Reflexões de dom Dom Wamor Oliveira de Azevedo, arcebispo de Belo Horizonte sobre a semana santa.
Por Dom Walmor Oliveira de Azevedo
BELO HORIZONTE, 11 de Abril de 2014 (Zenit.org) -
Os diagnósticos da crise contemporânea
apontam processos corrosivos de desumanização, pesando existencialmente sobre os
ombros de todos. É incontestável a perda do sentido da própria vida, com
consequentes atentados contra a dignidade do outro. Violências de todo tipo
permeiam as relações sociais e humanas como o tráfico de pessoas - tema da
Campanha da Fraternidade (CF-2014) - a banalização da vida e a perda da noção de
moralidade, que resultam no desrespeito aos valores essenciais do ser
humano.
Essa desumanização que alimenta dia a dia o aumento da violência e
intensifica a inércia de ações governamentais e cidadãs, exige reação urgente e
massiva na reconfiguração dos cenários socioculturais e políticos.
Tem-se a impressão de que a sociedade contemporânea é um caminhão
desgovernado ladeira a baixo, sem freios. De tudo acontece. Tudo parece possível
quando deixa de existir clareza sobre os valores do bem e do mal na vida social
e familiar. Diante desta realidade, é compromisso inegociável do cristão o
combate diuturno para fazer triunfar o bem e a justiça.
Ardiloso, o mal não se dobra facilmente a qualquer ameaça. Vencê-lo requer
estratégias inteligentes, de racionalidade e de vontade política próprias de
quem tem estatura cidadã. Mas só a espiritualidade é capaz de sustentar a
competência daquele que assume esta luta. Só ela tem poderes para alargar os
corações e capacitar as pessoas para uma compreensão que ultrapassa a simples
lógica das relações formais e conduzir à construção de uma sociedade justa e
solidária, por meio do aprendizado do amor a partir de sua gênese: a fonte
inesgotável, o amor, Deus revelado de maneira plena na pessoa de seu Filho,
Jesus Cristo, Salvador e Redentor. Significativo é ter presente o ápice do
diálogo de Jesus com Nicodemos, narrado pelo evangelista João, quando o Mestre
diz: ‘Deus amou tanto o mundo, que deu o seu filho único, para que todo aquele
que nele crer não pereça mas tenha a vida eterna’.
Não se pode ser coração da paz e, assim, vencer o mal, sem beber da fonte do
amor, que o limite humano não garante, em si. E este amor de Deus, na história
da humanidade, se personifica em Jesus Cristo. Se há essa compreensão, permanece
cotidianamente o desafio de aproximação dessa fonte e o usufruto da oferta
dadivosa que ele faz de si, com ensinamentos e gestos que, imitados e
testemunhados, podem fazer de cada coração da paz instrumento de consecução de
uma dinâmica social e política que promova a dignidade humana.
Esses espantosos diagnósticos de desumanização da sociedade contemporânea
precisam ser afrontados, com o propósito inadiável de nova configuração, em
segurança pública, educação, trabalho, saúde, moradia, política menos
partidarista e mais cidadã. Pela garantia de oportunidades para todos, por uma
cultura que supere a exclusão social. Sendo assim, a reconquista da humanização
que se anseia neste momento, com a reorganização das diversidades de todo tipo,
autonomias e liberdades, demandas e prioridades, só será possível por meio de
uma espiritualidade enraizada, fazendo de cada pessoa coração da paz.
A vivência da Semana Santa, a Semana Maior, fixando o olhar na revelação
plena do amor de Deus, aproximando-nos da fonte inesgotável, é a grande
oportunidade para se recuperar a espiritualidade tão necessária. A
superficialidade de fazer da Semana Santa um feriadão pode ser um equívoco. O
repouso justo, o silêncio fecundante, a oração alargadora do coração, as
abstinências, a sensibilização pela escuta e a celebração do mistério da paixão,
morte e ressurreição de Jesus são possibilidades fecundas para um novo tempo de
vida pessoal e comunitária em busca do indispensável vigor espiritual.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
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