Reflexões de Dom Alberto Taveira, Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará
Por Dom Alberto Taveira Corrêa
BELéM DO PARá, 21 de Fevereiro de 2014 (Zenit.org) - Muitas vezes temos diante de nossos olhos
bulas de remédios, outras são as longas orientações anexas aos muitos aparelhos
eletrônicos. Nem sempre lemos tudo isso, ainda que saibamos o quanto são úteis
para nossa vida. Os eventuais efeitos secundários de medicamentos usados
indevidamente podem trazer consequências graves, e o desconhecimento de
possibilidades oferecidas pelos recursos tecnológicos limita o pleno
aproveitamento dos mesmos. Quanto à saúde não são supérfluas ou indiferentes às
prescrições constantes nas receitas médicas.
E a vida cristã comporta receitas? É possível encontrar um tipo de manual,
com o qual caminhar com mais segurança na estrada da perfeição cristã? O Senhor
põe à nossa disposição prescrições destinadas à nossa saúde espiritual? Para
responder a esta pergunta, é bom lembrar-nos que, ao criar-nos com o precioso
dom da liberdade, Deus quis assentar-se conosco à mesa da vida (Cf. Ap 3,20),
para que acolhamos seu convite e abramos a porta do coração. Como somos obra
prima de sua criação, é claro que Ele oferece o que existe de melhor para os que
são feitos filhos e filhas. O ponto de partida para a viagem da vida é que Deus
nos leva a sério e nos fez livres, para sermos felizes, como Deus é feliz.
O Catecismo da Igreja Católica começa com a feliz constatação de que o ser
humano é “capaz de Deus” (Cf.. números 27-35). De fato, “Deus não cessa de
atrair o homem para si e só em Deus é que o homem encontra a verdade e a
felicidade que procura sem descanso”. Através dos múltiplos sinais, começando
pela sede de infinito existente no coração humano, o Senhor atrai para perto de
si os homens e mulheres de todos os tempos, o que se torna fonte de alegria para
todos. Vale a pena conhecer a busca incessante existente no coração das pessoas
inquietas, que querem saber mais, conhecer, descobrir estradas novas!
Quando a Sagrada Escritura relata a entrega dos mandamentos ao Povo de Deus
(Lv 19,1-2.17-18), inclui um convite provocante: “O Senhor disse a Moisés: Dirás
a toda a assembleia de Israel o seguinte: ‘sede santos, porque eu, o Senhor,
vosso Deus, sou santo”.. Quando a Igreja se prepara para a canonização de dois
Papas de nosso tempo, João XXIII e João Paulo II, faz muito bem saber que é
possível percorrer o caminho da santidade. Mais ainda, é bom saber que é o
melhor para todos. Não fomos feitos para chafurdar-nos na lama do pecado e do
egoísmo, mas para a felicidade, a comunhão com Deus e uns com os outros. São
Paulo (Cf. 1 Cor 3,16-23) usa uma feliz expressão, com a qual se identifica a
presença contínua de Deus em nossa vida: “Não sabeis que sois o templo de Deus,
e que o Espírito de Deus habita em vós?” Não dá para fugir! Como Deus não tem
duas palavras, Ele está sempre perto de nós e, de sua parte, vai sempre insistir
em que respondamos ao seu amor. Primeiro item de nossa “receita”: é possível
caminhar na direção da perfeição e esta se chama santidade!
Para alcançá-la, não se trata de fazer um caminho de heroísmo individual, mas
de guardar a Palavra de Deus. De fato, é perfeito o amor de Deus em quem guarda
sua palavra (Cf. 1Jo 2,5). Manter um diálogo constante com Deus, escutar sua
Palavra que se encontra na Escritura e sua voz presente no grande Livro que é a
vida! Para ser santos, antenas do coração e da inteligência ligadas nos grandes
sinais de Deus.
E a Palavra do Evangelho (Mt 5,38-48), no Sermão da Montanha, desdobra um
verdadeiro mapa da estrada da santidade, com itens extremamente práticos.
Trata-se de seguir as orientações! Ao encontrar-nos em situações desafiadoras,
não resistir ao mau, oferecer a outra face, ou a túnica, quem sabe mais mil
passos, ou não fugir de quem pede dinheiro emprestado, amar os inimigos, fazer o
bem aos que nos odeiam, orar pelos que nos perseguem. É natural nossa reação:
seremos inativos ou tolos diante de quem nos agride? Trata-se, sim, de acreditar
na força da não-violência, escolher os verdadeiros caminhos alternativos, com os
quais se desmonta a trama da maldade. A paciência diante das agressões, a opção
pela escuta dos que pensam de modo diferente, enxergar o lado das outras pessoas
nas questões mais delicadas, exige muito mais força e coragem do que quebrar e
destruir tudo que estiver à nossa volta.
Jesus sabia muito bem quais seriam as reações ao seu discurso e que estas
ressoariam através dos séculos no interior das pessoas. Por isso mesmo, ofereceu
o modelo para este novo modo de encarar a vida. Trata-se de olhar para o Pai do
Céu, e basta ver o sol ou a chuva, que servem a bons e maus, justos e injustos!
Estupenda e desafiadora simplicidade! Pagar o mal com o mal não é novidade. É
fácil! “Se saudais apenas vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não fazem
isto também os pagãos?” (Mt 5, 47). Revolucionário é trazer para a terra o modo
de viver que é próprio de Deus. Perfeição é uma ação do próprio Deus no coração
do discípulo. Maior a docilidade, mais o Espírito Santo poderá agir em nós.
A proposta do Evangelho é de grande atualidade, pois nos possibilita criar,
num mundo agressivo e violento, bolsões de vida mais digna e respeitosa. As
famílias e as comunidades cristãs podem começar a ser diferentes. O exercício da
gratuidade no relacionamento, a capacidade de gastar tempo para ouvir as
pessoas, o cultivo de valores, como a simplicidade no trato ou a civilidade de
novo cultivada. De forma muito prática, os cristãos exercitarão e ajudarão
muitas outras pessoas a descobrirem que na vida social não se pode apenas e tão
somente exigir direitos, mas há deveres a serem cumpridos e com os quais
construímos a civilização. Se não nos cuidarmos, há um risco de verdadeira
barbárie bem perto de nós, mas se começarmos a caminhar contra a correnteza do
egoísmo, a mudança já começou, e para melhor.
Basta olhar ao nosso redor. Pode começar com o cumprimento mais polido aos
vizinhos, para alcançar o cuidado dos estudantes com as carteiras escolares, ou
as lixeiras conservadas e utilizadas em nossos espaços públicos, a superação da
agressividade no trânsito e daí por diante!
A casa que é a Igreja será o lugar da formação e do intercâmbio de
experiências, onde as pessoas são chamadas a compartilhar suas experiências de
vida, alimentar-se do próprio Deus e rezar umas pelas outras. Como sabemos muito
bem de nossas limitações, peçamos ao próprio Pai do Céu que nos ajude:
“Concedei-nos, ó Deus todo-poderoso, que, procurando conhecer o que é reto,
realizemos vossa vontade em nossas palavras e ações”.
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