terça-feira, 13 de agosto de 2013

Padres com cheiro do povo



.
Em agosto de 1978, pouco depois de ter sido indicado como futuro presidente do Brasil, João Batista Figueiredo concedeu uma entrevista, na qual, entre outras coisas, revelou sua paixão pelos equinos. Foi então que um repórter lhe perguntou se também apreciava o «cheiro do povo»... Impulsivo e temperamental, Figueiredo não gostou da impertinência e respondeu mal-humorado: «O cheirinho do cavalo é bem melhor!».

Como não podia deixar de acontecer, a resposta lhe granjeou antipatia e piadas. Mas, se não formos hipócritas, precisaremos admitir que ele nada mais fez do que retratar a realidade: não é fácil conviver com as pessoas. Não é por nada que filósofos seguidos por amplos segmentos da sociedade atual afirmam sem pestanejar que «o homem é lobo para o homem» (Thomas Hobbes) e que «o inferno existe, sim: são os outros» (Jean-Paul Sartre).

Foi certamente por experiências decepcionantes que a sabedoria popular cunhou um provérbio desalentador: «Quanto mais conheço os homens, mais admiro o meu cachorro». Não será também por isso que um número cada vez maior de lares tem mais bichos do que filhos? Normalmente, os equinos, felinos e caninos dão menos preocupações e dissabores do que os humanos!

Evidentemente, não posso generalizar nem ser pessimista: há famílias que sabem conciliar as coisas, de modo que os cães – mas não somente eles – acabam por se tornar “amigos” do homem, defendendo-o dos perigos e até curando as suas enfermidades. Um exemplo de convivência harmoniosa foi dado por São Francisco de Assis, para quem os próprios lobos se transformam em cordeiros quando aproximados com amor. O que importa é não inverter a ordem estabelecida e seguida por Deus: «Se ele cuida das aves do céu e da erva do campo, o que não fará por vocês?» (Mt 6,26.30).

Lembrei-me de tudo isso ao conferir a homilia que o Papa Francisco proferiu no dia 28 de março de 2013, quinta-feira santa, pouco antes de abençoar os óleos do crisma, dos catecúmenos e dos enfermos. Aludindo ao perfume próprio desses óleos, pediu aos sacerdotes que a unção que receberam no dia da ordenação não os afaste do “cheiro do povo”. Cito seus tópicos mais significativos. 

Primeiramente, ele lhes recordou que tudo o que não se doa, deteriora e nos faz mal: «A unção não nos foi dada para nos perfumar a nós próprios. Menos ainda para que a guardemos num frasco: quando isso acontece, o óleo se torna rançoso e o coração fica amargo».

De outro lado, quanto mais for ungido, mais e melhor o padre realizará o seu serviço: «O bom sacerdote se reconhece pela unção que irradia. O povo gosta do Evangelho pregado com unção, que chega ao seu dia-a-dia, que ilumina suas situações-limite, “as periferias” onde o povo fiel está mais exposto à ação dos que tentam erradicar a sua fé. Os fiéis nos agradecem quando percebem que rezamos a partir das realidades de sua vida, de suas dores e alegrias, de suas angústias e esperanças».

É assim que o sacerdote se torna um “pastor com cheiro das ovelhas”: «O padre que pouco sai de si mesmo, que pouco unge, perde o melhor do que tem. Quem não sai de si mesmo, ao invés de mediador, torna-se mercenário, administrador. A diferença é conhecida por todos: o mercenário e o administrador “já receberam a sua recompensa”. Por não colocarem em jogo a pele e o coração, não recebem o agradecimento carinhoso que nasce do coração. Dessa falta, brota a insatisfação que faz com que se sintam tristes – padres tristes! –, transformados numa espécie de colecionadores de antiguidades (ou de novidades) –, o que não aconteceria se fossem pastores com cheiro das ovelhas, padres com cheiro do povo!».

Poucos meses antes, na mensagem pascal que dirigiu aos sacerdotes de Buenos Aires, o Cardeal Jorge Bergoglio prenunciara o que entendia por pastores com “cheiro das ovelhas”: «A Semana Santa se apresenta como uma nova oportunidade para acabar com um modelo fechado de evangelização, que se reduz a repetir sempre as mesmas coisas, e fazer surgir uma Igreja de portas abertas, não apenas para receber os que a procuram, mas, sobretudo, para sair e acolher a quem dela não se aproxima».

Dom Redovino Rizzardo
Colunista do Portal Ecclesia.
Bispo de Dourados (MS). Realizou seus estudos no Seminário São Carlos, Guaporé (RS), da Congregação dos Missionários de São Carlos, e os completou na Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, da Pontifícia Universidade Católica.

Nenhum comentário:

Postar um comentário