o bem que é feito e a bondade que se espalha ao nosso
redor. Há muita caridade vivida, há muitos gestos gratuitos e generosos, assim
como tanta doação de vida. Há pessoas acendendo sinais verdes de esperança, ao
invés de se armar com o amarelo do semáforo do medo ou interromper a caminhada
com o vermelho que interrompe o trânsito da vida. Que nossa vida corresponda à
fé, esperança e caridade que nos foram dadas de presente.
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