terça-feira, 11 de março de 2014

Fraternidade sim, racismo não!


Não faz muito tempo, numa roda de amigos, alguém disse: “O racismo já era. A sociedade já superou esse pecado. Vejam! Aqui estamos desfrutando a riqueza da amizade com a diversidade dos tons de nossa epiderme e de nossa etnia”. Lamentavelmente, a afirmação entusiástica do amigo se defronta, em nossos dias, com um racismo vivo e violento. Presente não apenas em estádios de futebol, mas também em tantos outros espaços sociais, culturais e até religiosos.

À revelia dos princípios de igualdade, reconhecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e nos propósitos e compromissos da III Conferência Mundial Contra o Racismo (promovida pela ONU, em Durban na África do Sul, em 2001), a discriminação racial, a xenofobia e intolerância correlatas, o racismo continua ferindo, e em muitos lugares desprezando, traficando e matando seres humanos, “imagem e semelhança de Deus”. As pessoas de bem, os religiosos, as lideranças responsáveis pelo bem comum, não podem ficar de braços cruzados ou de olhos vedados. O racismo, crime “lesa-humanidade”, está vivo. Negros e negras são os mais atingidos por essa violência.

A maneira perversa do racismo brasileiro torna invisível uma inaudível população de cerca de 80 milhões de brasileiros. É um fenômeno no mundo contemporâneo. Os interesses do povo afro-brasileiro são escamoteados e a impressão superficial que se tem da sociedade brasileira é a de que, em matéria de convívio interétnico, o Brasil é exemplo para o mundo.

O Documento de Aparecida, elaborado em maio de 2007, na V Conferência Episcopal Latino-americana e Caribenha, continua atual quando afirma: “A história dos afro-americanos tem sido atravessada por uma exclusão social, econômica, política e, sobretudo, racial, onde a identidade étnica é fator de subordinação social. Muitos são discriminados na inserção do trabalho, na qualidade e conteúdo da formação escolar, nas relações cotidianas e, além disso, existe um processo de ocultamento sistemático de seus valores, história, cultura e expressões religiosas. Permanece, em alguns casos, uma mentalidade e um certo olhar de menor respeito em relação aos afro-americanos. Desse modo, descolonizar as mentes, o conhecimento, recuperar a memória histórica, fortalecer os espaços e relacionamentos interculturais, são condições para a afirmação da plena cidadania destes povos”.

A Igreja Católica − que, como lembrou o Bem-aventurado Papa João Paulo II, pede perdão a Deus, por algumas ações equivocadas ou algumas omissões em sua missão pastoral junto à população negra − “denuncia a prática da discriminação e do racismo em suas diferentes expressões, pois ofende no mais profundo a dignidade humana criada à imagem e semelhança de Deus”. (cf. Documento de Aparecida, 533).

Nos dias de hoje, a família das nações precisa de um concertado programa de ação para abordar a questão do racismo e desativá-lo para sempre. Pois, ele é o motor principal da cultura de morte, presente em nossa sociedade. “Rezemos uns pelos outros para que haja uma grande fraternidade” (Papa Francisco).
Dom Gilio FelicioBispo de Bagé
CNBB Sul 3

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