Dom Alberto Taveira Corrêa, arcebispo de Belém do Pará, reflete sobre o Dia de todos os Santos e a Comemoração dos Fiéis falecidos
Belém do Pará, (Zenit.org) Dom Alberto Taveira Corrêa | 129 visitas
O calendário da Igreja nos oferece, neste final de semana, duas faces da magnífica medalha cunhada por Deus, que é a nossa vida, o Dia de todos os Santos e a Comemoração dos Fiéis falecidos; Olhamos primeiro para o ponto de chegada, que corresponde ao magnífico destino para o qual fomos criados, a plenitude da vida e da felicidade junto de Deus, “uma multidão imensa de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas, e que ninguém podia contar” (Ap 7, 9). Temos a certeza de que Ele não fez ninguém para a perdição, mas todos têm em si a vocação para a plena realização de todas as suas potencialidades. Tanto é verdade que o Pai do Céu enviou seu próprio Filho, como nosso Salvador e Redentor, para que todos tenham vida, e vida em abundância (Jo 10,10).
Vida plenamente humana é aquela que enxerga o horizonte aberto pelo próprio Deus. A Solenidade de todos os Santos indica a perspectiva da existência marcada por uma realidade descoberta pela fé: “Desde já somos filhos de Deus, mas nem sequer se manifestou o que seremos! Sabemos que, quando Jesus se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque o veremos tal como ele é” (1 Jo 3,2). Santidade é para todos! Se nos alegramos com a iminente canonização de dois papas do nosso tempo, os Beatos João XXIII e João Paulo II, é para que sejam reconhecidos como referência e como possibilidade. São duas personalidades carregadas de humanidade, cujo percurso histórico nesta terra teve muito de parecido conosco. São homens que vieram de famílias muito simples, lutaram e amadureceram em tempos de grandes desafios, com a provocação das ideologias do século XX. Souberam dialogar com a cultura de nossa época, alegraram-se e sofreram com as mesmas realidades que até hoje nos envolvem. Percorreram o caminho dos bem aventurados, de olhos fixos naquele que é “o bem-aventurado”, Jesus Cristo: os pobres em espírito, dos quais é Reino dos Céus; os aflitos, que serão consolados; os mansos, porque possuirão a terra; os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados; os misericordiosos, que alcançarão misericórdia; os puros de coração, porque verão a Deus; os que promovem a paz, chamados filhos de Deus; os que são perseguidos por causa da justiça, de quem é o Reino dos Céus! Homens e mulheres que se descobriram felizes quando injuriados e perseguidos por causa de Cristo. Pessoas portadoras de uma alegria invencível, certos da recompensa nos céus (Cf. Mt 5, 1-12).
A santidade, vocação universal dos cristãos, começa com coisas simples. João XXIII registrou em seu Diário íntimo um caminho bom para todos, adequado para uma festa de Todos os Santos bem vivida, chamado “Decálogo da serenidade: 1. Procurarei viver pensando apenas no dia de hoje, exclusivamente neste dia, sem querer resolver todos os problemas da minha vida de uma só vez; 2. Hoje, apenas hoje, procurarei ter o máximo cuidado na minha convivência, cortês nas minhas maneiras, a ninguém criticarei, nem pretenderei melhorar ou corrigir à força ninguém, senão a mim mesmo; 3. Hoje, apenas hoje, serei feliz. Na certeza de que fui criado para a felicidade, não só no outro mundo, mas também já neste; 4. Hoje, apenas hoje, adaptar-me-ei às circunstâncias, sem pretender que sejam todas as circunstâncias a se adaptarem aos meus desejos; 5. Hoje, apenas hoje, dedicarei dez minutos do meu tempo à uma boa leitura, recordando que assim como o alimento é necessário para a vida do corpo, a boa leitura é necessária para a vida da alma; 6. Hoje, apenas hoje, farei uma boa ação, e não direi a ninguém; 7. Hoje, apenas hoje, farei ao menos uma coisa que me custe fazer, e se me sentir ofendido nos meus sentimentos, procurarei que ninguém o saiba; 8. Hoje, apenas hoje, executarei um programa pormenorizado. Talvez não o cumpra perfeitamente, mas ao menos o escreverei, e fugirei de dois males, a pressa e a indecisão; 9. Hoje, apenas hoje, acreditarei firmemente, embora as circunstâncias mostrem ao contrário, que a Providência de Deus se ocupa de mim, como se não existisse mais ninguém no mundo; 10. Hoje, apenas hoje, não terei nenhum temor, de modo especial não terei medo de gozar o que é belo, e de crer na bondade.
A santidade que começa com muita simplicidade, é destinada a fazer o bem aos outros. Não é feita para aparecer, não se incha de orgulho. Sua motivação de fundo é a caridade, sem a qual nada vale neste mundo. Até porque é apenas a caridade que será levada para o encontro definitivo com Deus, “o lado de lá”, quando veremos face a face o Senhor. Ela é uma aventura feliz e bem sucedida, construída no dia a dia e unificada pelo fio de ouro do amor de Deus, que nos faz ver o sentido de tudo o que vivemos. De fato, tudo concorrerá para o bem dos que amam a Deus (Cf. Rm 8, 29)! O Livro do Apocalipse vê uma imensa multidão, de toda língua, raça, povo e nação, “os que vieram da grande tribulação. Lavaram e alvejaram as suas roupas no sangue do Cordeiro” (Cf. Ap 7, 2-14).
O “lado de lá” é preparado pelo “lado de cá” bem vivido, com o qual os homens e as mulheres se preparam para a páscoa pessoal, enfrentando todas as dificuldades e ultrapassando o misterioso e também magnífico umbral da morte. Como ninguém ficará para semente nesta terra, ocorre meditar sobre esta realidade, tomar consciência de sua seriedade e preparar-se bem. Morremos do jeito que vivemos. Nossa morte e nosso Céu se constroem no dia a dia, para que o dia do Senhor não nos surpreenda, mas nos encontre vigilantes e preparados!
Ninguém precisa ficar preocupado com a morte, mas viver bem, amando a Deus e ao próximo, semeando o bem e a bem-aventurança. E quando a morte chegar, será a oportunidade de virar o jogo! O segredo está, também aqui, em nosso Salvador: “Ninguém tira a minha vida, eu a dou livremente” (Jo 10,18). Vale a pena antecipar a morte! Sim, morrendo cada dia para o egoísmo e para a maldade, transformando em dom a Deus e aos outros cada ato de nossa existência. Quem viver assim poderá dizer com São Paulo: “Para mim, de fato, o viver é Cristo e o morrer, lucro. Ora, se, continuando na vida corporal, eu posso produzir um trabalho fecundo, então já não sei o que escolher. Estou num grande dilema: por um lado, desejo ardentemente partir para estar com Cristo – o que para mim é muito melhor; por outro lado, parece mais necessário para o vosso bem que eu continue a viver neste mundo” (Fl 1,21-24). Que cheguemos a tais alturas: “Sabemos que, se a tenda em que moramos neste mundo for destruída, Deus nos dá outra moradia no céu, que não é obra de mãos humanas e que é eterna. Aliás, é por isso que gememos, suspirando por ser sobrevestidos com a nossa habitação celeste; sobrevestidos digo, se é que seremos encontrados vestidos e não nus. Sim, nós que moramos na tenda do corpo estamos oprimidos e gememos, porque, na verdade, não queremos ser despojados, mas sim sobrevestidos, de modo que o que é mortal em nós seja absorvido pela vida, quem nos preparou para isto é Deus, que nos deu seu Espírito em garantia. Estamos sempre cheios de confiança e bem lembrados de que, enquanto moramos no corpo, somos peregrinos, longe do Senhor; pois caminhamos pela fé e não pela visão. Mas estamos cheios de confiança e preferimos deixar a moradia do nosso corpo, para ir morar junto do Senhor” (2 Cor 5, 1-8).
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