sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Escolher Deus



Dom Alberto Taveira Corrêa, arcebispo de Belém do Pará, reflete sobre a escolha a ser feita, como resposta de amor a concedeu-nos o presente da vida
Por Dom Alberto Taveira Corrêa

BELéM DO PARá, 05 de Setembro de 2013 (Zenit.org) - Desde toda a eternidade, fomos amados e escolhidos por Deus para sermos felizes e santos (Cf. Ef 1,4). Seu plano de amor é descrito nas primeiras páginas do Livro do Gênesis (Cf. Gn 1,1-2,25) de forma magnífica, chegando à conclusão carregada de otimismo, de que "Deus viu tudo o que tinha feito, e era muito bom" (Gn 1,31). "Deus, infinitamente perfeito e bem-aventurado em si mesmo, num desígnio de pura bondade, criou livremente o homem para torná-lo participante da sua vida bem-aventurada. Por isso, sempre e em toda a parte, Ele está próximo do homem. Chama-o e ajuda-o a procurá-lo, a conhecê-lo e a amá-lo com todas as suas forças" (Catecismo da Igreja Católica, 1). Plano perfeito! E faz parte do projeto de Deus o desafiador presente da liberdade. Não foram pensados o homem e a mulher como autômatos, a serem controlados qualquer tipo de controle remoto, mas feitos para serem participantes e parceiros na construção da própria aventura de felicidade. 
Certa feita, um jovem interno da Fazenda da Esperança mostrou-me a porteira aberta de par em par, dizendo estar ali o seu maior drama. É que, se assim decidisse, poderia abandonar todo o processo de recuperação em que se encontrava. O desafio é a liberdade, e ele escolheu percorrer a estrada mais exigente, tornando-se depois uma pessoa integrada na Igreja e na Sociedade. Da mesma forma, todos os discípulos e discípulas de Jesus Cristo, sem exceção, devem confrontar-se, mais cedo ou mais tarde, com o Senhor que lhes pergunta a respeito de suas opções mais profundas, cujas consequências condicionam as decisões cotidianas a serem tomadas. Já testemunhei desde as escolhas precoces, de crianças decididas à santidade, até as grandes crises de pessoas tocadas pela graça de Deus já às portas de sua partida desta terra. O melhor é decidir-se logo, aprender a usar o magnífico dom da liberdade para buscar o que é digno dos seres humanos, criados à imagem e semelhança de Deus.
Chama atenção o fato de que o evangelista São Lucas mostre uma exigência de medida alta, dirigida a tanta gente: “Grandes multidões acompanhavam Jesus. Voltando-se, ele lhes disse: Se alguém vem a mim, mas não me prefere a seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs, e até à sua própria vida, não pode ser meu discípulo. Quem não carrega sua cruz e não caminha após mim, não pode ser meu discípulo... Qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo!” (Lc 14,25-27.33). Não alguns privilegiados, ou mais corajosos e até heróis! Todos serão postos diante da escolha a ser feita, como resposta de amor a quem nos escolheu, concedeu-nos o presente da vida, da liberdade e do caminho de realização e felicidade. Mas é possível passar a vida inteira nesta terra sem fazer esta opção fundamental da existência, escolhendo migalhas, quando fomos feitos para a plenitude de Deus e com Deus, que não exclui a convivência com as outras pessoas e o valor a ser atribuído a tudo o que Deus fez. Afinal, ele viu que tudo era bom!
Quando não se faz esta escolha, a vida parecerá uma construção mal planejada e realizada. “De fato, se algum de vós quer construir uma torre, não se senta primeiro para calcular os gastos, para ver se tem o suficiente para terminar? Caso contrário, ele vai pôr o alicerce e não será capaz de acabar. E todos os que virem isso começarão a zombar: Este homem começou a construir e não foi capaz de acabar (Lc 14,28-33)”! As frustrações não são necessariamente resultados das eventuais falhas no processo de edificação da existência, mas da falta de clareza nos objetivos a serem alcançados. A zombaria pode vir de dentro ou de fora! É que a nota baixa dada pela própria pessoa costuma tornar-se um espectro que acompanha anos e anos de uma vida.
A “batalha” da vida pode ainda ser semelhante a “um rei que sai à guerra contra outro. Ele não se senta primeiro e examina bem se com dez mil homens poderá enfrentar o outro que marcha contra ele com vinte mil? Se ele vê que não pode, envia uma delegação, enquanto o outro ainda está longe, para negociar as condições de paz”. Jesus entende de vida e propõe pequenas parábolas cuja atualidade atravessa os séculos. Escolher a Deus como tudo da existência é condição indispensável. Quem não o faz, escolhe os afetos passageiros, apega-se a pessoas, cargos, dinheiro, posições sociais, cria apenas grupelhos de apoio aos próprios caprichos.  Qualquer crítica ou incompreensão, ou quem sabe, as dificuldades profissionais, tudo derruba o que milita na vida apenas por si mesmo. 
Vem também de Nosso Senhor uma comparação oportuna “O sal é bom. Mas se até o sal perder o sabor, com que se há de salgar? Não serve nem para a terra, nem para o esterco, mas só para ser jogado fora. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” (Lc 14,35). Volta-se para nós, cristãos, a exigente palavra de Jesus! Ou somos aquilo que corresponde à nossa vocação, ou então não serviremos para nada, nem para adubo! Que a pequena parábola nos ponha numa crise fecunda, para que não falte ao mundo a presença de quem foi chamado a ser sal, luz e fermento do Reino de Deus.
Se acontecer esta escolha de Deus, os afetos valerão sim, porém a meta e o coração serão castos, sem resquícios de antipatia ou simpatia. O esposo ou a esposa serão respeitados em seu mistério, pois ninguém é feito para ser propriedade de outra pessoa. A edificação da existência levará em conta as outras pessoas, mais ainda, levará a buscar o bem dos outros. Se Deus é amado acima de todas as coisas, estas terão sua importância, sem exageros! Os bens materiais serão buscados e ao mesmo tempo compartilhados. Quem fizer a opção por Deus não temerá os desafios, as crises ou perseguições. Sabendo o que escolheu, a pessoa assim amadurecida terá a necessária serenidade para buscar novos caminhos, procurará orientação e apoio em quem pode ouvir, aconselhar e acompanhar. Esta é uma forma para entender os chamados “conselhos evangélicos” da castidade, pobreza e obediência, proclamados por Jesus para todos os seus discípulos.
Certamente as propostas aqui oferecidas perecerão utópicas para muitas pessoas. Mas é justamente a serviço do Reino de Deus que nos colocamos como cristãos. Quem tiver a coragem de refazer, à luz do Evangelho, suas opções de vida, experimentará que um mundo diferente e novo é possível. Só que precisa começar aqui, dentro do mais íntimo do coração e das escolhas de cada homem e cada mulher, discípulos de Jesus Cristo, que aguarda a todos como missionários do Reino de Deus.

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