Reflexões dom Dom Wamor Oliveira de Azevedo, arcebispo de Belo Horizonte
Por Dom Walmor Oliveira de Azevedo
BELO HORIZONTE, Fevereiro de 2014 (Zenit.org) - A notícia de que o Brasil tem 13,9 milhões
de adultos analfabetos, segundo o Relatório de Monitoramento Global de Educação
para Todos, divulgado pela Unesco, é social e politicamente instigadora. O
número é muito alto e revela um sério comprometimento da cidadania. Embora não
haja lei que obrigue o adulto a estar na escola para superar o grande mal do
analfabetismo, é preciso acender uma chama de grande sensibilidade social e
política, com força de articulação de instituições governamentais, educacionais,
de igrejas e tantas outras entidades, no enfrentamento dessa chaga terrível na
sociedade brasileira.
O fato de o Brasil estar entre os dez países do mundo que concentram o maior
número de analfabetos deve ferir nossa consciência cidadã. Todos precisam intuir
ações que se configurem numa mobilização geral, capitaneada pelas
responsabilidades primeiras governamentais, para garantir aos analfabetos um
passo adiante na sua condição cidadã. Não se pode descansar diante do atual
quadro que perpetua prejuízos. As ações de combate ao analfabetismo têm suas
complexidades e exigências de investimentos. Por isso, é preciso disponibilizar
recursos profissionais, instalações e métodos para que cidadãos de várias
condições e segmentos deem sua contribuição para que, em mutirão, se possa mudar
esse cenário comprometedor da cidadania.
Importante sublinhar que existe um agravante no que se refere ao
analfabetismo existente no Brasil. Especialistas consideram que o próprio
sistema educacional brasileiro forma analfabetos, pessoas com dificuldades de
alcançar conquistas e viver a cidadania com liberdade. O analfabetismo das
letras incide, para além delas mesmas, na capacidade de compreensão e
interpretação da própria realidade. O resultado é uma deficiência na
participação social e política, a incapacidade para ajudar a corrigir os rumos
da sociedade, monitorar os políticos e fazer nascer a lucidez corajosa para as
grandes reformas institucionais. Assim, ignorar esse grave problema é condenar a
sociedade a estar enterrada na corrupção, na desigualdade, na injustiça e na
convivência pacífica com o mal.
A alfabetização é um passo indispensável para a arte de ler, consequentemente
interpretar, discernir e escolher o que deve pautar a vida de cada cidadão. É
preciso dar a todos a condição necessária para participar, de maneira cidadã,
dos processos de interpretação, entendimento e escolhas que mudam os rumos da
sociedade. A contramão disso, o analfabetismo, é um sistema escravocrata que
perpetua hegemonias e dominações, privilegiando grupos políticos e empresariais,
em detrimento do bem comum e da justiça intocável que deve presidir a sociedade.
Portanto, é preciso um mutirão, com velocidade própria, considerando
metodologias adequadas, um envolvimento de todos, impelindo particularmente o
poder público, para desenhar novos cenários. As igrejas de diferentes
confissões, com sua capilaridade, seus espaços, seus membros, podem se aliar às
instituições de ensino e, em cooperação com outros segmentos, desenhar um
projeto de ação, simples, incidente e com força de mudar este cenário.
Importante é também olhar o conjunto da sociedade e identificar as outras
formas de analfabetismo, que ajudam a explicar a atual carência dos processos
formais de educação básica eficiente.. Ajuda neste exercício escutar o Papa
Francisco, quando fala de três males que estão corroendo a contemporaneidade: as
misérias moral, material e espiritual. A miséria material é, sem dúvida,
consequência das misérias espiritual e moral. A sociedade moderna está padecendo
de um completo analfabetismo moral. Tudo é negociado, ameaçado, disputado e
dividido. Infelizmente, valem os interesses que atendem demandas do que o Papa
Francisco aponta como “idolatria do dinheiro”, levando a qualquer efeito, desde
que o próprio interesse seja atendido, muitas vezes até com aparências de
religiosidades e de comprometimento político. O analfabetismo moral está
conduzindo a humanidade a um nível intolerável de prejuízos, muitos
irreversíveis. Ele só será corrigido pela superação da miséria espiritual.
Esse analfabetismo, consequência da miséria espiritual, é o conjunto que
reúne ganhos salariais exorbitantes, o consumo desarvorado e doentio, o desejo
de poder que negocia tudo e os medos que fazem perder a serenidade na busca
pelas correções necessárias. Para superar esses males e, consequentemente,
desenvolver a imprescindível sensibilidade social, é preciso caminhar junto com
os pobres e sofredores, buscar o caminho da espiritualidade como prática no
seguimento de Jesus Cristo. Assim, serão encontradas as dinâmicas para promover
atitudes de ruptura e novas escolhas, capazes de efetivamente combater o
analfabetismo educacional e, particularmente, o analfabetismo moral. Todo
cidadão deve se comprometer no fortalecimento das bases de uma sociedade mais
solidária, travando uma grande luta contra todos esses tipos de
analfabetismo.
Dom Walmor Oliveira de AzevedoArcebispo metropolitano de Belo Horizonte
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